terça-feira, 21 de abril de 2015

é






um gato descuidado atravessou apressado, com final feliz. 

hoje as palavras serviram o caminho 
que seguiu viagem rumo à noite. 

o horizonte foi ganhando a ilusão de um sonho, 
em manchas matizadas de cores vivas 
conquistadas ao azul e ao fogo. 

as pedras não mentiram, nem perguntaram. 
as pontes repetiram as ligações, mas mais fundas, 
enquanto as memórias se enrolavam numa frase deitada 
à sombra de uma canção quase antiga, com aviões na letra. 

um verso protocolar, que farejava os sentidos, 
juntou-se a outros versos e, como uma matilha a revolver 
o lixo existencial depositado na berma, também seguiram. 

mas são os sorrisos que salvam e são os sorrisos que guardo 
e me levam a outras e novas praças cheias de luz. 

chego, para começar de raiz, e de permeio um abril… 



 [livro aberto]



terça-feira, 7 de abril de 2015

desenvolvimento





de acreditar deixei em quem apenas vê 
o seu mundo; em quem apenas a sua 
dor sente. eu desconheço o quanto destes 
dias me pertence, o quanto de mim eu sei. 

há dias que não pedem explicações 
nem eles explicar se conseguem. 
dias em que as letras não perguntam 
se para tantas palavras tenho olhos 
suficientes; dias em que não necessito 
distinguir de quem é a demência, 
ou se existe, sequer, essa tal loucura; 
dias sem frases feitas sobre o amor 
ou a pobre necessidade de culpar alguém. 

para os outros dias sem fundo: 
eu sei de um lugar, à beira-mar, 
onde eu posso ficar a desejar, 
longe de suposições e expectativas 
que, não sei como, desaguam em mim, 
rápidas, tumultuosas e evasivas, 
e eu, com a natureza, não discuto; 
um lugar onde a própria lua se iguala 
à dor e às sombras e os corpos tem 
a consciência de pertencer à terra 
do chão que amanhã irão pisar; 
um lugar onde é o vento diverso 
que o livro da existência folheia… 



 [livro aberto]




quinta-feira, 2 de abril de 2015

mais eu


aveiro



se estou só, de quem mais poderia 
ser esta sombra que me acompanha? 
de quem mais poderia ser esta noite? 
de quem mais poderiam ser os sonhos, 
que se acotovelam em meu redor 
e todas estas estrelas e a lua? 
não fosse o colorido da memória dos teus 
beijos, a deixar rasto na névoa da esperança 
e a preencher-me com versos frescos 
e com o sabor das ondas sem dores, 
mais caminho se perderia, mas 
talvez mais eu me encontrasse… 



 [livro aberto]



quarta-feira, 1 de abril de 2015

sem emenda




o dia são remendos sobre o azul que escureceu. 
deixei para trás os fantasmas normativos de papel, 
apaguei os privilegiados monstros digitais 
e extingui o espectro das chamadas misantropas. 
ressoam os suspiros e o bater do coração das estátuas. 
ainda vivem as miragens da tua vida sobre o meu peito 
e do pôr-do-sol desmaiado nas tuas costas nuas; 
do sistema solar que nos hospedava, itinerante; 
da longínqua existência de momentos remotos 
com controlo secreto e apertado, onde se idealizava… 



 [livro aberto]