sábado, 31 de dezembro de 2011

[Em pouco tempo, ou não…] VII – Passagem

     Passagem

     Os melros ficaram sem um dos seus pousos, agora que finalmente retiraram e desmancharam o espantalho, bastante deteriorado, que ainda permanecia no campo, carregado de simbolismos triviais e tribais, próximo de um toural de coelho-bravo. Evidencia-se o silêncio ordinário, imposto pela perda e pelo cerimonial complacente.

     Anteriormente, com saudades do noitibó que tardará em regressar, desloquei-me com penas e sem castigos pela estrada que se alongava na noite e pela noite, e com a qual se fundia e confundia na mesma cor negra com que, e com quem, a chapada também já se tinha envolvido e combinado. Destacavam-se linhas e tracejados brancos, casualmente gastos, esporadicamente amarelos, maioritariamente desfeitos ou deformados e, nas mesmas cores, destacavam-se, também, salpicos de luz trémula, bruxuleante, de localidades desgarradas em paridade com a abóboda formada pelo firmamento de padrão mais regular. Simultaneamente, os faróis da viatura exibiam o rumo, que, em cadência, surgia, era alcançado e transposto, e criavam sombras, espectros sem escolha. Do rádio emanava um emudecimento determinado e calculado, no cumprimento de requisitos mínimos de ruído. Urgia a comparência de outros sons que não os das melodias e os das notícias de políticos, das suas políticas e das consequências, efeitos e incumprimentos de ambos.

     Neste trajecto e no decurso, antes do evento com o espantalho, de passagem por um trecho de pinhais, já tão inusitados em todos os sentidos, um coelho-bravo, saído da escuridão da brenha, hesitava na travessia, a sua cruzada. Os coelhos, quando decidem transpor um caminho, por vezes, muitas vezes, comportam-se como criaturas indecisas, vacilantes e incertas, decidindo sob pressão de urgências suicidas. Sei que as raposas frequentam aquelas paragens e que, por si e em relação aos coelhos, constituem uma natural proveniência de diligências, precauções e apertos. As raposas são criaturas ágeis, astutas, decididas e normalmente cruzam sem titubear, quando entendem que é seguro, o que nem sempre acontece. Determinaram-se, pois, cautelas e abrandamento, para dar tempo à natureza, que intimo, por necessidade.

     Agora, um melro surge e parte de súbito, enquanto vocaliza um alerta. Fica na retina a cor negra brilhante da plumagem e o amarelo-alaranjado do bico, que acusa tratar-se de um macho. Do espantalho ficou a palha, que exala o odor da urina de rato. Há quem diga que o espantalho era incontinente.



sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Entrada 250

Entrada 250
ou

Sem-fim

E num dia perene e inovador,
Com a Lua enjeitada e Inferno brindado,
Sem medo e de sorriso em riste,
Recuperei a casualidade do amor;
Sem rede, sem arnês, desabrigado,
Demarquei o «acontecer» e sorriste!
Enquanto o sonho pretende,
Reconstruo a margem que fende.

Com uma margem, a Lua e o Inferno
Sob protesto, deixo de protestar,
Rumo ao desconhecido.
Já não é conjecturável;
Já não é orientador.
E consigo retribuir.

27 de Dezembro de 2011

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Lugar incomum


Encontrei, no sótão, alguns afectos
mal arrumados,
como que abandonados. Fiquei,
e eles comigo, sem palavras. Sempre
as palavras ou a falta delas.
Quando não há palavras não se
pode começar, nada,
com elas.
Parece óbvio
e impõe-se que o seja e o pronuncie.

Alguns afectos tinham companhia
ou
acompanhantes.
Nuns casos era o medo
ou vários medos, também, mudos e,
alguns, ainda, sós.
Noutros, casos, era a razão
ou as razões,
que, em algumas situações, acompanhavam
só o medo; ou o medo e os afectos, quando não
estavam isoladas.

Vi anais pueris, a brincar com
as coisas sérias;
com as sisudas; com as
misérias.
Nunca deixarão de ser o
que eram.

Tropecei em pedaços de carácter,
perdido,
Sem vocábulos ou termos.
Fragmentos que se
misturam com todos os
sentimentos, visíveis
ou invisíveis.

Havia um covil, do ardil, descoberto,
mas tapado,
com os olhos grandes já de fora;
Asas, asinhas, aselhas e asas sobresselentes;
Halos, com auréolas, e diademas;
Sortes e reveses.

Não sei quantos afectos, e/ou
medos e/ou razões desceram comigo, para
este chão desarrumado.
Ou se, por desventura ou fortuna,
terá descido alguém.


Concessão expressa


Nunca ninguém vai saber
O que se quis dizer
Mas deixará o sabor
Do desconforto
À tona
Debaixo de um ardor
Peso morto
À procura de dona.

Entenderás pelo teu apetite
Que já não há quem acredite
Em verdade
Nos enredos voláteis
À porta
De uma paixão de igualdade
Nos braços retrácteis
E na necessidade que exorta.

Um dia
Sem euforia
A caminho da medicina
Acordei em paridade binária
Segui o curso tortuoso
Que ruma à colina
Dedicado na necessidade primária
No arranjo do virtuoso.

Vem de longe e de perto
Do exacto e do incerto
Ninguém saberá
Hora breve
O rumo do pensamento
Segrega um «Até lá…»
Que seja de neve
E transfere o firmamento.



Há amigos assim


Assisto ao desenrolar natural da vida artificial, sem mágoa. Senti,
Céptico, o acerbo bem-falante da investida dissimulada e maledicente. Com
Dificuldade, contorno o insulto e ignoro o alheio cotovelo dorido. Tristeza,
É o nome curto e simpático do rasto contínuo e pegajoso que deixa para trás e a
Vontade, bárbara, de subtrair, sem frontalidade, a dignidade final. A tua
Existência é uma rude, despeitada, rancorosa e imaginária argumentação.
Há amigos assim, porque não o pode ser um desconhecido incógnito? Cobarde.

Bom dia! Boa tarde! Boa noite!

Que me dizem as tuas palavras, do outro lado da rua? Não
Consigo ouvir. Não vem ao meu encontro, nem de onde venho ou para onde vou.
Nada pode ser mais favorável do que sorrir, seguir em frente. Justificar.



Sem destinatário, hoje! 

Pinta



Freto o crepúsculo, com um sorriso,
Que carrego e é meu, não sendo de ninguém.
Levo de tudo e saudades, que não deixo, nem preciso.

Sabia que um dia seria assim,
O fim estava traçado e repleto de zelo,
Só, como sempre desejei e imaginei.
Não lamento, não há mágoa, há o simples fim
E é bom trazê-lo.

Mesmo sem o ponto, que aponto, quase tonto,
Não foi o ponto, e o ponto, o ponto final,
Sem redução ou simples lei,
Por mais voltas que o ponto tenha, com desconto,
Rumo sem ponto ao encontro do ponto original.

Não é queixume, coisa aturdida de outra invenção,
É alegria, descanso e ponto.
A sobra sobeja na industriosa imaginação.

Enquanto descalço a jornada;
Enquanto dispo o encargo cumprido;
Enquanto me agarro ao verso sem nó e sem grei;
Enquanto quase tudo, e já quase nada:
Somo contentamento à viagem do vivido.

Dona Aurora ficará sem rasura,
Apara de liberdade livre e liberta.
Saibam cuidar dela os olhos que desvendei,
Talvez de uma forma dura,
Mas sempre com a bondade que o carinho desperta.

Pinta a pinta com pinta e meia,
Com pena de pinta-caldeira,
E logo a pinta é mais pinta do que a pinta que a semeia.





E Dona Aurora(r) ficou, precedida por outras auroras e outros "aurorares".


Equilíbrio transitório


Acena, como um pierrô decrépito,
Para a inconsistência da vida,
Que passa no passeio em frente,
E esta retribui com um esgar estrépito.
Assevero que se me abriu uma ferida.
Passa a palavra e segue rente.

Não vi poesia, nem rimas.
Vi a aversão, envaidecida,
Montada em socas de prosas;
Engrandecida por enzimas,
Uma massa ácida, dita cinzenta, embevecida;
Rodeada por ladainhas dengosas.

Era um simples cumprimento,
Transcorrido enquanto canta o cuco,
Escondido na ramagem dos pinheiros,
Demasiadamente longe do discernimento,
E durante a queda de um citrino sem suco.
Entrementes, rodeiam os herdeiros.

O traje, a trejeito, de umas falas mansas,
Ganhou o lugar do discurso bravio.
Se não se renovar, meu mundo, o amor não é eterno!
De igual modo, o ódio pode ser extinto em lembranças,
Amenas, se despir o fato, facto, apertado e esguio
Do rigor imposto, acatado e alterno.

Segue, imita e cursa, numa fantástica pirueta,
Com uma decidida opinião marafona e interpolada.
O arlequim hipotético continua com o olhar tocante,
Mas deixa de lado, e esquece, o som da trombeta.
Não sabe de onde vem a genuína gargalhada,
Sabe frui-la como parte sua e imperante.


Um outro fim


Um outro fim
ou
O retrocesso

E um dia sem data,
Com a Lua enjeitada,
De pejo em vergonha,
Encontrei a ilustração
Que quis dividir comigo a tarefa
E, enquanto a alma deseja,
Enviou-me para o Inferno sem fantasia.

De regresso, sem mandos,
Com o Inferno e a Lua,
Já não era pretendido,
Já não era capital
E não consegui devolver-me.

27 de Dezembro de 2011.


De ocasião


Amargura, a consciência dita a comodidade, ou a sua falta.
Não te quero no meu colo, personifico-te porque me apraz.
Inspeccionas o estado e a determinação de me sentir capaz
E esqueces o esquisso mundo que ofereces e de ti salta.

Pobre enredo de enredar, que em frases curtas se exalta,
Apendoa-se em receios e enormidades, ainda assim, audaz.
Caso de amor, de ausência, de ultraje e, falsamente, de paz,
Arrebita e ergue o teu horizonte, enquanto o ardil te ressalta.

Redimo-te, sem peso e sem pejo, da pretensa pena ou castigo.
Perdoo, crédulo, sem poder, a arrogância e até posso ser teu amigo
Mas não me seduzas com o teu regulamento condicional.

És, tão só e por ti, Amargura, difusa confusão de desabrigo;
Ténue linha, imaginária, condutora de recato e de moral.
Sai do meu regaço, deixa de ministrar governo. Vida real!


segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Na forma de um sonho


Vem, regato, regar-me o regaço molhado,
Mas por mim não pares de correr.
Procuro, no teu leito estreito e sujo, a restituição do nada;
A forma de alcançar o meu propósito cansado;
O formato da deriva e a dimensão da rotina de viver;
A matriz do bem-querer, que se perde na enxurrada.

O amor de Maio que troveja num choco duradouro
E escorre nos resquícios de antigas astúcias e vícios,
Imprime as suas razões na tua corrente viva e viçosa,
Regato domado e sujeito às desditas da evolução sem agouro;
Desprende-se da herança e ganha novos contornos e auspícios,
Adaptados aos ajustes de uma razão rude, rápida e preguiçosa.

A casualidade de um mero acaso, único e recto,
Para a qual não tenho chave e não vejo fechadura,
No riso espontâneo que sobe pelas trepadeiras do carvalho,
(A velha e não silenciada prova de várias gerações de afecto)
Dá graças aos raios de luz que a sustenta e por eles perdura,
Enraizada em crenças que crescem frescas por cada orvalho.

Eu tenho vontade de mandar alguma coisa para outro lado,
Neste lugar abandonado e onde não há pontes por perto.
Mas sei que tudo volta. Há sempre um caminho de retorno
E, entre o troco perdido, para cada futuro há um passado.
Talvez deva regressar e ser gente, naturalmente e de certo,
Alheio, padronizado, sereno; nem frio, nem quente, nem morno.

Cabeça! Nela transporto os meus tesouros, mundos e conquistas;
Ornatos de fantasia, produção de alegria e truques de magia;
Vida, alma, energia, doçura, esperança, coragem, conceito e norma.
Por vezes, também, um boné de pala, mas nunca penachos ou cristas,
Entre tantas outras coisas a expor ou a calar, em concreto ou em alegoria.
Vai, regato, segue o teu caminho e eu sigo o sonho da forma.


Acontece


Corre um vento seco de este;
Corre um boato sobre a minha quantidade;
Corre uma tristeza endógena de qualidade;
Corro contra o vento, o boato e a tristeza que infeste.
Corro, corro, corro preso a um mesmo lugar.

Corro, mas corro sereno.
Não me atropelo. Não é necessário temer,
Quando não pesa a mentira ou a verdade.
Ninguém se preocupa com o depois do pôr-do-sol,
Se, por um acaso, o ocaso escurece a alma
De um ensurdecedor silêncio de um vazio.

Corre uma loucura de esquecimento.
Não temam, pelo género, o género;
Não temam a liberdade e o livre arbítrio.
A vitória déspota é, apenas, um mando de ilusão.
Transforma a tua inanição numa vida;
A ocupação numa arte;
A vida e a arte numa referência verdadeira.

Corre um prazo vencido, num tempo desvalorizado;
Corre um triunfo omisso e falaz.
O cerne de um enfado superior, um misto de reveses,
Circula num rumor dissimulado.
Naquele sussurro escrito, emitido, fugaz.

Corre uma técnica eficaz para obter o esquecimento:
A evasiva frutuosa da retórica fantástica
No torpor integral de um paliativo demagogo.

Corre o submisso uso do costume.
Ó brando critério de análise,
A antífona ainda ecoa na ravina;
A ravina absorve a soma íntegra da inteireza;
A inteireza perde a recta justiça;
A justiça, que já era cega e vendada, é contrafeita;
Contrafeito vai, agora, o crédito.
Terá o eterno descanso das ondas do mar.

Corre um requisito desvanecido de conteúdo;
Corre o receio;
Corre uma adaptação de paz.
Estas são informações confidenciais:
Sou tão fácil de lavar.


domingo, 25 de dezembro de 2011

Vaga


Depois da ausência forçada,
Senti as forças a crescerem
Em vontades e desejos,
E eram muitas as direcções;
E eram muitos os destinos.
Foi grande a dúvida e a incerteza;
Eram variados os caminhos;
Faltavam as referências e os padrões.
Na baixa velocidade era elevada a expectativa
De um baixo consumo equivalente.
Não vi as garantias,
Não havia manual
E o poder emanava sinais contrários.
Era requerida uma reacção
Que tardava a encontrar uma via.
As portas estavam fechadas
E faltavam os iguais.
As principais funcionalidades falharam;
O armazenamento existente fenecia;
A adaptação tardou e alternava.
Mas estava instalada uma confiança antiga,
Com um empenho apurado.

Um dia partirei, irremediavelmente.
Definitivamente.
Incluído num comprovativo,
Realizado num expediente.
Não restará iniciativa a tomar;
Resposta anunciada;
Oferta enunciada;
Entrevista iniciada;
Anúncio onerado;
Contacto enumerado;
Registo imunizado.
Encontrar-me-ão despido,
Descalço e lavado;
Assinalado com um sorriso de estampa.
Devem-me muita alegria e longa felicidade:
A vossa, para vós e por vós.

29 de Setembro de 2009.

sábado, 24 de dezembro de 2011

Ápice


Parado não estou imóvel.
Corro como quem não consegue escapar,
Conquisto a distância estática;
Fico refém do instantâneo,
Retrato precário de um movimento;
Fico cativo e não inerte,
Fixo na fotografia.

Rumores são grades;
Cercas aprumadas de burburinhos;
Alusões de arame farpado;
Vedação da integridade;
Muros de divisão compulsiva.
Omissões lagunares são pântanos;
Lodaçais de intelectos fechados;
Atoleiros de mesuras de regadio;
Brejos de civismo harpeado.

Como eu quero ajudar e não sei por onde vou,
Afastado da origem, sem ser desertor!
Serei diplomata no concílio dos descrentes;
Dos atados às ligaduras e aos atilhos;
Dos diáfanos.
Serei diplomata pelo mutismo do chão agreste;
Pelo brado das coisas selvagens;
Pelo pêlo eriçado no refreio do arrepio;
Pelo zelo das coisas dóceis.
Serei diplomata pelo que eles dizem,
Quando não pronunciam;
Quando silenciam à minha frente;
Quando rabiscam nas minhas costas;
Quando tropeçam em mímicas de soluços.
É diferente o irradiar e a emissão particular.
São felizes e eu com eles.

Hoje cicatriza a etapa.
Segrega a harmonia, sem música;
A paz.
Não há devir, haverá um novo dia;
Uma pintura de naturezas vivas.
Seja como for, será um presente;
Um lúdico pretérito no futuro.
Será uma área sem extensão;
Um grito seco e sem eco.
Hoje cicatriza o castigo da metamorfose,
Inaudita.
Cicatrizo, com um fecho, um remate,
Um atalho e um fim que cura.

Há um lugar contíguo,
Um espaço, de um raro ambiente,
Para esconder as marcas
Que sussurram uma força.
Uma força que acalenta a presença,
Para desagrado das existências belas
Como a das flores e dos bons afectos.
Há um lugar secreto,
Um recanto, onde guardamos,
Bem fundo, a dor,
Bem dobrada
E sempre pronta a usar.
Nesse local, num ou outro momento,
Numa ou noutra solidão,
Memoramos as francas fraquezas
Como um suprimento de sofrimento.

No descrente seio do concílio do papel amarrotado,
Confundem-se os males maiores do não amor
Com outros interesses superiores.
Criam cópias de razões e representações
Numa cascata que é um abismo.
Evocam as sombras das negações
Desmentindo a mágoa, num sofisma
De corte polido e desconfiado.
Reproduzem purismos naturais
Que vertem numa proveta,
Para graduar a rectidão;
Para mensurar a competência;
Para quantificar a excelência.
Vertem os saberes de tópico,
Como canais de evacuação.

A poesia surgiu nua,
Como sempre, e, sempre, sem insígnias;
Sem armas, que não ela,
E um peito.
Nobre peito vincado e rarefeito,
Foge das rimas;
Foge dos ritmos;
Foge do pesar;
Foge do eterno fugir.

15 de Fevereiro de 2010

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Etéreo


O plano, o período e o clima não eram os melhores, com certeza.
Acredito que, desde o pináculo, seja difícil vislumbrar o detalhe,
Vincado e preciso, do pesar e da aflição de um olmo desamparado,
Sem projectar sombra e em atmosferas arredias da inteireza;
Sem cobertura, sangrado por um profundo e amplo entalhe;
Agarrado a uma peculiar circunstância de ter raízes e estar deslocado.
Não foge, enquanto os salgueiros, amigos, com celeuma, o vergastam,
Aparentando dar palmadinhas nas costas e que muito se agastam
Com o seu involuntário abrolhar extemporâneo e desfasado.

Desfolho a complexidade digital, crítica, crónica e criativa,
Escrita e descrita nas folhas caídas dos azevinhos de várias eras.
Folhas molhadas que pululam no chão de terra, que as anseia.
A vertente não tem cilada e o pequeno vale espelha a prática incisiva,
Essa sim, natural, sem juras artísticas, de verdes esperas;
De prodígio, de sobrevivências incólumes, que não se maneia;
De atoleiro de verbos, boçais, abandonados e depositados por enxurradas
Há muito tempo esquecidas, há muito tempo choradas;
De alinhavos de sátira que, encoberta e renunciada, se refreia.

Os fluidos do ribeiro deixaram de ser acromáticos, inolentes,
Para abarcar os tons e odores ditados pela tua indústria exuberante:
Frases que serpenteiam, sob aplausos e ovação, sobre os seixos angulares.
Na região dos elos fraternos eternos, dos sempre presentes,
Os laços de alforria estão enfermos e de utilidade inoperante.
Os atlantes, debaixo das cornijas, são uma baganha seca de olhares.
A desusada deusa azenha exibe, apenas, uma amostra de quatro muros
De adobes de saibro, subjugados, erodidos e pouco seguros.
Emparedados pelo capim bravio, espontâneo, semelhante a esgares.

Em abono da minha convicção, nunca deixei de ser poeta verdadeiro.
Choro quando choro, sem carpir; sem a modéstia de imitação, pintada ou caiada.
Sem dúvida, todos os vocábulos contêm disfarces de diferentes espessuras,
De diferentes opções e credos. Não creio que não tenhas reparado, por inteiro,
Na falta de freio das rimas estreitas, das escorreitas, das indigentes; na chegada.
Os ensaios de duvidosas diplomacias, vindos em nodosas e dengosas lisuras,
Cobram os dízimos vencidos, baseados em pressupostos de proprietário
Zelador e guarda-mor da etiqueta moderna, também, ele, um operário,
Construtor de altares, de pedestais; de torres, de ameias. De alturas.

O que, normal ou ocasionalmente, pensam as austrálias ou os eucaliptos, eu não sei,
Nem sei o que realmente querem dizer as trepadeiras aos álamos esquecidos.
Contemplo a beleza da natureza, mesmo quando não entendo a sua cruel brutalidade,
Sem esquecer que, eu, também, sou um elemento natural, simples e com lei.
Não respondo à fonte inquinada, que nada me diz, nem me dirige os seus pedidos.
Trago comigo, contra todos os pareceres e anacronismos, a inata antiguidade
De estar grato com a vida, ainda que amargo, copioso ou longe da grei.

31 de Dezembro de 2009.

Pequeno


Ah! Como sou coisa pouca e pequeno
E mais me encolho e minguo, sem conjunção,
Em constante retrocesso e minoração.
Não sou o elementar Poeta, ameno!

Sou um coto sob o combro da subtracção.
Como eu cresço na solidão, sereno!
Sem manelo, apenas ar, na minha mão;
Com abundância de sonhos, que condeno.

Como o tempo, fogem de mim, savelha!
Sou grande na joeira que me espelha,
Fora dessa nata, grupo de poejo.

Tão-só figurarei uma rude telha;
Tão-só postulo por um simples desejo:
Não perder a razão, que nunca me dão ou vejo!

01 de Julho de 2009.


Aprestar

     Os elementos recolhidos ainda estão impregnados com a essência da natureza. A difusão de dados decorre paulatinamente, mas está praticamente concluída. Ecoam algumas emoções antigas, imbuídas em sentimentos razoáveis, que se tornam lentas e pesadas pela carga inútil das palavras que transportam. O atributo de um predicado caiu como uma folha caduca.

     Não sou dono dos termos, nem mesmo daqueles que invento ou agrupo. As palavras livres nunca deveriam ser aprisionadas. Deveriam poder ser cumpridas todas as promessas formuladas e manifestadas em liberdade.

     Sou uma variável independente e faço parte de um sumário no assunto de uma conjectura. Dizer que se é diferente, ou que se quer ser diferente, não significa, necessariamente, trocar o género ou gostar de seres do mesmo género, não forçosamente por vergonha, mas, plausível e provavelmente, por opção, e sem o considerar absurdo. Assim como dizer que se está mareado, aturdido ou sóbrio, não significa que se seja ébrio, dopado ou dependente física e/ou psicologicamente de uma substancia tóxica. Mas poderia ser. Ser diferente é uma realidade particular num contexto comum, globalizado, onde todos deveriam ser iguais em direitos e deveres.

     Gosto de páginas intencionalmente deixadas em branco, quando estas fazem sentido e fazem sentido quando lhes experimentamos um vazio premeditado e proveitoso. Agradam-me os silêncios intencionalmente instituídos, quando estes fazem sentido e fazem sentido quando não há mais nada de útil, ou construtivo, a dizer; ou quando estes dizem tudo o que resta dizer. Gosto das analogias de união que algumas linhas me apontam; que algumas pontes me dirigem.

     Diz-se que o poeta é torpe, inútil, fútil. Assim, ser-se poeta é uma constatação de impotência.

     Apenas para mim, parece existir pelo menos uma justiça divina que me pode absolver ou punir.

22 de Dezembro de 2011.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Algar


Algar
ou
Em pleno acordo de tempo
ou
Por esta altura


Por esta altura já o frio o agasta,
Em pleno acordo de tempo,
E grupos de involuntários,
Que “de tudo” tem por objectivo,
E “de nada” se apressam,
Cotovelam-se ao virar da esquina.

Por esta altura não sabe desejar e recusar,
Em pleno acordo de tempo,
Os esquissos de vida que sobrevivem
Em conjuntos de traços imprecisos,
Vagos, embora identificáveis, que seguram
E asseguram, convictos e satisfeitos,
A responsabilidade que não se ganha
Num sorteio ou num presente.

Por esta altura há-de ser Natal,
Em pleno acordo de tempo,
E as imagens,
Os modos,
As luzes,
Os sons,
Gritam:
Os chavões;
As proclamações;
Os pregões;
As ovações;
Os palavrões.

Por esta altura não existe,
Em pleno acordo de tempo,
Uma réstia de incolumidade
Em qualquer género de dúvida;
Em qualquer modelo de certeza,
Em qualquer forma de súplica.

Por esta altura já são odiadas as expressões,
Em pleno acordo de tempo,
Que se repetem, repetem e repetem.
Não desejam declarar, os predicados;
O desequilíbrio térmico afirma-se;
O verbo cansou-se de exigir complementos;
O modo afirmativo já se nega
E afirma-se o modo negativo.

Por esta altura brotam as palavras caducas,
Em pleno acordo de tempo,
Com linhas,
Com traços,
Com esboços,
Com rascunhos,
Com resumos,
Com essências
Que ora se assemelham,
Ora se interceptam,
Constatação, sem pasmos:
Por vezes indiferente, existimos diferentes.

Por esta altura já o brilho o abandonou,
Em pleno acordo de tempo.
Altura, pleno, acordo e tempo que partiu;
Sem nunca fazer, de todo, sentido.
Cintilam as diferenças dissimuladas,
A generosidade arguta e flácida,
As inclusões impostas e sobrepostas.

Sem altura.
Vendar,
Vender:
Vende-se o natal.

21 de Dezembro de 2011.