sexta-feira, 30 de maio de 2014

urbe XXV




não sei se é possível viver apenas de sonhos 
sinto-me vazio e sinto a cidade subjectiva 
eu escrevia que me era mais fácil ver-te partir 
do que partir eu nessa hora apertada e parda 
que a minha cidade é bem menor do que a tua 
que apesar de tudo estamos sempre juntos 
expostos num fundo de verdade e expectativa 
sem na verdade conhecer essa dita realidade 
e abastados em peças e factos impalpáveis 
observo crente as árvores persistentes 
que sonham com a plenitude de cidade 
curvilínea e decifrada ininterruptamente 
algumas folhas não alcançarão o outono 
outras procuram o brilho das alamedas 
sem frequentar plenamente a primavera 
e na cidade são também o lixo excedentário 
de onde resgato uns segundos de esperança 



quarta-feira, 28 de maio de 2014

urbe XXIV




quando acordo nos dias em que ainda acordo 
ainda sinto que disputam um ermo no jardim 
não sei em que altura se cansaram os jardins 
mas estão cansados e têm a certeza da morte 
e por ali plantaram com amor o amor eterno 
com toda a cidade pela frente e pelas faixas 
exposto ao vento apalavrado para o princípio 
e à maré prometida para antes do termo 
bem sei que nem todas as estações correm
à feição das circunstâncias que se abreviam 
que o amor não é um indivíduo sedentário 
e que os jardins são locais pequenos demais 
para mostrá-lo na linguagem dos sentimentos 
na ligação afectiva que se abraça de facto 
onde um sonho é simplesmente o sonho 



quarta-feira, 21 de maio de 2014

urbe XXIII





numa geometria de adeus e de memória 
há o silêncio compreensivo do edifício 
e uma cidade que se esqueceu do mar 
nos caprichos das árvores tristes no céu 
vermelhas que varrem ao voar sem ofício 
onde o céu é mais do que céu e alegoria 
o chão fica no delírio da mudança imutável 
e os sorrisos sorriem para o sorriso iminente 
num laço pronto e sem vínculo ou armadilha 
onde a cidade foi possuída pelo esquecimento 
em todos os ângulos emprestados que teimam 
ainda inflexível e completamente no amor 




segunda-feira, 19 de maio de 2014

urbe XXII





cheguei para sussurrar ao vento os sonhos azuis
que são sombras de um sol hermético e ritmado
metade fogo de incertezas e metade saída de ideal
na calma da rama de um sopro geralmente positivo
talvez de um outro ar e de uma outra extrema cidade
mas nada existe nesta avenida rectilínea e de partida
desde a mansidão da penumbra que tudo entende
ao burburinho do cair de um feixe de luz nascente
do questionar num indício de solvência consistente
à pequenez distraída que faz parte da ampla calçada
onde procuro poluído pela saudade o que não há




sexta-feira, 16 de maio de 2014

urbe XXI




reparo que trago impregnados no corpo 
os sentimentos amotinados da rua 
transversais aos dias declarados 
onde as emoções estão dependentes 
das marés penhoradas e insolventes 
e também tocam no fundo e no vazio 
parceiros de sigilos e compromissos 
nem sempre inequívocos e palpáveis 
na hora que corre em todos os sentidos 
nos ideais que escorrem nas paredes 
nos festejos que se alheiam e sublevam 
caídos no fundo mais profundo da cidade 
onde tarda e habita a dívida da esperança 
não me encontro na sombra que esboço