segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Descodificar



Sinto que te identifico, por vezes, por traços
Que apresentas ou aparentas, tu
Que tomas tantas formas e verbos. Tabu
De numerosos tons de desembaraços.
Em esgares de alinhavos, depressa te desconheço,
Nos termos e frases sem demarcação e de arremesso.

Procuro dobras nos vincos de abraços,
Expectativa de recuperar o teu perfil a nu,
Interesse por entre os novelos de um baú
De reminiscências, direcções e espaços.
Emolduradas em acessórios de apreço,
Perco o acesso ao caminho espesso.

Aveiro, 31 de Outubro de 2011


quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Vincado


Vincado 

Bastas noites, em claro e em vão, esperei pelas musas,
Em vários pontos, à beira da ria, como eu, sem sorte.
Procurei de nascente ao poente e de sul ao norte,
Em todos os braços da cidade e nas salinas mais escusas.

Não as vi em sombras, visões, nem em formas difusas;
Não ouvi as suas vozes ou cantos, em fundo ou recorte.
Procurei, cercado pelas mesmas palavras de suporte
E em pedaços de vocábulos culpei a poluição e as eclusas.

Fiz e desfiz gelhas e vergões, entre outros sinais.
Pintei, até, moliceiros com versos de múltiplas cores;
Marquei todas as passagens, esconderijos e canais.

Esperei que os orvalhos levassem e lavassem os odores,
Os estranhos, os sabidos e os desconhecidos, e não naturais.
Ai triste! Ai de mim! Não poeta sem românticos amores.


Cais dos Mercantéis, Aveiro, 27 de Outubro de 2011.


quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Arrebatamento segundo a ria


Arrebatamento segundo a ria

Hoje, olhas para o canal e não vês a razão,
Sentes, de coração acelerado, um amor tão forte!
Ontem, não fingias quando refutavas a sua existência.
O que sentirás não possui descrição,
É inexistente e sem garantias, nem puramente sorte;
Nem antecipações de qualquer urgência.

Transportas, sem contestar a necessidade e o fundamento,
Afectos sem denominações, sem legendas.
Anuis em sabedorias desconhecidas e intangíveis.
Aprovas e abençoas apenas pelo prazer e contentamento.
A alegria vive-se sem rasuras ou emendas
E alcança as coisas impossíveis.

Aveiro, 26 de Outubro de 2011

Condutividade



     Sem discordar da orientação e do sentido do reflexo que observo no mostruário, que partilho, não consigo deixar, contudo, de confrontar, possivelmente, o incomparável, e recordo a imagem devolvida pelo espelho de água. Penso no arremedo de respostas e de gentileza, representações que se consubstanciam num delito e num delírio de concepção.

     Ocasionalmente, consigo identificar e constatar a repartição benevolente e franca e distingui-la da distribuição de ambições, rancores e ciúmes; consigo assimilar e reconhecer que não conheço ninguém.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Uma velharia actual!




Próximo de partir


Voltei à realidade da República,
Desenganado, sem alucinações.
Preso na benignidade pudica,
Repudio a demagogia e contradições
Dos agarrados aos seios desta infeliz.
Não é livre, tratada como meretriz
E não é livre, se não vive as suas paixões.


Estou disponível para te mimar,
Ciente desta pequenez que me anima,
Um pedaço de arrojo que enfrenta o Mar,
Um Mar cavado que nos aproxima.
Compadeço-me com a tua desdita
Que te engrandece, embeleza e arrebita,
Num mar de interesses que contamina.


Eu, sem o polimento dos polidos,
Sem as pretensões dos teus pretensiosos,
Sem ciúmes dos predilectos queridos,
Sinto o mesmo zelo dos teus zelosos.
Acompanho o teu silêncio bondoso,
O teu chamamento discreto e cioso
E os teus encantamentos amorosos.


12 de Setembro de 2007




Uma velharia actual!

Procedimento


     Datas-limite. Prazo.

     Multidão. Rua de dois sentidos. Mais multidão. Monumento. Panorama. Imagens fotográficas em sequência captadas com intervalos irregulares, angulares e com exposições diferentes, projectadas em cadência constante. Enquanto a vespa circula, destemida, entre a ilustre turba de naturalidade perene e abespinhada pelas ferroadas que esta (vespa) distribui gentilmente.

     Alienação. Os indivíduos, alheios e suportados em outras imagens, dão crédito, unicamente, a dor expressa. Paralelamente, o logro da valentia das verdades simuladas não se materializa.

     Comentário. As figuras do espelho parabólico aparentam rabiscos, esboços, borrões sumários e desfocados, ou interceptam-se num ângulo morto de um tempo morto e repousam fora do discernimento.

     Rotunda. Assomam-se salvadores da pátria, assumam-se responsabilidades.

     Repito-me, sem personalizar: Assustam-me as diferenças postiças e as inclusões decretadas arbitrariamente. Não gosto, sem rancor, que tomes a vespa por abelha.

     Chegada. Termo. Fim.

     Reiniciar.

E hoje… (X)

     Considero. Leva-me ao sobressalto da saudade e, depois, para a ânsia da serenidade, seguindo para o desassossego aberto… Frente-a-frente com as recordações de paz interior.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Arquétipo estirado



     Os pequenos factos também proporcionam grandes alegrias, sem direito a reversão.

     A reunião dos seixos matizados, de várias grandezas e de vários burgos, para discutir a modelação do fundo da ribeira, decorria de forma emotiva, enquanto diferentes facções de seixos prosseguiam nas suas posições, possivelmente, na expectativa de uma oportunidade para rolar nos mesmos trajectos, mas de forma individual, ou de permanecerem imóveis.

     A concentração de peixes ornados ou uniformizados, de várias dimensões, entende que, também, tem uma palavra a dizer e em uníssono deliberam que querem viver, alguns num mundo livre e fechado, outros num mundo livre em movimento, outros, ainda, num mundo totalitário e totalmente limitado e delimitado. Certos peixes, de forma solitária e particular, opinam divididos e unificados pelas mesmas convicções e nas diferentes demarcações.

     Sempre presentes, numa reacção espontânea, as águas abafam os gritos de ordem e de desordem, que estes seixos e estes peixes não querem ocultar, e emitem sons de pranto num curso de transfiguração, ora em auxílio, ora em desamparo, à causa de uns e de outros, indiferentes, as águas, às necessidades de sentido e em respeito pela habilidade do acidente e da circunstância.

     Intervir, ou não, neste mundo, é uma questão de relevo e, por vezes, de sobrevivência para os residentes das margens, à margem ou como parte de um todo. Há quem esteja pronto a partir, enquanto outros estão determinados a agir. Há quem tenha vontade de ficar. Há quem queira unir e lançar pontes, com alvoroço ou sem perturbar a ordem do que está acima e do que está abaixo, de acordo com a convicção e a necessidade apropriada. Há quem não pondere.

     Normalmente, eu apreendo e vivo as pequenas coisas que me rodeiam, atribuindo-lhes o valor que considero proporcional e adequado. Sem esquecer a existência de betesgas frescas e de testemunhas pavimentadas, não pretendo escalpelizar, esmiuçar, aqui e agora, as origens, as motivações e a proporção desta reacção na ribeira, que é de todos; pretendo, apenas, partilha-la. Partilho, também, a convicção de que todos merecem ser felizes, ainda que feitos de pó; de brisa; de chama; de líquido.

Só para dizer [XII]:



     A vergonha, quando usada por conveniência, é um descaramento insolente. Exista!

Cáustico (III)


     Oratória e retórica de um político hodierno: A habilidade de falar muito, dizer absolutamente nada e convencer que a alternativa é o caos!

domingo, 23 de outubro de 2011

Só para dizer [XI]:


     Testemunho accionado! A chuva brinda a noite com uma escuridão que vai além da falta de estrelas e luar; arrasta um propósito inseparável e agrega um édito de sobrevivência, há muito esperado.



quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Pelo nobre amor, em desuso


Tranquilo, contemplo as falsas esperanças,
Que de tão falsas, de tão velhas e usadas,
Se tornaram em verdades plenas e veladas.
As exultações desabridas de revoltas mansas.

Vontades que vão e voltam, em delicadas danças.
Uns dias trazem agonias, zelosamente, reservadas
E noutros sobrevêm as venturas, em incúria, poupadas.
Como é bom sentir e saber que não te cansas.

Como eu aprecio esse nobre amor, em desuso,
Que eu, sôfrega e desprendidamente, desfruto
E à sombra do qual me engrandeço e reduzo.

Não desisto do sonho de alcançar um assim, em absoluto.
Por não ser para mim, a sua falta, plácido, assinalo e acuso.
Cultivo-o e, por ele, prudente, docilmente e sem cegueiras, luto.


quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Breviário [XIII]



     Por vezes, tentar mais uma vez pode ser demais! Não estou a reconhecer a música pela letra da canção… Olho para as dificuldades e problemas nacionais e sinto-me uma coisa tão pequenina. É possível que ande distraído, tive uma sensação. Viver, é urgente!

Um dia próximo


Olho para a superfície lisa, que reflecte a minha imagem,
E identifico as marcas de expressão, muito expressas,
Evidentes, mas despontadas sem grosseiras pressas,
Que denunciam, do tempo, a sua incontornável passagem.
Noto a falta do cabelo perdido despreocupadamente, e sem pena.
Identifico-me, sem números e sem ilustrativa legenda.
Felicito a expressão tranquila, harmonizada e a alegria serena,
Contentamento puro, como despretensiosa e singela prenda.

Há muito que não me olhava tanto e tão aturadamente.
Reconheço-me e reconheço o brilho dos olhos castanhos,
O nariz fino e que encima o traço da boca, sem arreganhos.
Como é familiar o rosto oval e a testa alta é convincente.
Asseguro-me de que não me esqueci da minha figura.
Não há peso, preocupação, cálculo ou avaliação.
Não há tristeza, sofrimento, mágoa ou amargura.
É um simples olhar sem afeição, esgar ou admiração.

Abandono a duradoura e insistente acção sem movimento
E movimento, sem sequela, o corpo, para o descanso
De uma cadeira generosa, onde, sentado, tudo alcanço
E onde alinho, sem duplicidade ou simulação, o entendimento.
Os anos passam neste corpo usado, testado e maduro
E não os condeno, nem os recordo com toda a minúcia.
Dou continuidade a uma vida, frágil e preciosa, que asseguro.
Não me atormentam os anos vindouros, a quantidade ou a astúcia.

Reservo uma inspiração para a alongar e encher-me de ar,
Que projecta o peito, numa expressão de força e vitalidade.
É o pequeno prazer de um suspiro e não uma efémera vaidade.
Sou feliz e, quando não o sou, esforço-me para perpetuar
O sorriso decorado de quem é feliz sem entendimento.
Sem reconhecer que há felicidade em coisas pequenas,
E em pequenas e comuns se agigantam no sentimento
E na dimensão de coisas essenciais, propícias e amenas.

Não sou grande, nem ilustre e o meu grande feito é viver.
Viver como quem vive, e nem sempre o consigo, desprendido.
Por vezes sigo errante e em contratempo, perdido.
Não importa, isso hoje não me vai ocupar ou deter.
Devo estar com aspecto seráfico, neste sorriso rasgado,
Evidente, luminoso, construído e, simplesmente, corajoso.
De olhar feliz e brilhante, no semblante despreocupado.
Na vida é fundamental procurar ou forjar a satisfação e o gozo.

11/10/2007

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Estrela-cadente


     Admitindo que a lucidez está agora e novamente, absorta, reservada, abrigada e em ponderação, constrangida pela própria teia e regulada por uma sinopse, soltou o discernimento tímido, num filamento estreito e subtil, quase imperceptível. Aí escreveu o seu testamento, testemunho de uma vida magra de fé e de providência, para, desse modo, ser transmitido ao Universo.

     Talvez pela impunidade pênsil da punição velada, ou pela dor do bem-estar na contemplação das constelações, através dessa frincha cósmica diminuta, num tempo ainda mais exíguo, sentiu a brisa de uma fuga, só, sem mais palavras. Escape ou debandada?

Curiosidade



     A aranha desceu da verga da janela pelo seu novíssimo fio de seda. Cedeu à curiosidade e, através do vidro, quis ver o que eu estava a entrelaçar. Eram só palavras sem armadilhas, nada que interessa-se a aquele artrópode.

Adeus cortiço


Adeus cortiço.
Ergo o braço
Que espreguiço,
Sem embaraço.

Não sou obreira,
Não sou mestra
E não tenho a vida inteira;
Vou tocar noutra orquestra,
Não sou abelha
E receio ser aselha.

Levarei saudades,
Coisas que não deixo,
Ficam algumas verdades,
Pouca história e desleixo.

Animo a jornada.
Passo a passo
Afirmo a passada;
Mantenho o compasso,
Empenho a torna,
Cansado da vida morna.

Aveiro, 09 de Junho de 2008

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Laço


Demora o abraço previsto e pretendido, amorfo ou afecto,
De natureza esquiva, ora lânguido, ora vigoroso.
O efémero sereno detém-se num eterno ansioso
No hiato onde as locuções permanecem em ângulo recto.

Acentua-se e prolonga-se um complemento directo,
Confiante, prometedor, de porte inabalável e viçoso.
A espera ocupada preenche o vazio e desprende o nó ocioso.
Sim. Não interessa o curso, onde estamos e o aspecto.

A cada avanço de informalidade, reproduzida num traço,
O gerúndio cede e transita, expresso num pretérito imperfeito,
Capaz, fixo, conveniente, e que se aninha e abriga no regaço.

Lançada a vontade que quer querer para além de qualquer defeito,
Mais do que qualquer fé, num elementar, puro e corredio laço,
Nada a adia, a tudo vence e ninguém a extrai de dentro do peito.

Cacia, 16 de Julho de 2009.

Junto a mim


O arrepio alastrou e apossou-se de todo o meu ser,
Senti o meu corpo com todos os seus pêlos eriçados.
O sussurro ao ouvido, de pecados ainda não consumados,
Provocou a torrente e deixou-me em sobressalto sem querer.

Chovia, era noite, estava deitado e senti-me estremecer.
Um sonho no sono, conduzido por seres alvos e alados?
Abri os olhos devagar, tudo breu e os receios inflamados,
Os sentidos despertos e em alerta, para tentar compreender.

A estranheza do inusitado e a sensação de desassossego,
Deram lugar à cuidada assombração do entendimento.
O calafrio, já sereno, dissipava-se e regredia sem apego.

Sentir que eras tu junto a mim, deu-me um novo alento.
Ouve! Houve um tempo em que tudo parecia perdido, sem relevo.
Nada sei sobre o que há-de vir, aprecio o júbilo deste momento.


08/02/2007



Uma Saudade


Chegam-me ventos fortes que murmuram sobre ti.
Agora que estou longe, estou mais atento,
Ciciam brandos, irascíveis mas, sem lamento.
Apiedaram-se da alma que se ausenta, logo que parti.

O odor traz-me a lembrança e a vontade que senti,
Que sinto e que me alegra, benigna e com alento.
Estou pronto para partir a qualquer momento
E entregar-me nos teus braços, aos abraços que perdi.

Por mais indelicados que soprem, como quem quer empurrar,
Não me tiram o sorriso e a lembrança nostálgica e carinhosa,
Por mais cruéis que se provem, como quem quer impressionar.

Sigo, assim, os caminhos brandos de uma vida mansa e airosa,
Arejada pelos humores de um tempo que nos quer anexar.
Estou bem e fica feliz, no retorno, em breve, todo se goza.

15 de Fevereiro de 2007



Deambulando


Procuro as ausentes respostas.
Saio para a rua.
Respiro fundo, endireito as costas.
Sinto-me bem a olhar para a Lua.

Companheira, de quem é a verdade?
Pareço um louco, seguramente.
Falo sozinho, é a realidade,
E sigo pelo caminho sem gente.

Aperto o passo.
Olho para o chão,
Para disfarçar o embaraço.
Continuo em reflexão.

Sinto um arrepio de frio,
Inspiro demorado, uma vez mais.
Ah, a ria! Estou no Rossio.
Não emanam bons aromas estes canais.

Volto, não vou em frente.
Há caminhos que eu não quero,
Nem dentro, nem rente!
O que procuro não está ali, espero.

Sacramento de ilusórios prazeres!
A ria já não tem musas verdadeiras,
Terão, hoje, outros afazeres…
Talvez sejam mais caseiras.

Não as condeno. Afinidade.
Esta água profanada,
Que, moribunda, reclama e brade,
Recupera mas é insana.

Respostas? Não encontrei,
Trago mais quesitos.
Mas valeu a pena! Arejei.
E encontrei alguns rostos bonitos…

01/03/2007



quinta-feira, 13 de outubro de 2011

[Em pouco tempo, ou não…] VI – Divisa

     Divisa

     - “O espantalho, conhecedor da sua identidade e inutilidade, sentiu um vazio no lugar das quarenta e quatro palhas e algumas palavras, que o deveriam preencher, e remediavelmente deixou cair os braços relativamente irremediáveis. Ouviu, emudeceu e ponderou. Abusou mentalmente das metáforas e da transformação real preservou alguma da matéria que não se desprendeu.

     Há algumas coisas que alguns espantalhos sabem e há algumas coisas que alguns espantalhos sentem. Assim com existem tantos sentimentos, realidades, factos, objectos, seres… Coisas, que um espantalho desconhece.

     Ele, o espantalho, sabe que após uma discussão veemente, um dize-tu-direi-eu, se despende um grande período de tempo na vitimização; na procura de quais teriam sido os melhores argumentos; nas razões esquecidas, o que ficou por dizer; no que se responderia se fosse agora; na injustiça recebida; no recrutamento de possíveis aliados. Sabe que raramente se pensa na inutilidade da disputa hostil, violenta; na oportunidade perdida de fazer brilhar a serenidade, a paz, a sabedoria e, até, o silêncio; nos estragos causados pelas palavras lançadas de qualquer forma, ainda que sinceras e justas.

     Sabe, o espantalho, ainda e também, que é possível dizer o que se sente sem agredir deliberadamente e conhece o dever de desfazer o equívoco quando se agride de forma não intencional. Sabe que, se o ataque é deliberado, pode, ainda assim, pedir-se desculpa, se verdadeiramente for sentido, para continuar a ser verdadeiro.

     O espantalho reconhece termos e frases: que se entranham; que mergulham no passado e trazem à tona realidades que já não o são; que transportam fases, épocas, períodos, estações e idades; que levantam uma poeira intensa; que trazem os defuntos à vida; que, embora sendo de outros, penetram até ao âmago, até fazerem parte, do terceiro e que dele brotam renovadas.

     Nas várias leituras das suas considerações, reconhece e compreende que alguns ministros não são servidores.

     Os asseios partem na companhia das gralhas. Chegam com elas os resíduos sólidos e serviços que foram institucionalizados e caracterizados para lhe dedicarem mais tempo, nomeadamente, para a aposição de etiquetas e algumas pautas, que são mimos de disponibilidade, de utilização, de consumo, entre outras garatujas, mais ou menos amorosas.

     Da companhia das gralhas procede um carinhoso contributo para uma difusão de quotas, parcelas de espécimen em extinção, onde a cruz há muito que foi substituída por um traço horizontal, julgo que para assegurar a imparcialidade religiosa. Agora o espantalho soa fidelíssimo a uma só entidade do género, creio que, até que a morte os separe.

     As gralhas não conhecem e/ou não querem conhecer, não sabem e/ou não querem saber das coisas do mundo de um espantalho. Cogitam e transmitem que o espantalho fala, pensa e escreve sobre elas em plagiato, quando, afinal, o traje devaneador da imitação é delas, das gralhas.

     Com auto ou sem auto, a criatura sabe que nem tudo o que se escreve e/ou lê é biográfico e/ou fingimento.”



Outro dia mau


Se estou rodeado por pessoas, porque me sinto só?
Olho em volta e vejo o movimento, o vai e o vem
De gentes indiferentes. Outros olham-me também.
Outros trabalham, são meus companheiros e sem dó,
Virados para dentro e para o que mostram por fora,
Sem temores pelos que pisam e deixam para trás.
Imagens de consumição, de gente que me apavora.

Escondo-me no meu canto como trabalhador indolente.
Hoje não sorrio, não quero nem espero pelo fim-de-semana,
Nem o aroma a perfume caro me alenta, nem me engana.
Hoje sou um bicho eriçado que foge de tudo o que é gente.
Sou aquele amorfo sentado que luta para não estar atrasado,
Sem mais vontades do que esquecer, esquecer e esquecer.
Esquecer mesmo muito, esquecer até ficar cansado.

Mas, que faço eu aqui perdido? Merecem-me este tormento,
Esses que de mim zombam pelas costas e covardemente?
Como sinto a falta de um amigo para falar abertamente.
Como sinto a falta da amizade, de um genuíno contentamento,
De um sábia palavra, dita sem habilidades e sem convenção.
Serão os momentos de adversidade que nos revelam os amigos
E eu não os encontro, nem com os olhos, nem com o coração.

A escrita apazigua-me, absorve-me, leva-me para longe.
Não me envaidece. É tão humilde e tão descomprometida.
Serve-me de confidente. Amansa e sujeita-me a alma perdida.
A leitura aclara-me a razão, esgota e renova o pobre monge,
Eremita, embrutecido pelos tombos e deambulo da existência
Que sinto tão longa e tão curta, mas tão cheia e tão despojada.
Há muito que já abalou e ainda aqui habita, a crédula inocência.

Pelintra sim, mas não quero pertencer a escória sem sentido,
Uma massa sem opinião, indiferente, onde tudo é igual e nulo.
Onde um é muito vivo, sabido e outro é muito aproveitado e ‘chulo’.
Quero ser um Ser até ao fim, mesmo sozinho, mesmo perdido.
Não procuro a glória, mas o contentamento e o deleite de existir.
Não renuncio, contudo, à aspiração de merecer o amor e a amizade,
Sem esquecer de onde venho, onde estou e para onde posso ir.

Vou olhar em volta, uma vez mais, para me desenganar e redimir.
Já me sinto outro, com mais coragem, com optimismo e refeito,
Pronto para respirar, até e ainda, este ar fétido e rarefeito.
Pronto para as venturas e desventuras de viver, de existir.
Quero acreditar que ainda há bondade, algures, não muito distante.
É essa a inocência de que falava, que me povoa e doma.
Este não passa de outro dia mau, mas é o agora, o mais importante.

12 de Janeiro de 2007

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Memória particular


     Era uma vez uma primeira entrada, ingénua, quase como as actuais.


     «Este será um bocadinho de mim e de nós.
     É um "aurorar"...»


     Naquele tempo, há cinco anos, foi uma descoberta fantástica, pelo aparente e real potencial, onde fui predominantemente ausente e desalinhado. Para além disso, existiram outros locais, onde ficaram, permanente e irremediavelmente, fracções, encantos e alguns desencantos. Importei, em mudanças voluntárias e involuntárias, alguns sítios. Repeti, reeditei, alguns fragmentos. Juntei pedras de várias dimensões e outros materiais para consubstanciar esta casa, enquanto outros retalhos continuam nos seus lugares, talvez, à espera de uma oportunidade.

     Não sei quantos becos novos, ou auto-estradas, foram rasgados ou fechados à volta deste lugar, que tem sido calmo, até porque, o meu trilho foi sempre o mesmo, tranquilo, sem armadilhas, sem ardis, sem pressas e com naturalidade.

     A inquietação permanece plasmada nos escritos das palavras que desenho e reinvento, mas a pretensão de “aurorar” já se desvaneceu, entretanto, em reservas e constatações. Continua o fascínio pela partilha. Agora, pontualmente, consigo discernir a generosidade e a repartição gananciosa. Não são essas as minhas preocupações.

     Não espelho ânsias de festejos, transmito, apenas, memórias, afectos, sentimentos, sentidos, emoções, sensações, enquanto a natureza me permite essa satisfação.
  

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Retalhos e atalhos


     Os raciocínios de evidências são solicitamente contestados por retalhos descontextualizados e outros atalhos, numa linha que se desfia.

     Como regos de água translúcida e fria em chão morno e completamente opaco e compacto, escorrem os conjuntos de vocábulos em frases alinhadas em alvoroços de paz, sem serem absorvidos.

     Por outro lado, as promessas, as juras, as doutrinas, as sentenças, os ensinamentos: Palavra… Palavras. Espelhos, reflexos e lembranças de obscuridades e clarões, numa toada serena mas não frouxa.

     Depois, os derivados e as derivadas, os vulgares e os baixos, e um sem-fim sem-termo de termos aprazados e aprisionados a diminutivos afectuosos e amigáveis. O fio engrossa, passa a cordel e a corda, e num ápice a adival de esmeros. Tende para zero.

     Por fim, um discurso alagadiço drenado para cultivar a confiança a partir da oratória proveniente da tábua rasa e da pedra-de-toque. O toque. O rebate.

     Lúcido, tenho que marear.

sábado, 8 de outubro de 2011

Esse laço


Esse laço é um nó que me aperta e aparta.
Esse laço começou por ser laçada;
Esse laço é, hoje, uma reparável maçada;
Esse laço, de tanto o ser, já se farta.

Esse laço não espera que se reparta;
Esse laço abriga, decadente, a censura velada.
Esse laço é um conjunto de laços em revoada;
Esse laço encapotado, divergente, não se descarta.

Incitado! A culpa não é do próprio laço
E até compreendo a sua aflição e o seu embaraço,
Nessa pressão permanente, cega e crescente.

Já não há base de apoio e não resta espaço
Para esse laço autoritário e inclemente
Esse laço é um nó e desaperta-lo é urgente.


Cacia, 2 de Julho de 2009

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Breviário [XII]


     Ao entrar, vi que a aranha tinha urdido e fixado a teia de um segundo sentido ardiloso. Entendi a aranha, a teia e reservei o parecer para não entrar em qualquer disputa, presente ou futura.
     
     Mágoa? Só o choque do momento, pois conheço os caprichos da natureza.
     

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Cáustico (II)


     À luz dos meus actuais conhecimentos, não sei se os neutrinos indiciarão outras dimensões mas, seguramente, pelo menos algumas políticas e políticos, sim, indiciam outras dimensões.

E hoje… (IX)


     … Acordar significou reentrar num/no pesadelo. Este é o palco de cenas de representação difícil, onde não cabe a justificação ou a explicação: O teatro da vida.

     Viva o espectáculo!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

E hoje…(VIII)

     …Sinto a passagem de uma brisa delicada e traiçoeira que julgo conhecer e ouço uns murmúrios familiares dos salgueiros que pronunciam uma sentença antiga. Em minha defesa veio o silêncio dos cuidados que não vejo em meu redor. Fica claro que anoiteceu.

domingo, 2 de outubro de 2011

Só para dizer [IX]:

     Ler no sentido inverso ao sentido da escrita aporta alguns desvios. Talvez, apenas, alguns batimentos irregulares, agradáveis ou angustiados; ou o desencontro das certezas no percurso do imaginário, na procura do que atrai ou da matéria que repele. O que não significa, contudo, a imposição de fuga.

sábado, 1 de outubro de 2011

E hoje... (VII)

     … Sem acrescentos, o organizador discursivo ficou preso, num misto de preguiça e de poupança. Nem sempre é fácil ser e estar completo, entregue, junto, limpo e seco, talvez só aconteça quando se está morto nas coisas do ter e do haver.