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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Para início de conversa




É o inverno retorcido e pegajoso, de cabelos em pé: 
Depois de uma chuva e um vento, com vidraça, obstinados; 
De um trilho de guarda-chuvas fortemente estropiados; 
De uns dias de igual dimensão, com menos luz e menos fé. 

O dezembro vai poderoso e não consegue fingir a maré, 
De nu que está, irredutível em não repetir tempos passados 
E a terra deseja criar e recriar e criar, com versos molhados 
a dissolverem-se, inevitavelmente, num infatigável rodapé. 

Agora, o sol, figura mais precisa, mas hesitante, de um apego 
De olhos abertos de espanto, vinca a paz do perene desassossego, 
Sôfrego, a mostrar que tudo permanece nos seus lugares enfadonhos. 

Quero surgir no avesso, do teu avesso, como que um aconchego, 
A suavizar a teia de Natal, onde nos suspendem os sonhos, 
Para resgatar-te desses anjos anafados e vagamente risonhos. 


 [miscelânea]



sábado, 10 de dezembro de 2016

Aguarela com melancolia


Por vezes, sinto a tristeza como sinto o sol: a arder-me, 
na pele. Não por dentro, não irremediavelmente dentro, 
mas à superfície, à flor das terminações nervosas. 
É quando mais me dói que me peçam coroas de alegria. 

Por vezes, sinto-a, à tristeza, como uma premonição difusa, 
uma porção não concreta de conhecimento inseparável, 
inútil. Contudo, uma parte de mim, que se dilui no abraço 
de um olhar, talvez, formado na memória ou na vontade. 

Mas, não é tristeza a despedida que se guarda como 
um intervalo, ou um apontamento, embora existam 
tristezas assim, que guardamos para mais tarde remediar. 

São as palavras que te dizem: até já! Ou mesmo: até!... 
Eu não digo nada. Como poderia despedir-me de tudo 
aquilo, ou de qualquer coisa, que fica em mim? 


 [massivo]



sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Poente com abraços



Hoje não sou lamecha. Afasto-me dos meus dedos, 
que são, de forma cerimonial e fortuitamente, os teus. 
Não há tempo de mais, os pássaros desapareceram 
na tarde indistinta, que se encaminhou para o seu termo, 

carregada de circunstâncias e de razões misteriosas, 
como ondas, que rivalizam com as de um mar mais agreste. 
As árvores, confusas, tão cansadas de andar, já não sabem 
ao certo se procuram a justiça do amor, o amor com justiça, 

ou o amor na justiça. Algumas, por fim, limitam-se a deixar 
cair as folhas, para, depois, as percorrerem, contemplativas, 
como se procurassem uma qualquer explicação ou esperança. 

Eu sorrio estupidamente, ou seja, sorrio em paz, sozinho, 
embrulhado em recordações, algumas que nem existem, 
e atravesso a sorte de um bonito poente com abraços. 


 [massivo]



terça-feira, 4 de outubro de 2016

De encontro


Começa por ser uma concepção e um sorriso, 
ou um devaneio perfeitamente exequível: 
O dia corre para ti e, por fim, estarás aqui, 
naquilo que é agora um horizonte invisível. 

Depois, o vento lambe-nos o corpo e aviva 
as labaredas de um fogo vestido de saudade. 
A roupa, o corpo, o desígnio, flutuam por magia 
e o nosso cheiro, singular, invade a cidade, 

na fricção do abraço. Um estranho sortilégio 
ilumina os nossos corpos e somos um, a figura 
luminosa da noite e a languidez do privilégio. 

Sim, as árvores cantam e o céu está aberto; 
a praça aperta com ondas que transmitem 
a sensação de que estás próxima e eu desperto.  


 [massivo]




quarta-feira, 22 de junho de 2016

de mente


vista sobre a cidade do porto, a partir de v. n. gaia | portugal


são as palavras a mostrar a língua ao desconhecido. 
de que cor hei-de pintar a intenção do mar realizado, 
como te descrevo o azul de um céu apaziguado, 
o tempo-silêncio, o som-espaço, o vento desiludido? 

a estação mudou a janela na invenção do sentido, 
emoção que caminha com o relógio, agora, regulado. 
não fosse a clara existência do universo enrugado, 
dir-se-ia que já não se reavia o rasto do tempo perdido. 

não sei se me quero descalçar, ainda mais, na amurada 
das palavras de regresso desejado de alma desenvolta. 
quem tem a porta aberta pode ficar com a alma trocada. 

no elementar do gesto de um abraço há animais à solta 
e um lugar, que sabe tão bem, de amabilidade ritualizada, 
capaz de serenar a folhagem trémula de uma alma revolta. 


 [elipse]


segunda-feira, 6 de junho de 2016

enquanto a praia floresce


farol de aveiro, praia da barra - ílhavo | aveiro | portugal


enquanto a praia floresce em elipses inertes 
e o dia ameaça esvair-se num breve arrepio, 
há uma pobreza que tem fé no futuro 
e medo de não ter a audácia para o fazer. 

é a alma que mais receia perder o corpo 
e o corpo que menos teme perder a alma. 
o mês move-se com o à-vontade do indiferente 
e com os mesmos lugares-comuns da utopia. 

um longo e justo abraço, para esmagar a dor, 
para conjurar a serenidade da confusão da vida. 
uma forma primitiva, mas eficaz, de abranger. 

um resquício de algo verdadeiramente criador, 
que surge como que por um desejo extenso 
e indelével, de reconhecimento ancestral. 


 [elipse]


sábado, 7 de maio de 2016

encontrar o ritmo


portalegre | portugal


encontrar o ritmo táctil e o refrão das tuas mãos; 
conhecer o encantamento e a carícia dos teus lábios, 
alcançar o rumor e a conversação dos teus beijos… 
guardar-te num gesto de poesia onde só se é livre. 

o amor não é a procura do sossego que nos castiga, 
é o litoral, do silêncio e do burburinho, dos afectos; 
o interior e a passagem íntima à flor da pele; o vento 
com todas as marés; um rio com todas as noites e dias. 

assim, abraço a tua ausência, que entra pela janela 
frágil e insone, fazemos amor com o ritmo da espera 
e fico como sal da tua pele num recanto do teu corpo. 

…descobrir a madrugada no teu olhar e a existência, 
sem conjecturas ou inquietações com a curvatura 
do espaço e do tempo, e inventar-nos lentamente. 


 [palavras relacionadas]


quinta-feira, 14 de abril de 2016

amplitude


aveiro | portugal


assim como nunca iremos ver a mesma cidade 
igual em dias diferentes, todos os meus dias 
são dissemelhantes na profusão de horas fugidias 
que se afadigam na procura contínua da agilidade. 

é aqui que o dia se estreita, na mais baixa altitude 
da viagem evidente, para sublinhar o acesso 
às mais pequenas coisas de mais um regresso, 
quem sabe, a uma relevante conquista de quietude. 

espera-me uma noite de amor-próprio. 
espera-me uma cama de casal vazia, 
numa habitação absorta de periferia. 

depois, a imaginação vai preencher o resto. 
a cidade abraça a noite e eu abraço a fantasia, 
para te salvar, montado numa intrépida alegoria. 


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quinta-feira, 31 de março de 2016

salto


aveiro | portugal


acometido pela angústia das palavras 
no engano da linguagem, que é o desengano 
servido pela sua inexactidão universal, 
via a cidade a crescer como uma possibilidade, 

mais do que um sinal nos meus mapas. 
acreditava que, a partir do descampado 
onde nos pudéssemos abraçar para acender 
os afectos, poderíamos dar as mãos a outros, 

e o mundo sairia dos silêncios comprometedores, 
rumo a uma emancipação responsável, mais 
do que uma circunstancial reverência dominical. 

eu creio que não andava longe da realidade, 
mas os monstros também crescem em prodígios 
e sombras. esperança: ainda não caíram os braços. 



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terça-feira, 8 de março de 2016

decorrer


porto | portugal


imagino-te e existes junto ao impossível perto. 
sou os gestos possíveis e temo descrever-me 
rente à noite, de caule azul vergado pelo frio, 
a esperança, que é sempre uma espécie de fé. 

as perguntas desenham uma ideia de sonho. 
esquece as surpresas da gravidade do inverno 
e do inverno da gravidade, frutos da solidão. 
não somos divindades. não és musa e eu sou 

ninguém, que te inventa mulher, que te quer 
mulher, sem todos esses conceitos sem nexo. 
a paridade é a nossa permanência para além 

do poema, ou dos infortúnios virtuais do sexo, 
ou de uma outra vida que nos poderia separar 
os mélicos indícios de te pronunciar lentamente. 


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segunda-feira, 7 de março de 2016

pesquisa




surjo numa inconfessável clareza verde
que distancia a dilatação da incerteza.
eu estou despido num quarto despido.
há um espaço na página do meu corpo

que espera silenciosamente por ti.
derrama-lhe as palavras analógicas
e o teu nome no seu lugar faminto,
de fogo em fogo, de fluido em fluido,

num anúncio abundante de carícias
escandalosamente poéticas e cândidas.
os dois, num único volume dinâmico,

frases em extensão eloquente e vivaz.
o nosso fado é sermos o todo do amor
na liberdade do léxico dos afectos.


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sábado, 6 de fevereiro de 2016

insuficiência


aveiro | portugal


nas perspectivas ténues da conjuntura, sem medir 
o nosso tamanho, poderemos ir além dos cabeçalhos. 
alegro-me com a inacessibilidade evidente do futuro. 
não sei se te poderia habitar silenciosamente. 

gradualmente, apagas-me os traços da solidão, quando 
te abro na imaginação que se alimenta do instinto. 
prefiro povoar-me de ternura e reiniciar-nos todos os dias, 
entre gemidos inclinados, na sucessão das luas e do chão. 

esta minha aspiração egoísta de te ter ao meu lado, 
é o desejo piedoso que sinto mais por mim do que por ti 
e, simultaneamente, o querer-te mais do que a mim. 

incrível e essencialmente seguros, mais rápidos do que a luz, 
são os sonhos que conduzem a cama por entre os espectros 
nas noites frias de fevereiro, onde não volto a cada pergunta. 



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sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

densidade





poderíamos acontecer, como quem relaciona palavras; 
libertar a ânsia de anoitecer numa onda hesitante 
que ascende nas rochas das distâncias e demoras; 
suceder na secreta magia dos sussurros ao ouvido 

que se funde na respiração e entrega, em pequenos 
e suaves beijos, os recados de um poema íntimo; 
respirar as fragrâncias do corpo entregue as carícias 
morosas, que mantêm despertos todos sentidos; 

experienciar o torpor de ficar zonzo nas múltiplas 
e simultâneas sensações em turbilhão, no verso 
e reverso da pele abandonada ao amparo dos gestos, 

onde se inventa a própria neblina, barreira inibidora 
das coisas invisíveis que nos sepultam o amor. 
poderíamos acontecer porque, é essa a nossa vontade. 



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domingo, 17 de janeiro de 2016

pronto


ponte d. luís I | porto | portugal


qualquer coisa pode ter um, 
ainda que breve e fugaz, passado. 
era essa a nossa humidade cristalina 
e crescíamos no contentamento. 

demos frutos inacessíveis. 
reconhecemo-nos no acto da espera, 
enquanto fingíamos ter corpo 
com abraços ternos e desobedientes. 

aqui, os dedos, morriam, corteses, 
para tocar a alma arfante e suspirante 
do lado oculto da janela por abrir. 

quando te recordo, percorro o flanco 
dorido de um sonho incandescente, 
entregue a humildade de partir e partir. 



 [palavras relacionadas]


terça-feira, 22 de dezembro de 2015

registo





a tua imagem embate em mim como a onda embate no paredão, 
num impacto repentino que, por vezes, me transpõe e por mim flui. 
um mistério de fome desperta que sorri silenciosamente e evolui 
para uma forma de palavras que escorrem na pele, em ampliação; 

uma conclusão salina que se forma sem necessidade de definição, 
para, de novo, regressar ao mar de sentimentos, que te possui. 
fica o sal na pele, em espera, e ganha corpo de frase que se intui, 
enquanto descrevo a lenta entrega do molhe prolixo à tradução. 

sorvo as sendas e horizontes de letras nos lugares da tua pele provisória, 
conduzo as mãos em escolhas que te acariciam e percorro o teu jardim 
como se, nessa empresa, te guardasse para os dias de ausência obrigatória. 

o meu conforto é o espaço e o tempo que a paz ocupa em mim; 
palavras que me despem em poemas que me desenham a memória, 
num acervo amável e suave, a condição de dizer que te amo assim. 


[o significado do silêncio]


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

leitura




as palavras manifestam um certo espanto. 
quero ler-te devagar. quero ler o teu corpo 
demoradamente e entender os sinais. 
ler os pêlos, as pregas, os poros… e viajar. 

este espaço é exactamente o planeta Terra, 
onde tento contrariar o efeito da gravidade 
com a gravidade dos afectos, meditadamente, 
e a noite instala-se nas tuas sombras e formas. 

solta-se a ternura no caudal do inverno. 
o carinho tem uma melodia, uma textura, 
um odor… que se envolvem no abstracto, 

afloram o concreto num movimento eterno 
e devolvem o interno e a sua loucura. 
leio-te, e sob a pele eu sou, de facto. 


[o significado do silêncio]


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

ler




o acaso folheia e manobra o silêncio. 
fluem imagens vagas do dia e poemas. 
compreendo que os sentimentos renascem 
a cada morte e leio-te lentamente. 

as sombras procuram uma forma, 
mas as formas perdem as sombras, 
enquanto o sol vai perdendo a altura 
no horizonte. há uma hesitação 

crepuscular que anuncia o irreversível 
avanço da noite, sobre as ondas, com 
um inusitado decote, como se, através 

dele, pudesse iluminar a vida e a espessura 
dos sentimentos. a excitação da serenidade 
num arrepio de frio e um ligeiro tremor. 


[o significado do silêncio]


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

quieta non movere


!aveiro
aveiro | portugal



são as palavras a falar por nós e a música a fluir 
da vertigem dos instrumentos, para declinar o silêncio. 
espero que o som seja mais do que um estilo, 
enquanto os sentimentos pagam o seu preço às notas. 

não colhi a flor dos dias, trazia a mão de semear bonanças. 
quero que a viagem seja mais do que uma partida, 
onde contornamos o adeus nas garras da comiseração. 
sabemos tão pouco. 

posso ser eu, no útero de viagens desavindas e precipitadas; 
a oportunidade dos murmúrios do corpo, que povoa páginas 
de céu aberto que escrevo com linhas de água. 

a tristeza e a apatia são as minhas manhãs de inverno, 
o frio que me circunda a cintura e comprime o peito, 
onde acordo, com uma vontade redobrada de lutar. viver. 




[o significado do silêncio]


sexta-feira, 16 de outubro de 2015

argonautas


aveiro | portugal
aveiro | portugal



um azul grave, mas não absolutamente triste. 
depois, o espesso sentimento transversal 
de ultrapassar o movimento estético 
e fixar a contemplação, a visão e o sonho, 

dentro de ti e nos teus lugares esquecidos. 
uma sensação esotérica de te conhecer por completo. 
ser íntimo e subtil no teu ombro despido, 
enquanto lhe desenho elipses em diagonal cadente. 

a vontade e a bondade sobrepostas em todas as rotas. 
a liberdade de ondear num acorde crescente, 
na torrente de onde nascem os sentidos 

que transbordam os silêncios, deslocam as pedras 
no leito e amenizam toda a arquitectura, 
num dentro tão imensamente dentro e liso. 



[o significado do silêncio]


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

girar


aveiro | portugal




outubro de novo de novo a hora dúbia 
tenho retirado cuidadosamente o amor 
dos poemas mais empertigados 
que espreitam com abraços catódicos 

conheço esse sentimento de tempestade 
que se dobra para dentro e que é carregar 
como que uma solidão universal no perfil 
e silenciá-la como se não tivesse um nome 

hoje não quero recordar o absoluto dos olhos 
as fechaduras do corpo entregue à boca 
e a pele das palavras sedutoras nos meus ouvidos 

é agora que vou girar ao sabor do vento agreste 
de oeste e impregnar-me nos tons do outono 
até cair no sono onde toda a música converge 




[a ilha]