quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Um dia próximo


Olho para a superfície lisa, que reflecte a minha imagem,
E identifico as marcas de expressão, muito expressas,
Evidentes, mas despontadas sem grosseiras pressas,
Que denunciam, do tempo, a sua incontornável passagem.
Noto a falta do cabelo perdido despreocupadamente, e sem pena.
Identifico-me, sem números e sem ilustrativa legenda.
Felicito a expressão tranquila, harmonizada e a alegria serena,
Contentamento puro, como despretensiosa e singela prenda.

Há muito que não me olhava tanto e tão aturadamente.
Reconheço-me e reconheço o brilho dos olhos castanhos,
O nariz fino e que encima o traço da boca, sem arreganhos.
Como é familiar o rosto oval e a testa alta é convincente.
Asseguro-me de que não me esqueci da minha figura.
Não há peso, preocupação, cálculo ou avaliação.
Não há tristeza, sofrimento, mágoa ou amargura.
É um simples olhar sem afeição, esgar ou admiração.

Abandono a duradoura e insistente acção sem movimento
E movimento, sem sequela, o corpo, para o descanso
De uma cadeira generosa, onde, sentado, tudo alcanço
E onde alinho, sem duplicidade ou simulação, o entendimento.
Os anos passam neste corpo usado, testado e maduro
E não os condeno, nem os recordo com toda a minúcia.
Dou continuidade a uma vida, frágil e preciosa, que asseguro.
Não me atormentam os anos vindouros, a quantidade ou a astúcia.

Reservo uma inspiração para a alongar e encher-me de ar,
Que projecta o peito, numa expressão de força e vitalidade.
É o pequeno prazer de um suspiro e não uma efémera vaidade.
Sou feliz e, quando não o sou, esforço-me para perpetuar
O sorriso decorado de quem é feliz sem entendimento.
Sem reconhecer que há felicidade em coisas pequenas,
E em pequenas e comuns se agigantam no sentimento
E na dimensão de coisas essenciais, propícias e amenas.

Não sou grande, nem ilustre e o meu grande feito é viver.
Viver como quem vive, e nem sempre o consigo, desprendido.
Por vezes sigo errante e em contratempo, perdido.
Não importa, isso hoje não me vai ocupar ou deter.
Devo estar com aspecto seráfico, neste sorriso rasgado,
Evidente, luminoso, construído e, simplesmente, corajoso.
De olhar feliz e brilhante, no semblante despreocupado.
Na vida é fundamental procurar ou forjar a satisfação e o gozo.

11/10/2007

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