Observar com contexto de lugar
ou
Estar fora
Preparo-me lenta e calmamente para a sorte, com destino e
sem destino. Estou cansado, em comparação com os fatigados.
Lavei as mãos, que escreveram as últimas palavras na
areia, no mesmo mar que lavou a areia e que apagou, da areia, as últimas palavras
escritas pelas mãos lavadas. Isto aconteceu há uns dias e não lavei as mãos,
precisamente, fiz com que a água salgada retirasse a areia que se fixara nas
mãos, mãos que ficaram com o seu gosto e odor, o gosto e o odor do mar. Não ficou
o seu som e, por bem, não se fixou qualquer cor. Não transporto o mar nas
minhas mãos, embora o tenham, mas possuem um mundo, vago, com vários mares e
marés.
O mar fala-me sempre que me vê, não me diz o que quero
ouvir, diz-me o que quer e o que lhe convém. Sem própria boca, ele não tem os
seus próprios olhos, mas tem olhos próprios e boca própria. Ele tem ondas,
quase sempre, e eu faço algumas, de vez em quando. Sei que somos amigos e por
vezes, por vezes, zangamo-nos, mas devolveu-me sempre, assim como devolve algum
lixo. É estranho lavar-me num amigo, que, de alguma forma, me suja e lava
quando me molha e me lava sem me molhar.
Prevarico, tomo banho todos os dias, pelo menos uma vez, quase
sempre de manhã, não no mar e a areia não sai.
Estou sentado, não há mar, não há areia. Não é tarde. Chegou
a hora de entrar decididamente no destino que não existe e que se produz, depois
de abrirem a porta.
Abrem a porta.
Os olhos adaptar-se-ão ao novo ambiente, à nova luz. Hei-de
me erguer definitivamente, e os olhos comigo, em silêncio e com um esforço de esboço
de sorriso ligeiro, para desabar desassombradamente no mar.
O que importa?
O mar fala, fala assim, e na nossa pequenez perante ele diz-nos coisas barbaras que não queremos escutar mas estão lá, ele diz-nos também que só nós podemos lavar as mão da areia quando na verdade estamos dispostos a isso e aí tudo é possível, as vagas do mar acalmam e podemos sentir a leve brisa da acalmia do mar.
ResponderEliminarbeijinhos