quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Só para dizer [XVI]:


     Conheço bem os percursos da falácia, por vezes mascarados de «constatação», outras vezes encobertos pelo apelo da «relatividade» ou «condicionalismo» filosóficos, científicos ou populares, cuidadosamente manipulados, quando não se apresentam pela simples «refutação» ou «negação». Porém, apesar disso, em abono da verdade, devo dizer que, na aparente liberdade da poesia, também cabe o gostar, o concordar e o não gostar, o não concordar de quem lê.

Querido amor-perfeito


Sou algumas frases incompletas,
Um punhado de vocábulos ou palavras,
Um amontoado de letras ou caracteres.
Perguntas firmes fixas e concretas,
No contexto e argumento das minhas lavras,
Longe de sortes, sorteios ou malmequeres.


Para além da conjunção de verbos, existo,
Mais do que pela distribuição de adjectivos,
Para lá da catalogação ou atribuição de um nome.
Há respostas que de que não desisto,
Nem pelos os esgares, escárnios ou olhares ofensivos.


Sou alguns variáveis somatórios, por entre totais, 
Por vezes multiplicado por subtracções;
Por vezes dividido em somas caprichosas.
Pergunto, pacientemente, às respostas boçais,
Quais serão as autênticas e originais motivações
Dos menosprezos e depreciação de algumas prosas. 


Por vezes sinto que carrego um mundo
E um fardo de palavras que não interessa a ninguém; 
Um molho de ideias indecifráveis, para os outros; 
Um embrulho de sentimentos, profundo;
Sentidos que não me direccionam ou detém;
Afectos que se contorcem e que eu secundo.


Acredita, há uma linha ténue e transitória,
Numa fronteira que conheço, me visita, 
E onde encontro outros, tantos e tão dispersos,
Onde não há derrota ou vitória,
E o empate não se cogita,
Mas a disputa é sucessória.
Onde há palavras invisíveis,
Palavras que não se deixam pintar,
Mas não são insensíveis,
Não se deixam inventar, nascer 
E, muito menos, crescer.


Há um lapso de tempo, por acaso,
No limite do arrazoado,
Sem retorno e raso,
Que deixa a imposição vazia:
O tempo do pensamento reservado. 


Truanice oportuna:
Hoje sou um cão obediente,
A postura pode fazer uma grande diferença,
E à minha volta tudo se coaduna.
Amanhã não sei, talvez possa ser gente!




Falar sobre YouTube - Queen - The show must go on [...*]



 [...*] But it's not the same without you...

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Retrato

     Consigo ouvir-te ao longe num tom sério, sem ser grave, e sereno, misturado no marulhar de um mar que se agiganta. Procuro ver-te ao vivo, sentada, matizada pelo Sol, dobrada sobre o ventre, a segurar as pernas, como se receasses poder partir sem vontade. Um livro aberto, pousado ao teu lado, com um carinho que só eu consigo ver, sobre uma carteira colorida para o proteger da areia, folheado brandamente pelo vento. O vento, transformado em brisa, que transporta o teu odor, combinado com o perfume e a maresia. Brisa que me toca, que me afaga e que me arrefece sem me abrandar.

     Deleite de sentidos.

     Sinto que me torno denso, enquanto percorro os meus dilemas de pensamento lateral. Penso de novo. Repito-me. Diluir também não me parece uma solução arrazoada; iludir resultará num adiamento do encontro com a verdade.

     Fui, por fim, tomado, primeiro pela penumbra, depois pela obscuridade, naturais, entrecortadas pelo potente foco luminoso do gigante das riscas horizontais, farol que serve de guia para uns e que me denuncia, a espaços.

     Universo, actuar e tempo. Sobra-me espaço, falta-me espaço e dou espaço.


Endosso


Devo arrastar esta criação que investi.
A minha caminhada vai ao teu encontro,
Ainda que o meu encontro não seja em ti.

Determino o desejo, resoluto,
Investido em razões indistintas,
Numa ética antiga, de poucas tintas,
Por princípio próprio e absoluto.

Dispõe do tempo que não ocorreu
Em cadência de adivinha.
Junta a tua palavra a minha;
Junta o teu corpo ao meu.

Quero carregar esta obra que desafiei.
A minha jornada avança em teu sentido,
Ainda que o meu sentimento não seja lei.


Circunstância


Estendo a mão. Conta comigo.
Mesmo sem voz, canto por ti.
Em desembaraço, suspiro e riu,
Quero ser o teu abrigo.
Ao teu lado, franco, aprendi
Como se lima e lustra o brio
Em tempos de castigo.

O imprevisto,
Espero que tenhas visto,
A minha expressão de amor.

Sentei-me ao teu lado,
Depois caminhei feliz
E por fim dancei a gosto.
Estou prevenido e preparado.
Indefinidamente assim o quis,
Quando sempre imaginei o oposto.

Aveiro, 11 de Março de 2009.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

O que tem pouco


Separo-me da hipocrisia, cuidadosamente.
Absorvo o ar mais fresco do fim da tarde,
(Refreio de um peito, macerado, que arde)
Fecho as angústias e planto um sorriso decente.

Hoje, talvez seja aceite e entre no rol de “gente”;
Talvez o meu rubor, intenso, não provoque alarde,
Espero que não me descrimine, mascare ou farde.
Espero, sentado, numa estrelada esperança cadente.

Palavras caras são as que não deveria ter pronunciado;
São aquelas que não redigi e as que deveria ter pintado.
Palavras são palavras, mesmo as silenciadas e as invisíveis.

Não sou um ser perfeito, puro, inocente, ou alado.
Separo-me do fingimento dos outros para, no meu, não ser encontrado.
Encontro-me no sofrimento das coisas e das palavras impossíveis.

13 de Dezembro de 2008

Ter a ver!

domingo, 27 de novembro de 2011

Breviário [XVI]


     É noite e aclaro, sem destinatários ou alvos definidos. Defendo e acredito na Internet livre e, como tal, entendo que a Internet é para todos: Para os amigos e para os desavindos. A diferença entre eles constata-se e consubstancia-se nos actos / acções e não puramente no que deixam escrito.


sábado, 26 de novembro de 2011

Crepúsculo maior


Encontro a luz que me ensombra,
Procuro a razão que não quero encontrar.
Quero a Terra firme e o oscilante Mar;
Quero o calor do Sol e a frescura da sombra.
Vou contemplar o que quero ver, sereno;
Olhar e ver, apenas, o que a vista alcança;
Dançar a dança que não queres dançar em pleno.

Hoje vamos soltar a vontade,
Vamos errar sem destino, sem origem.
Deixa-te possuir pela revigorante vertigem
De ter e de perder a solene veleidade.
Perde os sentidos num recato que se descerra,
Em abraços dos meus braços, sem esquecer,
Que, depois da subida, teremos que descer a serra.

Encontro o boiar sobrevivente do que eu sou,
Lado a lado com o submergir da caricatura que não quero.
Soltei amarras, a terra e o mar. Sincero, coopero.
Quase tudo numa só cor, nada mudou,
Num bailado, que não é meu, perpétuo e constante;
Quase lembrado numa só memória, é bom,
Sem fobia, abrandar e mergulhar no ensejo reconfortante.

Hoje vamos viver o hoje no tempo certo,
Numa medida que se impõe exacta,
Numa ordem natural que se acata.
Numa corrente de alegria, quero-te perto
E esquecer as horas da noite sem anoitecer.
Anima a paz deste coração em guerra.
Quero-te, mulher, que posso querer.





Série


A maré, que me transporta, afasta-me e não pretende que eu exponha e conte,
Ao mar gregário, o abismo que vejo na sua constante exaltação;
A vontade de unir as margens, que sinto, sem prepotência ou sufocação.
Simplesmente, segue-me um rio de risos de estranhas estimas de amigo a monte.

Se sou, indevidamente, pisado, tento não deixar de ser ponte,
Porque a vida tem desses reveses que, por vezes, nos toldam a razão.
Pode a palavra mole em cabeça dura não produzir uma solução
E já o acaso há-de cantar de galo por um qualquer raiar de dia, no horizonte.

Parte, vagaroso, um aparte, sem partir, para qualquer parte,
O seu destino, concreto, é um lugar e não uma inevitável circunstância.
Essa onda enorme é, apenas, uma vaga estéril, indelicada e sem arte.

Entre dois avilteis germina um espaço, uma expectativa, uma infância;
Há uma alegria e um suspiro, para que a esperança não se descarte.
A felicidade está presente entre os escolhos de um ombro sem importância.

21 de Setembro de 2009.

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Ribamar


Um resto sombrio de luz difusa propaga-se e matiza
O céu e os cirros como um imponente vaticínio de glória.
O mar avançou sobre a minha humedecida memória
E recuou para de novo investir, numa rotina que enfatiza.

Erguido, elevado, e ao lado do rochedo que profetiza,
Vejo o céu cor de palha e laranja, imagem satisfatória
Que não me celebra, nem difunde qualquer vitória,
Numa revolta apaziguada que, também, não me ironiza.

O relento e eu, em coerência inequívoca e cooperante.
Espalham-se anais por vários quilómetros do mesmo céu,
Com a bruma em unidade parceira e em forma de véu.

Um acto íntegro de compadecimento, distinto, distante,
Agarra-se com arrojo a um último e extremo olhar rasante.
Lograsse ela levar-me como seu derradeiro troféu…

25 de Novembro de 2011.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

(Des) apontamentos


Se conheceres a mágoa profunda;
quando conheceres o desespero, ou a cólera, ou a exasperação;
quando sentires que não tens, ou não te dão, qualquer razão;
quando sentires a existência imunda;
quando sentires uma tristeza de origem desconhecida,
como uma contagem final;
quando não encontrares o bem ou o mal.


Se não encontrares sabedoria;
quando não parecerem existir saídas, nem entradas;
quando só encontrares faces carregadas;
quando te irrite qualquer harmonia;
quando não te restar qualquer crença;
quando te fulminar a sentença;
quando os sorrisos te magoarem, mesmo os das crianças.


Se te resta apenas a lembrança;
quando não sentires qualquer querer;
quando não tiveres vontade de viver;
quando não encontrares esperança;
quando não te for possível sonhar:
Acorda, ou pede a alguém para te acordar!
Não te deixes vencer antes do fim.


Acordem-me!


26 de Janeiro de 2009

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

E hoje… (XVI)


     …Acordei, voluntariamente, desinteressado e pleno de vontade, minutos antes do toque programado do rádio-despertador, com o sentimento e a convicção de que era sábado. Um sábado, apenas, sem motivo especial, sem compromissos. Um dia de descanso. Sábado. Envolto nessa crença e em conforto, permaneci deitado, agasalhado e sossegado.

     O toque de despertar difundiu uma melodia, ao critério da estação de rádio, e umas palavras do locutor, que não procurei entender. Pensei, apenas, que teria desactivado, no aparelho e inadvertidamente, a função de controlo de fim-de-semana. Nada de novo. Contudo, um eco de “quarta-feira” repôs a realidade.

       Assisti ao romper da aurora, ao nascer do Sol e do dia.
       Desse ponto, vi estradas, caminhos, carreiros e atalhos;
       Observei o corrupio de vida, por entre neblinas e orvalhos,
       Desligado de preconceitos e de definições de morfologia.
       Consegui aí chegar e soube sair daquele lugar sem utopia;
       Não inquiri o fundamento dos pinheiros ou dos carvalhos.
       Só, por vontade própria, com sentimentos por agasalhos
       E a bondade e consideração de um acaso de meteorologia.

     Pensei na desnecessidade de medidas de tempo minuciosas na natureza.

     Felizmente há aranhas que conquistam tranquilidade, satisfação, ou simplesmente indiferença, na carência ou na abundância, enquanto outras tecem inveja, ressentimento e ganância.

       Esperam-me amigos, todos reais, genuínos.
       Não sei se conheceremos, verdadeiramente, alguém;
       Não me importa que não me conheça inteiramente, também;
       Não me preocupam quantos “eus” ou quantos destinos;
       Não me tumultuam as protecções de grandes ou pequeninos.
       Não invento simpatizantes ou seguidores de entretém.

     Numa iteração, luz verde, no propositado semáforo verde. Logrei avançar e preencher a rotunda de vários destinos, de várias fatalidades e sortes, com um rumo traçado e desejado.

     De regresso vi o pôr-do-sol, imóvel. Preenchi vários vazios durante o seu tempo de vida e abri outros, que unirei mais à frente.


Ponto


Se não vale a pena chorar,
Então não vale a pena respirar
O ar poluído, contaminado;
O ar mortiço, quente e húmido,
Que me deixa apático e sufocado.

Deambulo pela casa, com a luz apagada,
Errante, como uma alma penada.
Transporto uma cabeça de gigante,
Um aperto verdadeiro, mas não identificado;
Uma angústia real e galopante.

Sorrio, como um louco, no escuro.
Procuro, tacteando com os pés, o degrau seguro,
A escada que me fará descer, mais ainda,
Na viagem até, e fora, de mim.
Encontro-te, saúdo-te: Bem-vinda!

Passo, lentamente, a mão ignorada
Pelo cabelo que não me abandonou a morada,
É macio e olho, sem volta, em vão.
Sinto o arrepio da luz que me enche,
Vejo como quem não procura uma ilusão.

Quero adormecer antes que as palavras se repitam.
Não quero deixar de sentir as forças que acreditam,
Mas estou cansado de lançar esteios,
De fazer pequenos atilhos, de escorar, de segurar.
Coisas que não passam de remedeios.

Hoje não desço mais, talvez mais tarde…
Deixo os “ses” no patamar, sem alarde.
Decoro o que sinto, sem dificuldade,
No conforto da subida que me refresca.
Transbordo do campo e esvazio-me da cidade.


29 de Julho de 2008.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Juras vãs


Juras vãs

O céu ficou carregado de interrogações
E a terra ficou inquieta, mas calada.
Parece não existir uma morada,
Um porto franco sem frustrações.

Abertos os espantos e as confusões,
Abertas as feridas da alma profanada,
Derramada a vontade mortificada,
Fecha-se o coração com rústicos grilhões.

Não vês como as palavras nos abandonam
E as frases, proferidas ou silenciadas,
Nos amotinam, dividem e condicionam?

Há sonoridades que não combinam, usadas;
Dentro do afastamento e abandono, aprisionam,
Como armadilhas ardilosas e descaradas.

Aveiro, 30 de Junho de 2008.


E hoje… (XV)



     ...Atenuo a carga decisiva dos símbolos, ainda são visíveis os moldes e os modelos. Com clareza, descrevo a dimensão da unidade da transparência. Não me falta determinação.


     Homógrafos, esses esses da curva, os caracteres e eu, transformado num Atlante de pedra calcária. Exposto a corrosão, carrego nos ombros o peso de vários estratos de dúvidas metódicas, numa mobilidade arquitectónica. A autenticidade destes signos é avalizada no interior, e por desígnio, do difusor: Eu.


segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Extensão indistinta


Aguardo o meu espaço sobre a hora,
Não consigo deixar de ouvir os murmúrios
E as lamentações que me emolduram.
Vejo o dissipar do dia que me demora
E pressinto a chegada dos perjúrios
Que prometem não deixar presente alheio;
Garantem não faltar inteireza e receio.

Alguém confessa ser imparcial; confidente,
Sem guardar segredo. É porta indiscrição,
Afinal. Continua na sequência divergente.

Ao lado espera-me a encantadora calmaria
Com uma estupidez lívida plasmada
Nos olhos semicerrados de envaidecimentos:
A noite, que iguala o céu à ria lisa e em agonia,
Quase se prolonga e adia até à minha morada;
Brinda-me a cor à nução e aos discernimentos.

21 de Novembro de 2011



nução nome feminino 1. assentimento; anuência 2. vontade; arbítrio (Do latim *nutiōne-, de nutu-, «movimento afirmativo de cabeça»?) - Porto Editora

Sobrar


Sobrar

Sobram-me os silêncios, os vazios, as ausências
E um rol de nadas, grandes e pequenos.
Sobram-me os demais, os de menos,
Os trejeitos, palmadinhas e clemências.
Dádivas graciosas que me completam por fora,
Lembranças de longe, de perto, de hoje e de outrora.

Sobram-me os hiatos, as faltas, outros intervalos
E uma relação de imperfeições, interminável e extensa.
Sobram-me os adjectivos, os paralelismos e a descrença;
Os acessórios, as correspondências e os pálidos halos.
Por prestígios desditos e arremedos de satisfação,
Sei que não sou recebido com agrado ou aprovação.

Sobram-me os becos sem saída, os atalhos, as ruas estreitas;
Os sentidos únicos, os obrigatórios e os proibidos.
Sobram-me os tempos não encontrados e os perdidos;
As fórmulas, os preceitos, as determinações e as receitas.
Cumprimentos determinados pelo protocolo instituído,
Que me distanciam e me preservam desaparecido.

Sobram-me as insanidades, as dores, as doenças,
A vigília das noites sem sono e dos dias dormentes.
Sobram-me os virtuais amigos, os próximos, os parentes;
Os pródigos em avaliações, julgamentos e sentenças.
Desconheço quem, fielmente, me prometeu o inferno;
Grande filantropo do bem-querer, complacente e fraterno.

Sobram-me as divisões, as desuniões, as despedidas
E um conjunto de separações reais e desagregadas.
Sobram-me as desistências, as soluções indesejadas,
As capacidades vagas e as duradouras ocasiões perdidas.
O abandono apertado e abreviado faz eco no ermo
De uma vida mansa, ténue, experimentada e a termo.

Sobram-me as censuras veladas e as reprovações ocultas
Em máscaras de felicitações, consentimentos e regozijos.
Sobram-me as fugas, as escapatórias, os esconderijos;
As fiscalizações, as punições, as condenações e as multas.
Impõem, por uma perspectiva, o rasurar de um sentimento
Que se associa a um estado de espírito, ou de alma, em lamento.

Sobram-me as sobras, os excessos, os trocos, o que acabou;
Os gastos, as dívidas, as insolvências e os defesos.
Sobram-me as faltas de razão, os apupos, os desprezos;
O que, teimosamente, querem que eu seja e não sou.
Se eu levar, das memórias, nada mais que uma herança,
Que seja, ainda que saudosa, a figuração da esperança.

Aveiro, 30 de Junho de 2008

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Par de modo


Par de modo

E éramos dois de mãos dadas.
Há o teu olhar terno e provocante,
Há o meu coração carente e amante.
Há vontades renascidas e não provadas.

Depois do tempo, antes das horas cantadas,
Vens de tão longe para tão perto, cativante,
E eu de um fundo para tão alto, radiante,
Antes do outro tempo, depois das horas dançadas.

O teu apertão no meu aperto. Depois.
E foi por mim; foi por ti; foi pelos dois.
Foi um princípio sem fim. Era agora.

Terá de chegar. Por quem sois?
O último formado e o primeiro, para mim, embora.
Independência deverá esperar pela aurora.


quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Acto ou efeito


Acto ou efeito

Onde estão os que me amimavam com palavras,
Os que me chamavam, convictos e com insistência?
Qual foi o meu pecado ou a minha inconveniência?
Serei o efeito ou o acto da poesia das minhas lavras?

Com o grito, interrompi as minhas afadigadas buscas.
Em silêncio, com o sentimento de um vazio,
Não parei no cruzamento das palavras bruscas.

Eu, ordeiro e sem sentido, desapareci,
Aborrecido com a minha insistência e teimosia.
Terei perdido a decência, mas sem hipocrisia.
Era tarde para estar só e tarde para estar ali.

Vagueei pela inconsistência da credulidade.
Falo baixo para as paredes que me aprisionam,
Que me conduzem para fora da cidade.

Afastei-me renegando o meu próprio peso,
Carregado com pesos que não eram os meus.
Suportei o incómodo da chuva e o estorvo do adeus,
Fugi do teu pavor, da tua repulsa, expulso e indefeso.

Não encontrei a ansiada guarida e o leito,
O repouso que me conduzisse à reconversão,
Apenas o teu olhar assustado e de despeito.

Olho à minha volta, demoradamente,
Sem encontrar afectos ou afeiçoados.
Não entendi os horrores e os desagrados,
A irritação, a ira e a cobiça descontente.

Apareço e não sou recebido com agrado,
Trago o incómodo, o despropósito e o excesso.
Acrescento inutilidade e um queixume apoquentado.

Não contento, nem preencho o lugar sem confusão,
Em desencontro com a dimensão de tempo e espaço.
Não te demores com a insignificância do meu traço,
Quando eu sou, tão só e apenas, a tua solidão.


Saudades de mim



Saudades de mim

Há quem coma,
porque nunca se sacia.

Eu não sou activo!
Eu não sou um herói!
Eu não sou atractivo!
Não sendo a lei,
sou quem nunca fui,
nem, de modo algum, serei.

Razões não tenho,
nem delas me quero encher.
Mostro sempre ao que venho
e o que posso perder.

O meu perder é igual ao teu,
em  feitio e forma,
e acontece-te como me ocorreu.
Como tu, sou um ser humano,
indivíduo sujeito ao engano.

Por mais que desesperes,
porque sempre mudas,
eu não sou quem tu queres,
nem nunca hei-de ser,
porque logo me estou a perder.

Perdido,
e mesmo assim,
estou esquecido,
errante deserto de jardim.

Eu não sou activo!
Eu não sou perfeito!
Mas, eu não sou passivo!
Não sendo lei,
fui para o esquecimento
e de lá não voltei.

Razões não posso dar,
se dizes que não as possuo.
Opinião sem arbitrar
é o pomo de discórdia que fruo.

O meu poder é igual ao teu!
Salobro, saloio, pequeno,
num préstimo que pouco deu.
Estranho e inútil atributo,
ele sim, irresoluto.

O pequeno mundo,
dos mal-entendidos,
daqueles que, num segundo,
me respeitam e transformam
e logo me subvertem e transtornam.

Com um pouco de nada
e outro de coisa nenhuma,
antífrase aprumada,
sou preenchido por uma lacuna.

Há quem não coma,
porque não tem mesmo o quê.

Estou cansado!
Estou dorido!
Estou saturado!
Quero deitar-me e dormir,
mas não um dormir de fingir.

Dormir e acordar sossegado,
sem sono,
sem vontade de ficar fatigado,
sem dono.

Quero ser eu,
apenas eu, em consciência,
aquele que se perdeu.
Quero repetir-me, longamente,
alongar-me imensamente.

Quero sorrir sem pagar por isso.
Quero ser eu,
cansado de ser omisso,
tenho saudades de mim.
Quero repetir-me sem fim!

Quero poder ser sincero,
e sê-lo discreto.
Gritar, falar e calar (espero),
sem recurso ou decreto.

Estou cansado!
Estou amargo!
Estou despojado!
Quero deitar-me e dormir,
mas não um dormir a fugir.

Dormir e acordar povo,
ser gente,
sem vontade de dormir de novo,
contente!

Quero ser eu,
não importa que seja breve;
não importa que seja ateu.
Deveria ser já,
a hora nem é boa, nem é má!

Quero, mais do que olhar,
ver como é,
e ser mimado como gosto de afagar.
Que importa se sou mansarda ou jasmim,
quero repetir-me sem fim!

Vontade,
quero dormir justo,
num verso junto à cidade,
no campo, a todo o custo.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Só para dizer [XV]:


     Ocupado. Descansado sem descanso e indistinta e aproximadamente delido. Os presentes chavões são ordinariamente desmoderados. Compaixão. A noite aproveita uma grandeza clara, certa e vontade de poder conveniente, convincente e deliberativo. Calma, cama!

Sopro


Sopro

Amarro o amuo,
Deixo passar a brisa da indiferença;
O desinteresse pode ser crença.

Olha-me como, quando e quanto queiras.
A partida é a mesma, serena ou atormentada,
A passagem é igual e com barreiras.
O desconhecido não conhece a divisa da chagada.

Seguro a particularidade,
A gavinha que me prende desde a nascença.
A crença pode ser liberdade de indiferença.

A atitude que tarda perde a pose.
A refeição que não se come,
É um ponto sem nó, que me cose,
Apreende um sorvo ou suspiro que tome.

A exclamação em tom de protesto,
Grito abafado pela inércia e apatia,
Ficou destinada a outro, e melhor, dia.

A rima batida, escrava procedente
De um dito popular e democrático,
Cresce na prosa trôpega e crente
Do parco despacho e recurso prático.

Lei, e se tudo for um despojo, ou conjunto, vazio
Ou, ainda, quando muito, um astuto lampejo
De um desgarrado, particular e banal desejo?

Sem temor, indisposto na disposição de calar,
Demoro o silêncio que for necessário
Para que se aclare a arrumação do esgar.
Em defesa acolho, não escolho, o subsistir precário.

Mas esqueçam, não vou ficar prisioneiro
De uma consonância que não é minha,
Agarrado a uma glória que se perde numa entrelinha.


terça-feira, 15 de novembro de 2011

Dois


Dois

Encosta a tua cabeça no meu peito,
Ouve o som que o meu coração produz.
Esquece o brilho que te cega e seduz,
Respira suavemente e sem trejeito.

O descanso não pode ser defeito.
A carícia, sincera e demorada, conduz
Os sentidos por uma estrada de luz,
Tão clara, e trilhada ao nosso jeito.

Repousa a aflição desproporcionada
No meu colo sereno, manso e quedo.
Faz uma pausa na rotina alvoroçada.

Aninha-te, abraça-me. É cedo!
Recolhe-te, em mim, na alvorada.
Junta, justo, o teu ao meu medo.


(A)pós poeira


(A)pós poeira

Há muito que deixei o apeadeiro
E segui viagem, sem paradeiro.
Lamento não ser imenso,
Ainda que a minha fortuna
(Em todos os seus significados penso)
Não dobrasse, de forma oportuna.
Gostava de não perder a companhia,
Na dura jornada do dia-a-dia,
Mas não disponho do dom da ubiquidade,
O que, também, não é uma infelicidade.

Eu não hibernei,
Nem, deste pedaço de vida, me apaguei.
De existência gasta entre sãs ou forçadas alegrias:
Sempre por uma causa, que não está em causa;
Sempre num trabalho que não tem horas, nem dias;
Pouco num repouso, lazer ou curta pausa;
Em muitos relatos, relatórios, viagens sem ócio,
Porque, não sou abastado, patrão ou sócio,
Talvez, hipérbole ou sinónimo forçado, mas forçoso.
Sim, estou cansado, lento e sem gozo!

E quem destruiu a minhas ilusões senão eu?
Também tomei decisões, acreditei. Doeu.
Muitas vezes acredito na bondade,
Na dádiva desinteressada de um conhecido,
Na alheia representação da necessidade,
No andar trôpego de um individuo perdido.
Outras vezes não vejo o evidente
Ou iludo-me com o que é aparente,
Mas isso não faz de mim um ignóbil torpe.
Desdenho essas sentenças de morte.

Sim, tenho tristezas, decepções, amarguras.
Sou assaltado por melancolias, exaltações e agruras.
Sinto necessidade de estar só e sem solidão;
Experimento o vazio, a ansiedade e o tormento.
Tenho necessidade de comer, mas fome… Não!
A carência não é defeito e nem sempre é sofrimento.
O aperto e a urgência são medidas imprecisas,
Mas exactas na consciência, por razões indecisas.

Procuro a aprovação em mim, concluo,
Num percurso desconhecido que continuo.
Conhecedor, sem ser versado em coisa alguma,
Das dificuldades, reflexos e embaraços
Entre a vontade e a realidade que se consuma
Em hiatos, tropeços, acasos e pedaços.
Contenta-me o afago na despedida provisória,
Apraz-me a lembrança serena e sensória
E, muitas, vezes fico feliz com um sorriso,
Com um aceno de um gesto impreciso.



segunda-feira, 14 de novembro de 2011

Regresso sem porfia


Regressa, ainda que seja em recordação,
A esses que deixei guardados na soleira,
Ao Sol, para recolher enxutos. Termos.
Enquanto alcanço fundamentar, apenas,
Sinceridade, ainda que agite a sensatez.

Volta e torna, sem fim, a água do mar
Para realçar a ficção do ideal formado
E desvanecido pelo marulhar constante,
Compassado e aceite antecipadamente;
Para alcançar a quimera do paradigma
Num corpo irreal que absorve da Lua
A reflexão de luz oriunda do Astro-rei.

Tenacidade, sempre que nos tocamos
Com os olhares e não estamos juntos;
Quando as palavras gritam em sossego
Amores de novas histórias encantadas
E, por fim, se despem e se colam à pele,
Transformadas somente em vocábulos.

13 de Novembro de 2011