segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Sobrar


Sobrar

Sobram-me os silêncios, os vazios, as ausências
E um rol de nadas, grandes e pequenos.
Sobram-me os demais, os de menos,
Os trejeitos, palmadinhas e clemências.
Dádivas graciosas que me completam por fora,
Lembranças de longe, de perto, de hoje e de outrora.

Sobram-me os hiatos, as faltas, outros intervalos
E uma relação de imperfeições, interminável e extensa.
Sobram-me os adjectivos, os paralelismos e a descrença;
Os acessórios, as correspondências e os pálidos halos.
Por prestígios desditos e arremedos de satisfação,
Sei que não sou recebido com agrado ou aprovação.

Sobram-me os becos sem saída, os atalhos, as ruas estreitas;
Os sentidos únicos, os obrigatórios e os proibidos.
Sobram-me os tempos não encontrados e os perdidos;
As fórmulas, os preceitos, as determinações e as receitas.
Cumprimentos determinados pelo protocolo instituído,
Que me distanciam e me preservam desaparecido.

Sobram-me as insanidades, as dores, as doenças,
A vigília das noites sem sono e dos dias dormentes.
Sobram-me os virtuais amigos, os próximos, os parentes;
Os pródigos em avaliações, julgamentos e sentenças.
Desconheço quem, fielmente, me prometeu o inferno;
Grande filantropo do bem-querer, complacente e fraterno.

Sobram-me as divisões, as desuniões, as despedidas
E um conjunto de separações reais e desagregadas.
Sobram-me as desistências, as soluções indesejadas,
As capacidades vagas e as duradouras ocasiões perdidas.
O abandono apertado e abreviado faz eco no ermo
De uma vida mansa, ténue, experimentada e a termo.

Sobram-me as censuras veladas e as reprovações ocultas
Em máscaras de felicitações, consentimentos e regozijos.
Sobram-me as fugas, as escapatórias, os esconderijos;
As fiscalizações, as punições, as condenações e as multas.
Impõem, por uma perspectiva, o rasurar de um sentimento
Que se associa a um estado de espírito, ou de alma, em lamento.

Sobram-me as sobras, os excessos, os trocos, o que acabou;
Os gastos, as dívidas, as insolvências e os defesos.
Sobram-me as faltas de razão, os apupos, os desprezos;
O que, teimosamente, querem que eu seja e não sou.
Se eu levar, das memórias, nada mais que uma herança,
Que seja, ainda que saudosa, a figuração da esperança.

Aveiro, 30 de Junho de 2008

5 comentários:

  1. Nem sei que diga deste está simplesmente divino. Um grande beijinho. Talvez abandone os meus blogs do sapo, e também não sei se estás aborrecdio comigo...Espero que não, mas depois avisarei se por acaso quiseres ou fizeres gosto em "ter-me" contigo. Boa noite amigo

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  2. Verniz Negro:
    Não estou aborrecido contigo, nem encontro motivos para isso. Não te esqueças de comunicar a tua "morada", se abandonares os blogues do Sapo. É uma honra poder fruir da tua escrita e companhia.

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  3. 2linhas:
    Sim.
    Há quem conquiste serenidade e algum contentamento na necessidade ou no excesso, enquanto sobra o ciúme e/ou o despeito para outros. Adquirimos e preenchemos vazios durante o tempo de vida em que fruímos de lucidez e entendimento, quando, ou se alguma vez, os possuímos.
    ;)

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  4. ;)


    A lucidez... A mind that is stretched by a new experience can never go back to its old dimensions.

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