quinta-feira, 31 de outubro de 2013

fecho os olhos lentamente







sonhei-te um dia
uma vida
numa vida de sonho
e eramos nós num sonho só
num sonho de muitos
tantos sonhos
as árvores sonharam também
e mesmo as folhas de sonhos perenes
também caiam por terras de sonhos
e passaram e passam os dias em tribulação
vi muitos sonhos e coisas
o gosto de recordar os sonhos
quando os sonhos restam
para além dos choros e dos sofrimentos
e vão-nos morrendo
também os sonhos
e na lápide um sonho
é um conflito até ao último suspiro
a imortalidade
sim
morremos
aceita o sono e o sonho
os sonhos ficarão para as crianças
e para os seus filhos
e para os filhos dos filhos
num sonho não há absurdos
a existência acrescenta sonhos ao sonho
para poder continuar a sonhar
e dura enquanto o sonho vive
e vive enquanto o sonho dura
por vezes encaixamo-nos nos sonhos
sem referências
e estes em palavras que não existem
contudo
palavras de sonho
e ficamos
assim
abraçados
sonho no sonho
e em braços que não são
e nos silêncios de ambos e de todos
mas há sonhos e sonhos
a vida é um sonho que existe dentro de um sonho
onde morremos se deixarmos morrer a memória
e morremos em todos os dias de sonho


    

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

De uma perspectiva





Eu sinto-te tão perto
Que quase te toco, por certo,
Tão lentamente.
E deixa-me dizer, sem pressa,
Ou outras urgências de gente,
Como quem se confessa,
Que te amo e admiro
E, lamechas, lanço um suspiro
Por cada vez que te sinto na brisa,
Por cada vez que o meu corpo te adita
Na marulhada concisa
Onde, até, a saudade acredita.
E aí eu sinto-te tão perto,
De novo e tão vivamente,
Nas danças deste mar desperto
E tão seriamente
Eu sou um mar tão raso,
Neste puro acaso.


    
[Sugestão de "consumo", para o poema: Ler a cantar.]





terça-feira, 29 de outubro de 2013

Anuência


Coimbra - panorâmica


Ah, mas eu sorrio, e rio, também!
Em qualquer lugar.
Com os meus olhos,
Com a minha boca,
Com o meu rosto...
Com abraços de pleonasmos e de redundâncias.
Muitas vezes.
Quando eu recordo,
Mesmo sem ter vivido;
Quando eu ouço,
Mesmo sem ouvir;
Quando eu vejo,
Mesmo sem ver…
Porque eu sinto…
E porque sim! Apenas.


terça-feira, 15 de outubro de 2013

Sentado na dicotomia de uma fantasia




Há uma eternidade que me perdeu de vista,
Entendo, e vogo no hiato do gosto de um desejo,
Que é um sonho insolvente.
É, apenas, o Outubro, que se despenha,
Num mar, verde, que sussurra tranquilo;
Numa ria que silencia em serenidade.
No último cais procuro a minha indiferença,
Derrogo o tempo onde não existo.
Não tenho mais onde escrever odores
E os registos da brisa não me deixam partir.


    

sexta-feira, 11 de outubro de 2013

actualização





com pretexto e a pretexto
e eu sorrio
há pequenas coisas que me fazem sorrir
apressa-se o abraço sentido destas palavras
há um código que fala do céu
e um sorriso à noite que é um bálsamo de amor
deixo cair a pontuação
perdem-se as letras capitais
há um momento em que deixa de doer
é aí que a matéria se confunde e difunde
se mistura e se transfigura
sob um mesmo e único firmamento


  

terça-feira, 8 de outubro de 2013

viana



queria que visses
o meu coração em filigrana
valido pelo mar
com o sentido na senhora da agonia
o lima descontrai
embala o navio-hospital
o frio furtivo de um meio quente
sibila por entre as amarras
rumo ao monte
sem partir
com partículas peculiares
uma referência túmida na circunstância da cidade
o chafariz que namora com atlantes
numa praça da rainha de rei granito
santa luzia testemunha
segreda um morfema esconso
e eu não


   

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

orbe

  



não tenho que ficar calado
e até posso assobiar
não preciso de nascer outra vez
sem fazer de conta
nasceu uma nova estrela no nosso universo
reparo que a verdade é seriamente relativa
quando peço verdade à voz pequenina e dengosa
que de ponta a ponta vai e vem
anda de ponta e se agiganta pelas costas
numa estimativa condensada
que vibra em silêncio e solidão que me desdiz
e seduz
onde possuo a serenidade de uma qualquer razão
eu fui mais além e fiquei aquém
nem tenho que falar

não tenho que ser diferente
desperto para uma realidade informal
aperto um abraço de melancolia contagiante
um sorriso rasga-me o rosto que rasga o sorriso
sorriso que quis ver a luz do momento
nunca parti completamente
inteiramente
imediatamente
e é tão simples voar no estrangulamento da vida
e sobre tudo este mundo mente
hoje o mundo não é um bom lugar para amar
a Terra não é um local justo
o universo é apertado
e entre nós há bastante espaço
nem tenho que ser igual


  

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

E hoje… (XLVII)

     ... a senhora estava encostada à parede, com todos os sonhos feridos, doentes; com algumas nódoas negras marcadas no rosto e na alma. Mas não queria ajuda. Queria chorar e sentir a chuva, como se esta, chuva, a acariciasse. Foi assim que eu, em estado plasmático, a encontrei, já em estado líquido.
  
     Eu não fumo e não posso dar um cigarro, que não tenho. Eu tinha, e tenho, apenas, como que um ombro de compreensão, um suporte sociável, e não procurava, nem procuro, nada. Apenas posso emprestar esse ombro e tentar encaminhar algumas criaturas para um rumo onde possam, um dia, encontrar o Sol, num caminho que queiram trilhar. Não faço, nem transporto, milagres. Pinto e retoco ideias, emoções, afectos, sonhos e palavras. Sou um estado tão simples, de matéria, tão insuficiente e fluido...