segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Massivo


Brotam, essencialmente, à noite, junto aos bebedouros 
dentro de portas. Florescem praticamente todas as noites 
e o desflorescimento ocorre com a chegada da manhã. 
Por vezes, titubeiam insones e lamuriosos; vacilam factos 
e palavras; gemem uma angústia fermentada e convulsa 
de afectos demolidos, que os distancia da esperança 
ou lhes confere uma esperança ébria e comprometida. 
Mas, nem sempre é assim, no relativo etílico reflectido. 
Conheço esses caminhos do amor, para além do olhar 
químico, filosófico ou emotivo, mas não vou por aí. 
Rumo noutro sentido, procuro outra vertente do céu; 
a companhia de uma estrela; o murmúrio líquido 
e nocturno da lua, da ria, das árvores, das ervas, 
que se transforma numa frágil, mas terna, melodia. 
As palavras orbitam e rodopiam em torno deste som. 
Tenho a cidade cravada nas costas. Talvez nunca perca 
o teu rosto absoluto e concreto, a sua imagem, na distância 
das paisagens da memória. Mas, quem és tu? 


 [massivo]

sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Dedução


Os dias encurtaram, nitidamente, com o crescendo 
do outono. À excepção das gaivotas e das pombas, 
que em alguns momentos aparentaram possuir toda 
a serenidade e todo o tempo do mundo, as restantes 
aves deambularam de um lado para o outro como se 
tivessem algum dever a cumprir, um afazer permanente 
e inadiável, uma urgência constante, enquanto a luz 
do dia o permitiu. Pouco mais me resta do dia. À noite, 
o silêncio junta-se a todas as aves diurnas e estas são 
dissolvidas pela escuridão. As nuvens deixam, apenas, 
uma ideia de céu e, quando as janelas se iluminam, 
percepcionam-se uns vagos vultos ou a projecção 
vazia dos seus movimentos… A vida é o movimento 
e é tudo o que com ele fazemos e como o multiplicamos. 
Mas, há movimentos sem vida e outros que conduzem 
a morte. Também o movimento é relativo e ilusório. 
Sorrio com estas inusitadas deduções e não continuo. 
O ar entretém-se comigo, o que afasta a sensação 
de ser um irremediável poema, a viver numa gaveta. 


 [massivo]

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Sentido único


Os lábios comprimem-se, como se pretendessem ajudar a suportar 
as imagens pálidas e vagarosas que parecem chegar em suores frios. 
Poderia dizer que a minha razão e o meu coração estão noutro lugar. 
Afasto-me das almas mais problemáticas, aquelas que se cegam e cegam. 
Que cidade é esta, onde vogam rostos fechados e imperturbáveis? 
Que parte de mim eu sou neste canto remoto e frio do meu ser? 
Hoje perdi as árvores, perdi a ria, perdi a vontade e o meu nome. 
E não é sobre mim, mas sobre coisas que eu, de alguma forma, experienciei. 
A luz vermelha, do semáforo, aguarda que eu passe. Aperto-a ao peito. 


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quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Periférico


Agora, a periferia. Os salgueiros, que emolduram e zurzem 
o Vouga, guardam as suas próprias formas entre as raízes 
do ar. Por vezes, falam de salgueiros mais distantes 
e carpidores, salgueiros que os próprios salgueiros evitam. 
Encaram as paisagens húmidas com sorrisos e desconfiam 
imensamente de quase tudo o que se relacione com a cidade. 
Sabem que, à noite, as coisas se agigantam, carregadas 
de tons escuros, enquanto a linha do horizonte tende 
a turvar até à sua inexistência ao simples olhar nocturno. 
Por vezes, desperta em mim uma onda de imensa saudade 
e procuro o rumor dos salgueirais. Embora só, aqui nunca 
estou sozinho. Aqui as almas são descomplicadas e, apesar 
da minha reconversão à cidade, do meu rosto adormecido 
de cidade, absorvem-me, que é a sua forma de partilhar 
e comunicar. Em momentos de um bom acaso, as águas 
imitam toda esta paz e alentam os seus jacintos, que não 
dormem. 


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terça-feira, 25 de outubro de 2016

Passagem urbana


Em Aveiro, o outono colhe quase todos os turistas 
e faz despontar estudantes por quase toda a cidade. 
As casas transformam-se em pequenas arribas da Beira-mar, 
a ria ganha um novo hálito e o seu imprevisível caudal 
de tempo é relativo. É no outono que a relatividade 
é inteiramente exequível; o silêncio ganha uma forma 
distinta e absoluta, e pode dizer-se que é, por momentos, 
audível. Os dias adquirem a condição de magia que a noite 
intensifica e condensa. E, por vezes, embora chova, eu sou 
só eu, a espreitar a parte detrás do horizonte; a procurar 
entender a parte invisível do amor, da curva do sorriso, 
do brilho do olhar, de um suspiro, da saudade… E perco 
a noite por entre os dedos, por onde tu não vais, nem 
madrugas; nos poemas que perdem as folhas e o outono; 
consumido pela avidez da luz e da languidez do corpo imaginário. 


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segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Andante


Os pássaros adoram o ulmeiro da avenida. 
Brincam, felizes, nos seus ramos alegres. 
Ele, por vezes, faz uma brevíssima pausa 
na sua caminhada em direcção à ria, 
para explicar, às suas folhas, a estrutura 
funcional de uma célula de afecto. 
Não sei porquê, mas, as suas folhas, 
teimam em cair, mesmo depois 
de o entender. Por vezes, mesmo antes 
do outono, quando a cidade se perde 
em mim, à procura dos meus ramos, 
do aconchego do meu troco e da firmeza 
das minhas raízes. Nesses momentos, 
atravessas os meus poemas, onde cai 
uma chuva vulnerada, e os nossos 
ramos tocam-se, nos soluços, quase 
corações, e quase entendemos todas 
as solidões. Depois, suspiro e já não 
está ninguém, apenas um mundo de mil 
partes, o hálito do despertar e a parte 
detrás de um sorriso luminoso: cordialidade. 


 [massivo]



domingo, 23 de outubro de 2016

Tempo com paisagem


O ulmeiro fala sozinho e adormece no inverno, mas 
irradia uma natural e peculiar imagem de sapiência; 
caminha na avenida, no extremo mais próximo da ria 
e ao seu encontro, cadente, circunspecto, sem garantias. 
A ria tem sussurrado mais do que o habitual. 
Aguarda pelos versos que a rasgam por dentro 
ou pelo coice de um poema, numa sofreguidão genuína, 
com a superfície espessa de um movimento congelado. 
Por vezes, desamarra-se do cais, sobe à praça e vagueia 
pelo seu movimento ondulatório, à procura do ulmeiro. 
Eu sei que saio à noite e que chego ainda mais à noite; 
que a noite, por vezes, é mais longa e com pontas 
desiguais; que os lençóis respiram a saudade e abraçam 
o corpo no escuro, alheios à ria, ao ulmeiro e a cidade; 
que, de qualquer forma, no relativo da ria e do ulmeiro, 
estamos presentes como lençóis abraçados ao corpo 
do vento, ou como desígnios que aguardam a mudança 
do sinal luminoso do seu trânsito condicionado: o amor.


 [massivo]



quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Aprendizagem


Uma flauta chama por mim, ao longe. Tão longe, 
a melodia e a cena pungente dos abraços e dos beijos. 
Os morcegos estudam piruetas e segredam-me 
que é tarde. É tarde, a noite conquistou o seu espaço, 
o seu tempo, a sua imagem de noite; avolumou as sombras, 
que, com a sua natural avidez, tragam a cidade, que é, 
agora, apenas, um ideal de cidade, onde sou um ideal de mim. 
O ar frio, que me puxa, cheira a ar queimado e as raízes 
iluminam-se, confirmando a minha suspeita: não é o mundo, 
sou eu que ando ao contrário e piso um céu que, se calhar, não existe. 


 [massivo]



quarta-feira, 19 de outubro de 2016

À superfície


À superfície do rosto, a triste sensação 
de estar perdido na cidade que perde 
as folhas num tédio vulnerado, sob um céu 
que derrama azuis líquidos, cheios de alegria 
e expectativa. A luz, solta, ignora algumas sombras, 
numa configuração tranquila de liberdade, 
e beija a ria, onde ela se abre desimpedida 
e exala o seu cheiro húmido a sal e a saudade. 

Os olhos não descansam, temporariamente 
ausentes, à procura não sei bem de quê. 
Talvez um quê perdido no subconsciente 
emaranhado na linha invisível que une as olaias 
descontraídas aos lódãos despreocupados, 
numa revolucionária resolução de amor. 

Deixo-me ficar, ao frio, contigo dentro de mim, 
num pacato modo de ausência que traz, à superfície 
transparente do rosto, os sinais que levam as pombas 
a pensar que me abandonei irremediavelmente; 
que fui derrotado; que me diluí no alheamento; 
que parti desafiando a loucura do tempo e do espaço. 

Encaro o medo de amar, que surge 
não sei de onde, e afasto os seus dedos, 
feitos não sei de quê, para passar pelo acervo 
solto de frases que, não sei porquê, escondem 
a pilha solta de frases que formam a ponte: 
a agradável inquietação de meditar. 

Olho a vida de frente e vejo-a em toda a parte. 
Sorrio, à superfície da actividade mental. 
Cá está a poesia que te sussurro ao ouvido, 
tão solicita e tão subtil! 
A cidade quase troca os seus personagens. 


[massivo]



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Presença



Hoje, as gaivotas falam de céus desconhecidos de um só dia 
e cantam o ideal de beijos que cantaram nos meus lábios; 
abraçam o ar abrindo as asas e disfarçam o afecto simulando 
sacudir as gotas de água das suas penas, como se estas penas 
fossem uma fantástica representação da saudade dos meus olhos. 
Um gato, completamente imaginário, sonha com pássaros mais pequenos 
e aparenta sorrir, da sua janela oblíqua, com um desejo fascinante. 
O gato acompanha as gaivotas com o olhar, mas permanece imóvel, 
como se toda a mobilidade pudesse dilacerar a existência irreal 
das gaivotas, sob este céu que alberga inúmeras histórias de amor 
e que chama por nós e para um quarto anónimo onde poderíamos 
diluir a nossa incontida presença, na tensão de um elaborado acto 
de amor, a olho nu, entrelaçados como as trepadeiras da nossa ausência. 
Inventá-lo-ia de novo, com a sensibilidade da ponta dos dedos, 
no frenesi da tua língua, no precipício da tua pele em incandescência 
e tumulto; como um princípio de uma hora longa e insuficiente. 


 [massivo]



quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Outono, a meia voz



A minha imaginação insatisfeita. O musgo da cidade, junto ao conflito 
de águas no deambular da praia-mar da ria, dorme. E as nuvens 
ocultam o caminho da vaga astronomia de um sentimento. 
Não sei se nos cairão as folhas quando o tempo se tornar mais 
intransitável, ou na curva dos dias de vagos ou hesitantes clarões. 
Reconheço-te pelo som indelével da tua voz e da tua respiração; 
pela tua imagem disseminada na pele e no peito da paisagem, 
no âmago das coisas e no fundo das cores que fingem os teus olhos. 
Sinto o fio tenso do vazio de uma moldura absorta a dançar, desabitada. 
Mas, agora, importa a paz da luz na circulação sanguínea, vórtice 
que deforma o espaço e o tempo, e tudo se torna belo, pleno, infinito:
poesia. 


 [massivo]



quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Permanecer



Eu não quero falar do tempo ou do estado do tempo; 
nem das transparências do corpo a imergir na névoa densa; 
nem da realidade que tropeça no sonho ou o sonho nela. 
Uma aurora sem luz excessiva e os meus olhos têm asas. 
Na minha cabeça crescem árvores de raízes enluaradas 
e das suas feridas cicatrizadas soam rumores de aniversário, 
ou é, apenas, o som de um ataúde que atravessa os versos, 
num espirituoso sobressalto a que chamamos corpo. 
Vem, junta-te a mim, aos sons da ria e aos seus cheiros 
húmidos. Abrirei o meu peito para te conter, para te auxiliar 
na travessia do invisível, uma espécie de solidão do olhar 
e que desaparece, espontaneamente, com o nascer do dia. 


 [massivo]



terça-feira, 11 de outubro de 2016

Regresso a Outubro



Há, claramente, momentos de silêncio; de outro tempo; 
de manhãs que acordam prometidas ao acaso, aos pássaros, 
as raízes emaranhadas; independentemente do tempo. 
No entanto, tudo é tão relativo e as próprias palavras 
nem sempre conseguem assegurar a sua própria forma 
ou a sua consistência, surpreendidas no cais, pelo amolador. 

Regresso a Outubro, às folhas das árvores, por entre folhas 
de cadernos e blocos de onde nunca saí. Regresso ao vento, 
ao frio; à congeminação da alegria de te voltar a ver; à tua boca; 
à casa que chama por nós, com a promessa da chama da lareira; 
à ponta dos dedos; aos olhos; à imaginação; à fragilidade do céu, 
de onde as nuvens hão-de cair para a banheira de mais um sonho. 


 [massivo]



segunda-feira, 10 de outubro de 2016

Criação



Tudo o que escrevo é intencional. Bom, quase tudo, 
e a intencionalidade não se transforma em biografia. 
Por vezes, num estado febril, na ebulição da escrita, 
num rasurar, excluir, refazer, apressar… aparece um erro. 
E o erro pode ter vários tamanhos e ser mais ou menos 
fatal. Caem-me algumas penas e, embora fique envergonhado, 
não escondo o bico debaixo de uma qualquer asa de ocasião. 
Para além disso, tudo é intencional, mesmo os títulos mais parvos, 
os restos de sentimentos, os rostos sem nome, as imagens, 
a estridência da insanidade… o gosto, discutível… o amor… Mas, 
é claro que não inventei, propriamente, o amor, embora tenha criado 
um poema que o inventou. Sei, agora, que já outros o inventaram, 
rigorosamente, com palavras; com actos mais interessantes; 
com outros engastes. E aquele, embora meu, embora seja, 
para além da descoberta e do encontro, não é uma invenção. 


 [massivo]



domingo, 9 de outubro de 2016

Chamo-te



Um último clarão de poente, uma estreita remanescência de luz, 
o ponto onde a noite principia o trajecto que já me vela. Uma 
aparente viagem nostálgica, pontuada por um suspiro definitivo, 
que me revela de várias formas e, também, as múltiplas raízes. 
A areia sonha longamente este sentimento. A água espraia-se 
devagar, sensível, solidária, para não perturbar o equilíbrio do céu. 
A noite encolhe os ombros e o vento prossegue nu por um funil 
de silêncio. O sorriso atravessa os versos, actualiza as palavras, 
define ambos na sua curva impossível de dizer, como um desenho 
de afectos claros, de muitas ramificações, a linha que nos une. 
Chamo-te, em sussurro, deste lado do vento, por uma abertura 
intransitável do céu, que o noitibó evitou cuidadosamente. 


 [massivo]



sábado, 8 de outubro de 2016

Inventei o amor



Inventei o amor. Um sentimento sem a possessão de outrem, 
mas com zelo, sem receio: o ciúme. Inventei-o simples, simplesmente, 
embora se complique explicá-lo, como se me perdesse nas grandes 
curvas do ar e me fosse impossível voar conduzindo as palavras 
por entre os galhos das árvores. Inventei-o e dele faz parte, sempre, 
uma grande afeição e, por legítima preguiça e genuína e pura insensatez, 
continuei a designá-lo pelo mesmo nome, quando, por vezes, 
lhe encontro a atracção. Inventei-o e sofro a alegria da carne, 
tão consentida, tão isenta de crueldade, tão sem culpa, tão intensa, 
quando é o rastilho do desejo. Inventei o amor: 


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sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Poente com abraços



Hoje não sou lamecha. Afasto-me dos meus dedos, 
que são, de forma cerimonial e fortuitamente, os teus. 
Não há tempo de mais, os pássaros desapareceram 
na tarde indistinta, que se encaminhou para o seu termo, 

carregada de circunstâncias e de razões misteriosas, 
como ondas, que rivalizam com as de um mar mais agreste. 
As árvores, confusas, tão cansadas de andar, já não sabem 
ao certo se procuram a justiça do amor, o amor com justiça, 

ou o amor na justiça. Algumas, por fim, limitam-se a deixar 
cair as folhas, para, depois, as percorrerem, contemplativas, 
como se procurassem uma qualquer explicação ou esperança. 

Eu sorrio estupidamente, ou seja, sorrio em paz, sozinho, 
embrulhado em recordações, algumas que nem existem, 
e atravesso a sorte de um bonito poente com abraços. 


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quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Plantas



– Não prometo nada! – E dito isto, a árvore prosseguiu o seu caminho, 
fincando as raízes na terra, na sua imobilidade relativa, abstracta 
e garbosa. Estendendo os ramos na densidade curvilínea do ar, 
à procura da aurora do outro lado do mundo. As árvores também 
se amam, assim como todos os seres vivos do reino vegetal. Eles 
também inventaram o amor, em todas as suas formas e à sua medida. 
Faz-te aqui e em mim, seremos duas árvores de amor perene 
nestas horas caducas que voam com o vento, ou para termos um 
amor caduco em horas perenes, mas sem nos prometermos nada. 


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quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Transitar



O mundo ao contrário, definitivo. 
Descobrir que o amor está em tudo 
e em qualquer lugar, mas que não é igual; 
que, se calhar, por vezes, é um amor sem luz. 
Desenvolvida a ideia do movimento 
que nos aproxima, acerco-me de ti, 
num azul cronológico, limpo de histórias, 
e viajo nos teus olhos, à procura do teu 
corpo tépido, onde já me perdi várias vezes. 
As tuas ondas envolvem-me, alisam-me 
e devolvem-me. E que mais se poderia dizer 
no nosso dialecto de sussurro e gestos? 


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terça-feira, 4 de outubro de 2016

De encontro


Começa por ser uma concepção e um sorriso, 
ou um devaneio perfeitamente exequível: 
O dia corre para ti e, por fim, estarás aqui, 
naquilo que é agora um horizonte invisível. 

Depois, o vento lambe-nos o corpo e aviva 
as labaredas de um fogo vestido de saudade. 
A roupa, o corpo, o desígnio, flutuam por magia 
e o nosso cheiro, singular, invade a cidade, 

na fricção do abraço. Um estranho sortilégio 
ilumina os nossos corpos e somos um, a figura 
luminosa da noite e a languidez do privilégio. 

Sim, as árvores cantam e o céu está aberto; 
a praça aperta com ondas que transmitem 
a sensação de que estás próxima e eu desperto.  


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segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Raio de Sol


Uma voz sem dor, a minha voz antiga, chama por mim 
no silêncio da almofada. Procura-me as raízes e eu, 
entre os lençóis adormecidos, no quarto que ainda 
soluça sonhos de filósofos, delicadas criaturas do ar, 
procuro entender a língua seca, no escuro de limites 
que não quero meus. A transpiração traz a luz aos pés. 
A febre dança, a ânsia precisa de dançar e a coragem 
toca a música lunar, do raiar da aurora e de fadados 
relógios. O rumor da cama pronuncia palavras de amor 
que te encontram no tecto, tão divertida, meu raio de Sol! 


 [massivo]



domingo, 2 de outubro de 2016

Coração


A ria amarrada ao cais, ao sabor da maré da praça 
com ondas adormecidas; o rumor das árvores 
com os silêncios de leitos vazios; pedacinhos de terra 
que sobrevoam a cidade sob a forma comum de aves 
tão diversas; o adeus do sol, que lava as distâncias 
que a noite já não poderá vestir; o recolher opcional 
das formigas das palavras… Instante suspenso, denso, 
que encontra a própria forma e determina o objecto. 
Imagens que patenteiam o amor visível aos olhos 
e que procuram os olhares para adormecerem serenas 
em outros contextos do céu que ascende pelos ramos 
do coração. Coração, uma outra forma manhosa 
de chamar quem se ama, ou de dizer: amor! 


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sábado, 1 de outubro de 2016

Arrepio



O corpo num sorriso longo que alenta a vida. 
Uma forma serena de solidão, onde o mar 
se abre na decisão do amor. Procuro os dedos 
das palavras resolvidas, ou o medo de te amar, 
na luz obstinada das frases que sobrevoam 
abraços que florescem num arrepio extenso. 


 [massivo]