Mostrar mensagens com a etiqueta #narrativas crónicas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta #narrativas crónicas. Mostrar todas as mensagens

quinta-feira, 23 de agosto de 2012

À volta e em volta



     Por momentos, o meu horizonte fixou-se entre a ria, o meu sorriso e uma cauda de condensação. Um quarto de volta e ficam invisíveis.

     Uma aranha passeia-se num início de teia, à volta e em volta da sua solidão, onde parece ocupada. Não acredito que esteja a fingir. Talvez esteja cansada, como eu, que a deixo em paz, na sua paz, de momento, hoje. Um quarto de volta e fica o descuido.

     Quero apoiar a cabeça na inércia do sono sem sonho, antes do momento da noite em que as palavras, os objectos e os seres se fundem e confundem. É um momento fugaz, efémero, subtil, quase imperceptível, mas quando se distingue, interioriza, compreende e discerne, deixa uma marca indelével e inesquecível. Bem sei que a duração, o tempo, o momento, são unidades de medidas relativas, dimensões condicionadas. Um quarto de volta e saiu do vórtice.

     De manhã chegará a obstinação do acordar e do desejo, antes do cansaço. Desejo controlar o momento, o sorriso, a energia e ser. Um quarto de volta e existo.

     Insisto, regresso ao meu horizonte, a ria, de factos invisíveis, de descuidos, de vórtices e de existências.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Observar com contexto de lugar



Observar com contexto de lugar
ou
Estar fora

     Preparo-me lenta e calmamente para a sorte, com destino e sem destino. Estou cansado, em comparação com os fatigados.

     Lavei as mãos, que escreveram as últimas palavras na areia, no mesmo mar que lavou a areia e que apagou, da areia, as últimas palavras escritas pelas mãos lavadas. Isto aconteceu há uns dias e não lavei as mãos, precisamente, fiz com que a água salgada retirasse a areia que se fixara nas mãos, mãos que ficaram com o seu gosto e odor, o gosto e o odor do mar. Não ficou o seu som e, por bem, não se fixou qualquer cor. Não transporto o mar nas minhas mãos, embora o tenham, mas possuem um mundo, vago, com vários mares e marés.

     O mar fala-me sempre que me vê, não me diz o que quero ouvir, diz-me o que quer e o que lhe convém. Sem própria boca, ele não tem os seus próprios olhos, mas tem olhos próprios e boca própria. Ele tem ondas, quase sempre, e eu faço algumas, de vez em quando. Sei que somos amigos e por vezes, por vezes, zangamo-nos, mas devolveu-me sempre, assim como devolve algum lixo. É estranho lavar-me num amigo, que, de alguma forma, me suja e lava quando me molha e me lava sem me molhar.
  
     Prevarico, tomo banho todos os dias, pelo menos uma vez, quase sempre de manhã, não no mar e a areia não sai.

     Estou sentado, não há mar, não há areia. Não é tarde. Chegou a hora de entrar decididamente no destino que não existe e que se produz, depois de abrirem a porta.

     Abrem a porta.

     Os olhos adaptar-se-ão ao novo ambiente, à nova luz. Hei-de me erguer definitivamente, e os olhos comigo, em silêncio e com um esforço de esboço de sorriso ligeiro, para desabar desassombradamente no mar.

     O que importa?
  

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Cavalete da esquina, talvez uma face saliente



     Para trás ficou a areia, onde escrevi uma palavra uma última vez. Não há purpurinas; não há distorção. O hálito gasto do dia mistura-se no ar saturado do planeta e no odor da ria. Nas minhas mãos trago o alegre vazio, que exibo.

     Termina um dia que encobre uma noite com absurdos e alguns disparates, que, prolongados por uma noite, ocultarão, por sua vez, um dia.

     As memórias criam uma existência e uma ambiência e, por vezes, pairam no ar como um corpo que flutua, num misto de diversão e sofrimento. As memórias também mentem e há momentos em que aparentam querer mentir deliberadamente.


quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Vago


     Depois do depois, vem o nada da presença e o nada da ausência; o peso incomum do tumulto das palavras amontoadas e a ligeireza descomunal do motim do silêncio. Cresce a poeira formada pelos sonhos, assim como os erros das recordações e das memórias.

     Em breve termina outro repto e está garantido o êxito do insucesso e o [meu] consequente triunfo. É necessário afastar a jardas de metáforas e recolocar os alforjes e as albardas para prosseguir.

     Entretanto, o génio cai por terra pelo compreensível, simples e eficiente feito e acção da passagem da época, da fase, do tempo e dos tropos. Por analogia, expurga-se a condenação do Sol e apressa-se a corrosão do ritmo, da existência e das figuras de pensamento.

     Habita em mim um Mundo que foge do Mundo onde habito.



segunda-feira, 25 de junho de 2012

Manga curta


     Ouço o som produzido pela passagem do vento por entre as folhas dos álamos dos baixios próximos da ribeira e o som, em simultâneo, mas distinto, produzido pela passagem do vento, as mesmas rajadas de vento, pelas folhas dos pinheiros da encosta e dos carvalhos, próximos. No alpendre tilintam os tubos metálicos do espanta-espíritos. Os cães parecem procurar saber como estou e permanecem atentos aos ruídos que o vento produz ao passar por mim, enquanto o gato testa os seus abraços e ensaia a ladainha, que termina em súplica. Roga para que não o retire do meu colo. Perdeu o ar altivo e astuto, abandonou a presunção e a vontade de me desafiar e sabe que os cães não o importunarão aqui e que são determinados, persistentes e imensamente pacientes.

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Práxis



     Mais dois passos e posso entrar em casa. Afago o ânimo cansado. Algumas metáforas permanecem assustadas, a um canto, no bolso, agarradas as chaves e, no entanto, lembram a sua natureza e emitem um sussurro. O sussurro de quem avisou; o sussurro da providência descuidada.

     Passam próximo o enlace de um abraço que parte, montado num desejo arrancado, e outros abraços que fogem a pé.

     Entro. Regresso. Os devaneios acumulam-se com o pó dos sonhos, sobre os afectos imobilizados, móveis que não escondem o seu princípio e serventia. Algumas emoções brincam, enquanto os olhos se adaptam à luz dos acontecimentos, que se propaga após ter accionado o interruptor, instalado na memória viva de uma parede que se quer resistente. E lá estão os sentidos e os sentimentos descalços, sentados no silêncio da dor.

     O rouco da garganta, entre o modo e o consolo, saúda os mistérios e a alucinação das carícias devotas. Há metáforas de contentamento espalhadas por toda a casa. Digo.

     A cozinha espera pela confecção dos discernimentos; pela fala. A comida vai alimentar o corpo da esperança, da vontade, do humor, da coragem, do génio, e bebe-se uma conversa seca.

     Lavar os dentes que mastigaram os critérios e os juízos. E deitar, sobre as horas, sobre o dia. O sono virá mais tarde.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Contraluz

     
     Assomam-se! Espreitam! Sob a luz difusa de um candeeiro de azeite, de bronze muito baço, dançam sinais que cavalgam símbolos ancestrais de afectos, vestidos com palavras que não são só palavras, em sonhos abandonados, que não são só sonhos.
     
     Sem ausência ou a gozar férias. Sem necessitar ou fruir de um período sabático. Sem amuo. Sem a perda da inspiração, ninguém perde o que não tem. Sem ver à luz ou a Luz, ou aquela luz, apenas a luz… Olha para o abismo de baixo para cima. O abismo tem outros abismos, e outros abismos o contêm. Há muito que descobrira que a consonância não era uma mera coincidência na sua vida...
     
     Subiu! Subiu como quem sobe pela luz, pela própria luz e voa. Abriu a porta. Entrou. Apagou a luz.


terça-feira, 27 de março de 2012

A existência


     Céu-aberto. Os anjos partiram e deixaram à solta, por princípios, o que resta do ano, em votos esquecidos. A casa dos fungos arqueou, soltou um gemido e deixou passar o ar descomprometido, amigo da diversidade e da adversidade de igual modo que da felicidade.

     Olho para a semelhança da sombra; para o mundo que roda, pede, honra e venera os embustes matizados; para um tempo preenchido que rasgo, outro que venço, outro que difundo.

     O mar aproxima-se e a existência apela para tanta coisa…
  

sexta-feira, 2 de março de 2012

Nascente do canto do conto do diz


     A fonte secou e o efeito composto foi, também, dirigido à noite.

     A noite, actualmente munida de alguma incoerência de sinais, arruma a prática da quietude e do efeito imparcial. Ninguém aparenta saber a história, ninguém a contou. Faz-se sentir a consequência: A fonte secou e no lugar impensável, indispensável, já não é possível regar o «depois» e o «devir».

     Possivelmente, a direcção da presença indeterminada fermenta o azedume, retalha a vontade e obstaculiza o fundamento, em dolo coloquial de entendimento.

     Próximo dos contentores de um ecoponto alegórico, vi alguns enunciados expostos em sequências discursivas intuitivas, que apontavam para mim, secos, também, e presos em raposas simbólicas, que recebi sem oposição, sem confronto e sem aclarar. Não quis afugentar os animais com os meus apelos, com os meus chamamentos e com as minhas mesuras, mas a sua natureza bruta e gentia, contudo, precavida, não permitiu qualquer entendimento e a aproximação insatisfatória consumiu-se por completo.

     Muitos sentem comiseração ao contemplar a cega noite que vê, apenas, a escuridão do seu negro capelo, que ela própria teceu e encapuzou; que, surda, julga serem delírios os gritos e as vozes que a alertam; a, tímida, que escancara e exibe a existência atrás das muralhas de vidro, que construiu para se esconder e que limpa, de imediato e voluntariosa, quando embaciam; que, muda, a todos brada, aponta, escorraça e intitula de «perseguidores».

     A fonte, em concordância com a sua natureza, naturalmente sem qualquer alternativa e recurso de motricidade, aguarda pela dádiva da Natureza; pela oferenda que se entranhe na terra, sacie a sua sede e a faça jorrar o manancial que alimenta e segue no curso estabelecido há muitas eras.

     Reconheço a impotência. Desconheço origens e afasto-me, sem julgar, sem maldizer, dos sentidos de lamúria vaga, dos sentimentos de prantos indistintos e dos afectos de carpideira. Encontro a amabilidade integral e a renovação, sem tanglomanglo de rumo ou de qualquer outra natureza.


quinta-feira, 1 de março de 2012

Acesso a um outro quase-nada


     Incompleto. De porta entreaberta, detenho-me na soleira e afasto, para prosseguir, alguns disparates que vem saudar-me e felicitar-me, juntamente com os mortos, por entre a total e copiosa ausência de som, para onde e para quem se dirigem afectos legítimos e ruidosos que me acompanham. Distinta pedreira. Velha pedreira. Outra pedreira, onde sonhos planeiam unicamente desertos complexos, que fluentes e espontâneos sociabilizam com o estafeta electrónico desligado.

     Mimo o tapete. Acarinho e dessalgo o âmago, abano a alma e entro, sem dados. Deixo que o frio de fora se misture com o frio de dentro, que as ilusões que entram se cruzem com as ilusões de dentro, por um instante, antes de fechar o presente e a porta à chave.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

O período, a frequência, a frase e historietas padrão


     O movimento executado por um corpo e o tempo necessário para que se repita novamente. Observo o pêndulo que, fixo, oscila livremente. No inverso, o número de ocorrências do evento no período de tempo. Solto um enunciado com sentido completo, numa só palavra, finalizado por um ponto de exclamação.

     Em sequência, uma etapa inconsequente e, entre beijos muito verdes e narizes-de-cera, o episódio de um grão de areia que, sem vontade e locomoção própria, como qualquer outro grão de areia, sem atritos que detém a parcialidade de metamorfosear o sentido da vida, procurava, sem saber, um refúgio, ainda que fugaz, que o ocultasse das confusões, das fricções, das intrigas, das derivas, dos desentendimentos, dos cobros e dos dejectos das gaivotas.


sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Matriz


     Por alguma circunstância desinteressante, ou uma desconjuntura, a noção do tempo desvanecesse e surgem as interrupções, as intermitências, as suspensões, as distâncias, os interregnos, ligados por tensores flexíveis e volúveis.

     Os faunos, sagazes, farejam o ar na procura permanente de migas da extrema-unção.

     O agrado, o divertimento, a aceitação, procediam, agora, da matriz, onde sobram sensibilidades.

     A matriz instalara-se no largo, ao largo da turba, discretamente, de modo a que os pontos finais lhe dessem seguimento, e companhia; e os pontos cardeais lhe apontassem qualquer direcção, e fortuna.

     Não se vêem os intermediários, as promessas de amizade eterna e a consubstanciação do amor.

     No fundo, a magia não passava de ilusionismo.


domingo, 15 de janeiro de 2012

Quota-parte


     Mais do que uma maré de troça, permanece como uma constância e uma substância de contestação que vem e vai, de igual modo que os sargaços ao sabor das ondas. Mas não passa de uma repulsa empertigada. O flamingo-dourado é da mesma opinião.

     Horas, uma poção e uma porção de oportunidades. O moliço agudiza a objecção, embora embrenhado na tarefa de subsistir sob a contaminação que exorta em recusa. A água deixou de ser cristalina, continua a ser salina.

     Vontade! Desconsidero os símbolos de gerúndio gentio, os prefixos e os símbolos de ligeireza e mutabilidade procedentes da chegada da trachea atriplicis*, carregada de memórias do Vouga. Porque vem a assombração da borboleta, uma e outra vez, escarnecer sobre o confluir na Ria e o desembocar no mar? Talvez o mofar seja próprio da sua natureza, que não julgo, não detesto e não ridicularizo, mas não adoro, não reverencio e não amo.

     Agarro-me ao hífen sem grandes pormenores, enquanto os advérbios descansam, absortos do lugar, do tempo, do modo, da intensidade, da dúvida, da afirmação, da negação, em palhas e abraçados aos adjectivos.

     O néctar das flores permanece como caução de subsistência primitiva. Gosto das flores e é por gostar delas que não as colho!




*N.A.: Borboleta nocturna da família das noctuidae. 

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Quietude


     Pejam-me sentimentos com sinais sem termos, sem divisas, sem lemas, sem prazos. Imagens completamente desprotegidas e desveladas. Testemunhos inexpressáveis, inexplicáveis e, contudo, presentes, que são arrumados, num acto de desprendimento. Hoje, não!

     Rodeiam-me as palavras aromadas, que dispo, e as que circulam e alternam com os silêncios e circunstâncias formais. Visto o aconchego que retiro dos sossegos previamente aquecidos e afago-me com a serenidade do recolhimento.

     Guardo a vontade de escrever versos que apenas rimem com pão e esqueço uma pátria de exilados sentimentais. Colho a vontade de descansar, encolho a necessidade premente, reduzo a existência e o dia à sua dimensão e não peço indulto por não ser imenso.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Aprestar

     Os elementos recolhidos ainda estão impregnados com a essência da natureza. A difusão de dados decorre paulatinamente, mas está praticamente concluída. Ecoam algumas emoções antigas, imbuídas em sentimentos razoáveis, que se tornam lentas e pesadas pela carga inútil das palavras que transportam. O atributo de um predicado caiu como uma folha caduca.

     Não sou dono dos termos, nem mesmo daqueles que invento ou agrupo. As palavras livres nunca deveriam ser aprisionadas. Deveriam poder ser cumpridas todas as promessas formuladas e manifestadas em liberdade.

     Sou uma variável independente e faço parte de um sumário no assunto de uma conjectura. Dizer que se é diferente, ou que se quer ser diferente, não significa, necessariamente, trocar o género ou gostar de seres do mesmo género, não forçosamente por vergonha, mas, plausível e provavelmente, por opção, e sem o considerar absurdo. Assim como dizer que se está mareado, aturdido ou sóbrio, não significa que se seja ébrio, dopado ou dependente física e/ou psicologicamente de uma substancia tóxica. Mas poderia ser. Ser diferente é uma realidade particular num contexto comum, globalizado, onde todos deveriam ser iguais em direitos e deveres.

     Gosto de páginas intencionalmente deixadas em branco, quando estas fazem sentido e fazem sentido quando lhes experimentamos um vazio premeditado e proveitoso. Agradam-me os silêncios intencionalmente instituídos, quando estes fazem sentido e fazem sentido quando não há mais nada de útil, ou construtivo, a dizer; ou quando estes dizem tudo o que resta dizer. Gosto das analogias de união que algumas linhas me apontam; que algumas pontes me dirigem.

     Diz-se que o poeta é torpe, inútil, fútil. Assim, ser-se poeta é uma constatação de impotência.

     Apenas para mim, parece existir pelo menos uma justiça divina que me pode absolver ou punir.

22 de Dezembro de 2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Tahriza


     A traça concluiu a leitura três versos acima, saltou os saudáveis afectos de verdade, inteiros, completos e de fruição cerebral, para se fixar no penúltimo verso da redondilha menor, onde as palavras se adensavam. Preferiu a palavra mais longa, talvez por gula, mas não a comeu por completo. Não sei se de forma involuntária mas, produziu uma palavra mais curta e de múltiplos significados: «mente»! 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Ilustração associada


     Por vezes, as gaivotas adoptam um porte de silêncio e de quase imobilidade, que adaptam aos meus sentidos e à sua natural curiosidade, perante a minha natural intrusão, para manifestar e significar termos de doutrinas ancestrais, tácitas, que expõem e descarnam sem enunciar. Aparentam alimentar intimidade e cumplicidade comigo, numa relação de cautelas, avanços e recuos, e uma total inutilidade perante a força dos elementos, violentados e compelidos por intensivas práticas humanas e caprichos próprios e antigos.

     Da noite anterior ficou o travo da sofisticação e requinte da sociedade engalanada. De toilette a traje, de gala dotada de alarde; de eau de toilette a água de toucador, essências para municiar…

     Clap! Clap! Clap!

     Aplausos! Anuências, risos, sorrisos e trejeitos de circunstância. Uma nova aranha, nova, tece a sua teia sobre um rosto, por caridade. Rosto improvisado e inexacto; teia a transportar como um véu; caridade descartável. A face da teia da compaixão. Urdir.

     O crepitar da lenha de pinho na lareira mistura-se com o estralejar dos sentidos que reúnem, agrupam e caracterizam, uma vez mais, as sensações já várias vezes analisadas, impregnadas de vida, instruções e orientações, por vezes, imprecisas. Agradeço o calor que me cinge e retempera.

domingo, 4 de dezembro de 2011

Al


     Abandono o gerúndio.

     As palavras que nos unem são as mesmas palavras que nos separam e eu agarro-me às imagens para interromper a celeuma. Não te encontrei na bruma da espertina; não te encontrei na penumbra do sonho; não te encontrei na luz do facto; não te encontrei. Uma contínua paridade de ausência.

     Só eu desejei; só eu amei; só eu sonhei; só eu, só, num conjunto de evidências onde tudo continua igual, sem o meu queixume. Um sonho que é um sonho.


Sonho!
E eu, também.
Sonho!
Apalavrado de gorgulhos.
Sonho!
Expedito contratempo.

Apenas uma essência.
Perdido na noite,
Um grito surde surdo,
Não se sabe acomodar.
A minha senda.

Aveiro, 4 de Dezembro de 2011.
  

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Retrato

     Consigo ouvir-te ao longe num tom sério, sem ser grave, e sereno, misturado no marulhar de um mar que se agiganta. Procuro ver-te ao vivo, sentada, matizada pelo Sol, dobrada sobre o ventre, a segurar as pernas, como se receasses poder partir sem vontade. Um livro aberto, pousado ao teu lado, com um carinho que só eu consigo ver, sobre uma carteira colorida para o proteger da areia, folheado brandamente pelo vento. O vento, transformado em brisa, que transporta o teu odor, combinado com o perfume e a maresia. Brisa que me toca, que me afaga e que me arrefece sem me abrandar.

     Deleite de sentidos.

     Sinto que me torno denso, enquanto percorro os meus dilemas de pensamento lateral. Penso de novo. Repito-me. Diluir também não me parece uma solução arrazoada; iludir resultará num adiamento do encontro com a verdade.

     Fui, por fim, tomado, primeiro pela penumbra, depois pela obscuridade, naturais, entrecortadas pelo potente foco luminoso do gigante das riscas horizontais, farol que serve de guia para uns e que me denuncia, a espaços.

     Universo, actuar e tempo. Sobra-me espaço, falta-me espaço e dou espaço.


quarta-feira, 23 de novembro de 2011

E hoje… (XVI)


     …Acordei, voluntariamente, desinteressado e pleno de vontade, minutos antes do toque programado do rádio-despertador, com o sentimento e a convicção de que era sábado. Um sábado, apenas, sem motivo especial, sem compromissos. Um dia de descanso. Sábado. Envolto nessa crença e em conforto, permaneci deitado, agasalhado e sossegado.

     O toque de despertar difundiu uma melodia, ao critério da estação de rádio, e umas palavras do locutor, que não procurei entender. Pensei, apenas, que teria desactivado, no aparelho e inadvertidamente, a função de controlo de fim-de-semana. Nada de novo. Contudo, um eco de “quarta-feira” repôs a realidade.

       Assisti ao romper da aurora, ao nascer do Sol e do dia.
       Desse ponto, vi estradas, caminhos, carreiros e atalhos;
       Observei o corrupio de vida, por entre neblinas e orvalhos,
       Desligado de preconceitos e de definições de morfologia.
       Consegui aí chegar e soube sair daquele lugar sem utopia;
       Não inquiri o fundamento dos pinheiros ou dos carvalhos.
       Só, por vontade própria, com sentimentos por agasalhos
       E a bondade e consideração de um acaso de meteorologia.

     Pensei na desnecessidade de medidas de tempo minuciosas na natureza.

     Felizmente há aranhas que conquistam tranquilidade, satisfação, ou simplesmente indiferença, na carência ou na abundância, enquanto outras tecem inveja, ressentimento e ganância.

       Esperam-me amigos, todos reais, genuínos.
       Não sei se conheceremos, verdadeiramente, alguém;
       Não me importa que não me conheça inteiramente, também;
       Não me preocupam quantos “eus” ou quantos destinos;
       Não me tumultuam as protecções de grandes ou pequeninos.
       Não invento simpatizantes ou seguidores de entretém.

     Numa iteração, luz verde, no propositado semáforo verde. Logrei avançar e preencher a rotunda de vários destinos, de várias fatalidades e sortes, com um rumo traçado e desejado.

     De regresso vi o pôr-do-sol, imóvel. Preenchi vários vazios durante o seu tempo de vida e abri outros, que unirei mais à frente.