segunda-feira, 26 de julho de 2021

Céu autocolante




Aveiro, por estes dias, cheira a asfalto quente, novo; 
Embota-se em múltiplas obras, particulares e camarárias. 
A cidade reclama, reclama sempre e invariavelmente, 
Das obras que, se não se fazem, urgem, de todo, ao povo 
E, ao fazer-se, para os mesmos, são de todo desnecessárias. 
 
O pensamento vacila entre o habitável e o inóspito, compasso, 
Como quem acaba de encontrar a realidade oscilante. 
Os relógios procuram, apenas, a paz desentediante 
Na cidade, nos amigos, nos sentimentos, no tempo, no espaço, 
Todos em obras, todos a ronronar ao céu autocolante. 
E eu, o que faço nestes refúgios imaginários de embaço? 
 
De uma ou de outra forma, dançamos com os vírus, 
Na abundância da solidão e no infortúnio dos suspiros, 
Agarrados aos dispositivos, chamados de “pessoais”, 
Profusamente escrutinados em processos institucionais 
Ou em procedimentos de salteadores digitais. 
 
A cidade reclama, reclama sempre, e cada vez mais, politicamente; 
Tudo é um drama, trampolinice, hábito, recôndito, hipocrisia. 
Nesta barafunda, levam-te a credulidade, a consciência e a alegria. 
Séculos de ninharias reduzidos à volúpia de quem mais mente. 
 
Que saudade do ulmeiro, o meu bom e velho amigo, 
Transplantado no outro lado da cidade, parque dos amores, 
Estagnados, onde, agora, concede abrigo. Podado abrigo. 
Paupérrimos braços, ramos, de paupérrimas cores. 
Delimito o prazo; protelo o abraço; realizo a visita e prossigo, 
Com a fragilidade das pequenas coisas, repletas de rumores. 
E, sim, tenho fantasmas que se assustam comigo. 
E amo de Aveiro. E amo Aveiro. 



[miscelânea]
[20 de julho de 2021]



2 comentários:

  1. O alvoroço das obras, o frenesim da cidade, o tumulto do interior, que se abraçam e dançam, onde há espaço para amar e amar a cidade.
    Gosto muito.
    Bjks

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  2. A invasão das novidades citadinas... ao nosso espaço interior... e a nossa adaptação ou inadaptação perante tal... mas o passado ganha-nos sempre! Sempre achamos que o que não volta a ser... era a melhor versão, do que já lá não está! Falo por mim... e da transfiguração que Lisboa sofreu, nos últimos anos... e no caso... nem sempre para melhor...
    Que Aveiro se reinvente, de uma forma positiva, saudável e cativante!
    Adorei o poema... mais um, que nos mostra a tua paixão, por esta bela cidade!
    Beijinhos
    Ana

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