sábado, 19 de abril de 2014

urbe XX




cheirei as dúvidas e as dores 
entre o sol do frio e da chuva 
a chuva do sol e do frio 
e o frio da chuva do sol 
já noite flutuante e membrada em fundo 
para intuir a forma das possibilidades infinitas 
nas fórmulas da relva sem medo e rociada 
enquanto a estátua descansava na expectativa 
ao som dos passos dos que carregavam ou seguiam 
o senhor também dos passos em dia de encontro 
nem sei porque ainda tremo ou venho aqui 
na aparência as ruas foram torturadas no íntimo 
e eu íntimo e confidente da cidade intrépida 
libertei o leme e descalcei os sapatos doloridos 


  

sábado, 12 de abril de 2014

urbe XIX




em sonhos existiu um tempo que se adivinhava 
na ondulante fronteira da luz com a escuridão 
ou talvez não tenham sido sonhos mas um tempo 
a imaginar fora do tempo e da oportunidade 
ou talvez nem tenha existido esse tempo previsto 
nem sempre pausado na excitação da espera 
enquanto a cidade ascendia por datas confidentes 
onde resta uma escada que range humores 
e rumores túmidos que dissipam degraus íntimos 
não sei se é o brilho ou a sombra que espreita 
ou qual dos dois soltou o leme que pouco acresce 
e pouco importa tragado há algumas ruas atrás 




sexta-feira, 11 de abril de 2014

urbe XVIII




nem sempre a cidade se parece contigo 
nem sempre sinto o extremo do frio 
como se habitasse num lugar candente 
por vezes é o desconhecimento que nos une 
o pretender tão longe da possibilidade de ser 
é como alimentar um fogo que me queima 
mas sem me conseguir aquecer realmente 
e que me aquece sem me poder queimar 
que me arroja nos teus braços afectuosos 
tão impalpáveis e distintamente protectores 
onde me dissipo e me dispo de vocábulos 
num estado físico indeterminado e disperso 
dividido em partículas muito particulares 
tão próximas do objecto e essência dos sonhos 



  

quarta-feira, 9 de abril de 2014

urbe XVII




por vezes anoitece mais cedo 
como se alguém entediado e vagaroso 
numa hora oclusa e precipitada 
decidisse ditar o término da história 
onde o dia não se absolve completamente 
e verte a eternidade que incorpora 
um amor arrojado numa qualquer edição 
é possível que se componha com os sorrisos 
alheios que deflagram aparência nas palavras 
proferidas em surdina e que encorpam o ar 
que nega e reprime toda a felicidade na cidade 
onde aparenta pairar uma constante ameaça 
que se propaga apressada nas ruas 
sem nos conhecer 




terça-feira, 8 de abril de 2014

urbe XVI





há quem se inquiete sem tempo ou vias
a cidade pode ser um ponto de solidão
com pontes que abrigam almas perdidas
o céu denso aparenta amor sem fundos
o outro lado da rua é sempre o outro lado
onde eu procuro um lugar para ficar em
silêncio para medir e moderar a dimensão
da razão de tantas certezas que me refutam
as palavras assomam-se ainda mais claras
mas não brincam porque temem as alegorias
de gente cinzenta que confrange e se isenta 

   [27 de março de 2014]