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sábado, 31 de dezembro de 2011

[Em pouco tempo, ou não…] VII – Passagem

     Passagem

     Os melros ficaram sem um dos seus pousos, agora que finalmente retiraram e desmancharam o espantalho, bastante deteriorado, que ainda permanecia no campo, carregado de simbolismos triviais e tribais, próximo de um toural de coelho-bravo. Evidencia-se o silêncio ordinário, imposto pela perda e pelo cerimonial complacente.

     Anteriormente, com saudades do noitibó que tardará em regressar, desloquei-me com penas e sem castigos pela estrada que se alongava na noite e pela noite, e com a qual se fundia e confundia na mesma cor negra com que, e com quem, a chapada também já se tinha envolvido e combinado. Destacavam-se linhas e tracejados brancos, casualmente gastos, esporadicamente amarelos, maioritariamente desfeitos ou deformados e, nas mesmas cores, destacavam-se, também, salpicos de luz trémula, bruxuleante, de localidades desgarradas em paridade com a abóboda formada pelo firmamento de padrão mais regular. Simultaneamente, os faróis da viatura exibiam o rumo, que, em cadência, surgia, era alcançado e transposto, e criavam sombras, espectros sem escolha. Do rádio emanava um emudecimento determinado e calculado, no cumprimento de requisitos mínimos de ruído. Urgia a comparência de outros sons que não os das melodias e os das notícias de políticos, das suas políticas e das consequências, efeitos e incumprimentos de ambos.

     Neste trajecto e no decurso, antes do evento com o espantalho, de passagem por um trecho de pinhais, já tão inusitados em todos os sentidos, um coelho-bravo, saído da escuridão da brenha, hesitava na travessia, a sua cruzada. Os coelhos, quando decidem transpor um caminho, por vezes, muitas vezes, comportam-se como criaturas indecisas, vacilantes e incertas, decidindo sob pressão de urgências suicidas. Sei que as raposas frequentam aquelas paragens e que, por si e em relação aos coelhos, constituem uma natural proveniência de diligências, precauções e apertos. As raposas são criaturas ágeis, astutas, decididas e normalmente cruzam sem titubear, quando entendem que é seguro, o que nem sempre acontece. Determinaram-se, pois, cautelas e abrandamento, para dar tempo à natureza, que intimo, por necessidade.

     Agora, um melro surge e parte de súbito, enquanto vocaliza um alerta. Fica na retina a cor negra brilhante da plumagem e o amarelo-alaranjado do bico, que acusa tratar-se de um macho. Do espantalho ficou a palha, que exala o odor da urina de rato. Há quem diga que o espantalho era incontinente.