quinta-feira, 31 de julho de 2014

argau 10




demorei-me mais do que pensara. 
o mar não se acalmava e a agitação 
era maior no interior do silêncio. 
o improvável servia-se subitamente. 
a coincidência duvidava das coincidências. 
cheguei a pensar que a cidade se salvara 
à hora do jantar, mas ainda se ouviam 
talheres e pratos, e os telejornais. 
alguém tinha encomendado a noite. 
quanto pesará a noite absoluta? 





quarta-feira, 30 de julho de 2014

argau 9





havia um tempo fechado por descobrir, 
afectos encantados como ondas no mar, 
silêncios que bastavam para a felicidade. 
encontrei-os, no sótão, com algumas músicas, 

esquecidos, empoeirados, embrulhados 
em palavras que já não brincavam. 
e podíamos começar em silêncio, 
de novo, mal arrumados, sem medo, 

no nosso compasso e de improviso, 
não fossem os espaços de confiança 
perdida, como reticências móveis, 

prontas a apontar para um qualquer fim. 
mas sem tumultos e sem tristezas 
porque, afinal, é tão fácil embalar-me. 



terça-feira, 29 de julho de 2014

argau 8





e se o tempo e o espaço forem um engano? 
eu acreditei que poderia amar e amei. 
na espessura das palavras, 
acreditei que te poderia tocar. 
mas acreditar era a forma 
de esboçar a minha possibilidade. 
então, segui pela rua a quem chamaram 
liberdade, e onde as lágrimas sorriem. 
a claridade crescia e de tanto crescer 
abriu o horizonte extraído das circunstâncias, 
fora do nosso próprio alcance, 
no local e no tempo mais além; 
e um abraço que pede um novo abraço. 
a fórmula e a forma de transformar os meus 
sentidos. No cair do pano, é a rua que chama 
por mim, até ao fim, que não se encontra 
nos livros, que agora dormem longe. 




sexta-feira, 25 de julho de 2014

argau 7





já não necessitávamos de imaginar o céu 
e sempre acreditámos que o passado era 
um local de passagem. e com esse alcance 
poderíamos amar o presente arrancado, até, 
aos maus caminhos que eu não fui capaz 
de cruzar. sei que foi uma distância que só 
serviu para nos fazer crescer os sentidos.
 
hoje, é difícil recuperar a razão dos dias 
proibidos, que eram a forma de seguir 
em frente. por vezes era só acreditar, 
mas nem sempre foi fácil atravessar 
a noite e a profundidade do pensamento. 
e, um dia, já só conhecíamos os caminhos 
que nós não frequentávamos.

os nossos dias nascem sem mágoas 
e o que sabemos do passado coincide, 
foi assim que conseguimos transpor o rio. 
não fiz grandes progressos na natação, 
mas tenho aprendido, bastante, a voar. 



quinta-feira, 24 de julho de 2014

argau 6




um dia subimos a colina do castelo 
em ruínas, que vestiram os nossos corpos. 
conquistámos o topo da escarpa em paz 
e preenchemos toda a área com a alegria. 
um dia era um longo período de tempo 
e o castelo de germanelo uma infinidade 
de perspectivas, de oportunidades, de espaço… 
de vazios, que, afinal, trouxemos connosco. 
mas são naturalmente bonitas e leves, as ruínas 
de alguns dias, que um dia libertámos. 
as aves de rapina ficaram com o mando
e nós não podíamos abandonar o mar.




quarta-feira, 23 de julho de 2014

argau 5


portalegre


não importava se procedíamos das estrelas, 
ou do mar; se éramos pó, ou energia; 
se éramos uma amálgama da realidade… 
cada um de nós já tinha amado para sempre 
e já tinha regressado várias vezes… 
sabíamos que era verão e quando as ondas 
chocavam nos nossos corpos, furtando a areia 
debaixo dos nossos pés, no seu regresso… 
não havia ilusão quando subíamos à serra 
da penha e víamos portalegre, no ocaso, 
de olhos fechados, sem enigmas ou receios. 
o para sempre foi o momento e a circunstância, 
o universo imediato e a felicidade do instante… 
  

  

terça-feira, 22 de julho de 2014

argau 4




ficávamos ali, tão diferentes de tudo e todos,
mas tão iguais, fundidos no tempo e no espaço,
a ver o vento a construir castelos e histórias
no céu com as nuvens e os seus tons de cor;
a ver o mar a construir castelos e futuros
na praia, com areia e algas.
estendias-me a tua neblina e sombras
que misturávamos com o pôr-do-sol
na toalha que se enrugava
e eu pensava que desenhava os sorrisos
no teu rosto corado pelo sol e a urgência.
confidenciava-te o tanto que a minha avó
me pedia para me resguardar das correntes
de ar e das tempestades do amor e do mar,
e sorrias, encaminhando-me para o sentido
que, sem sabermos, se perderia irremediavelmente. 




segunda-feira, 21 de julho de 2014

argau 3




perdemos o tempo exacto,
como quem olha para o infinito.
ficou um horizonte líquido,
despido de sol,
com o infinito a olhar para mim
com uma expressão ausente.
quando, finalmente, me juntar ao mar,
poderei contemplar os acordes da música
que se escondem por baixo dele
e a profundidade da verdade
que descansa sob o seu leito. 




terça-feira, 15 de julho de 2014

argau 2





dentro de mim:
um beijo curado,
movido pelo sem-fim,
ao som do realejo transfigurado.
o centro nevrálgico
do meu centro nostálgico,
camponês por dentro, primeiro,
a partir todos os dias
sem nunca regressar por inteiro.
os abraços do mar, em maresias,
onde ficou a desculpa, e o universo,
na atracção da lua, do sol e de um verso.



sexta-feira, 11 de julho de 2014

argau 1


basílica de santa luzia - viana do castelo



este sou eu, sem câmaras, a olhar 
para o céu com nuvens que parecem 
pintadas em tons de branco, cinza 
e laranja, num fundo com gradientes 
de azul e púrpura. 
as palavras remendadas descansam 
no cimo do monte de santa luzia 
olho-te como se fosse a primeira, 
e a última, vez. 
estás calçada com sinestesia 
e procuras pelo mundo 
o amor, no avesso das palavras 
que eu sou. 




sábado, 5 de julho de 2014

da lembrança,




as grades maiúsculas, que saem do álibi, 
não apontam para ti. 
há mais céu, que me aborda, 
e o poema, que não acorda, 
sonha com saudade do mar, 
onde não existem máscaras vestidas 
com parábolas de cartão. 
eu dentro da sombra do algeroz 
e o rio lima corre livre para a saudação. 
desenhámos uma última foz, 
que nunca será a última e para sempre será 
tudo o que consentirmos fazer dentro de nós.