quinta-feira, 11 de outubro de 2018

[Substância]




Sem olhar, sacudi-o, não sei que bicho me mordeu. 
É como que uma saída clássica e simples, um fio 
de esquecimento que nos prende ao algoritmo da vida. 
Depois, caí da nuvem, sem saber porquê, e levanto, agora, 
o braço, de veias acesas. Peço a vez para escrever silêncios 
mais compreensíveis, bem se vê, em verde Portalegre, 
extenso, vestidos de perspectiva ternamente arrefecida. 
Não há, pois, nunca houve, por aqui, ponto de vista, 
passadiços de amor de estação e, como se começasse, 
despeço-me do Verão, como se adiasse a desconstrução 
do tempo e temesse o menear ou a amotinação de sombras 
antigas. Um penúltimo e um último olhar memorizam a cidade: 
um acto de alinhar os volumes, de organizar e limpar a luz, 
de ordenhar as cores, de apascentar a vontade… 
antes de atravessar o momento que renasce à flor da terra. 


 [sobrevoo]



segunda-feira, 1 de outubro de 2018

Degradê





Passeio-me, por dentro. Esqueço a dureza da terra, a sofreguidão 
esclarecida dos ventos e a presença irresoluta. Bom dia, futuro! 
Vinte e nove graus de poesia no céu liso e prometido. 
Nele se passeiam turistas, que pescam qualquer coisa em mim 
e desencadeiam reflexos, talvez, imaginários; talvez, sem sentido. 
E perguntam-me, com respostas – como pode brilhar, que luz tem, 
o que não existe? E eu respondo, com perguntas – como pode não 
ser, como pode não ter?… 

… 

Adia-se a escrita, a ria enxuga nos labirintos do olhar, tão pensamentos. 
Acredito que possa ser compreensiva, a luxúria do silêncio. Não preciso 
de escrever, ou de permanecer nas coxas, ou nas vulvas, das palavras,
para existir na ejaculação do tempo: tão fugaz; tão fora do horizonte; 
tão blasfema aos ouvidos pudicos e nus de deuses orgânicos: os únicos. 


 [sobrevoo]