Divisa
- “O espantalho,
conhecedor da sua identidade e inutilidade, sentiu um vazio no lugar das quarenta
e quatro palhas e algumas palavras, que o deveriam preencher, e remediavelmente
deixou cair os braços relativamente irremediáveis. Ouviu, emudeceu e ponderou.
Abusou mentalmente das metáforas e da transformação real preservou alguma da
matéria que não se desprendeu.
Há algumas coisas que
alguns espantalhos sabem e há algumas coisas que alguns espantalhos sentem.
Assim com existem tantos sentimentos, realidades, factos, objectos, seres… Coisas,
que um espantalho desconhece.
Ele, o espantalho,
sabe que após uma discussão veemente, um dize-tu-direi-eu, se despende um
grande período de tempo na vitimização; na procura de quais teriam sido os
melhores argumentos; nas razões esquecidas, o que ficou por dizer; no que se
responderia se fosse agora; na injustiça recebida; no recrutamento de possíveis
aliados. Sabe que raramente se pensa na inutilidade da disputa hostil,
violenta; na oportunidade perdida de fazer brilhar a serenidade, a paz, a
sabedoria e, até, o silêncio; nos estragos causados pelas palavras lançadas de
qualquer forma, ainda que sinceras e justas.
Sabe, o espantalho,
ainda e também, que é possível dizer o que se sente sem agredir deliberadamente
e conhece o dever de desfazer o equívoco quando se agride de forma não
intencional. Sabe que, se o ataque é deliberado, pode, ainda assim, pedir-se
desculpa, se verdadeiramente for sentido, para continuar a ser verdadeiro.
O espantalho reconhece
termos e frases: que se entranham; que mergulham no passado e trazem à tona
realidades que já não o são; que transportam fases, épocas, períodos, estações
e idades; que levantam uma poeira intensa; que trazem os defuntos à vida; que,
embora sendo de outros, penetram até ao âmago, até fazerem parte, do terceiro e
que dele brotam renovadas.
Nas várias leituras
das suas considerações, reconhece e compreende que alguns ministros não são
servidores.
Os asseios partem na
companhia das gralhas. Chegam com elas os resíduos sólidos e serviços que foram
institucionalizados e caracterizados para lhe dedicarem mais tempo,
nomeadamente, para a aposição de etiquetas e algumas pautas, que são mimos de
disponibilidade, de utilização, de consumo, entre outras garatujas, mais ou menos
amorosas.
Da companhia das gralhas
procede um carinhoso contributo para uma difusão de quotas, parcelas de
espécimen em extinção, onde a cruz há muito que foi substituída por um traço
horizontal, julgo que para assegurar a imparcialidade religiosa. Agora o
espantalho soa fidelíssimo a uma só entidade do género, creio que, até que a
morte os separe.
As gralhas não
conhecem e/ou não querem conhecer, não sabem e/ou não querem saber das coisas
do mundo de um espantalho. Cogitam e transmitem que o espantalho fala, pensa e
escreve sobre elas em plagiato, quando, afinal, o traje devaneador da imitação
é delas, das gralhas.
Com auto ou sem auto, a
criatura sabe que nem tudo o que se escreve e/ou lê é biográfico e/ou
fingimento.”