segunda-feira, 15 de agosto de 2022

Chamada




Perceber o frio dos teus olhos de Aveiro. 
Gostaria de perceber esse frio intenso, 
Que explicas com tanto frio, por extenso, 
Em mim, ainda envolto na ideia do teu cheiro. 
Concedo-te o gesto, mais do que um poema 
Na poesia de que não sentes gosto ou tema, 
O meu ideário de odor e das suas sementes. 
Também sei que nós nunca seremos suficientes. 
 
E nada, contudo, em tantas curvas, imenso, 
E, ainda assim, o tudo do que pode ser brisa. 
Sorrio com uma recordação, talvez, imprecisa, 
Como uma recordação pode sorrir do que penso,
No tanto que a memória sorri e onde somos melhores; 
Onde somos o bastante, maiores. 
 
Escuto a mesma canção, numa nova versão. 
Como de qualquer outra, como o que resta, 
Nós nunca dançámos, ou abraçámos, ao som desta, 
Mas, leva-me a ti, como o Inverno ao Verão. 
Encontro, com a dificuldade de um ancião, 
As imagens de um sorriso no teu rosto. 
Talvez possamos salvar, ainda, agosto; 
O pouco, ou nada, que te interessa, ou não. 
E, contudo, a despedida. 
E, contudo, a vida. 
 
Aveiro é uma outra coisa, que já não somos, 
E, como que a chorar, o violino não chora: 
Lava-me um imaginário de alma, 
Onde só existe salvação; 
Eleva-me uma sensação de dor, 
Uma dor incomensurável de ser feliz; 
Leva-me ao frio do contentamento, 
Onde não preciso de um abrigo. 
 
Eu não preciso de rimas, 
E, até, compreendo, 
Sem necessitar de perceber, 
O frio dos teus olhos. 
Já a guitarra rasga bem fundo, 
O arrepio de caminho, de arrepiar, 
Sem medos, noutra melodia, 
Sem mapas: 
A vida. 
 
 
 
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 [15 de agosto de 2022]