sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

Para início de conversa




É o inverno retorcido e pegajoso, de cabelos em pé: 
Depois de uma chuva e um vento, com vidraça, obstinados; 
De um trilho de guarda-chuvas fortemente estropiados; 
De uns dias de igual dimensão, com menos luz e menos fé. 

O dezembro vai poderoso e não consegue fingir a maré, 
De nu que está, irredutível em não repetir tempos passados 
E a terra deseja criar e recriar e criar, com versos molhados 
a dissolverem-se, inevitavelmente, num infatigável rodapé. 

Agora, o sol, figura mais precisa, mas hesitante, de um apego 
De olhos abertos de espanto, vinca a paz do perene desassossego, 
Sôfrego, a mostrar que tudo permanece nos seus lugares enfadonhos. 

Quero surgir no avesso, do teu avesso, como que um aconchego, 
A suavizar a teia de Natal, onde nos suspendem os sonhos, 
Para resgatar-te desses anjos anafados e vagamente risonhos. 


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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

extensão




o céu e o ulmeiro, de março, pejados de folhas novas, felizes,
tão repletos de aveiro, tão dentro e tão fora de nós e de si, agora,
afinam, em sol, o calor que nos enxuga o fantástico do horizonte
e que ofusca o imaginário do chão menos aprazível de um agosto,
já setembro, onde, há anos, tantos, continuas a ser maior e melhor,
e onde eu procuro ser mais do que irreal; mais do que uma chaga;
entender ou recordar a razão que me retém na inércia da história.
não é, não há, um arquivo e eu sou mais do mesmo que nunca serei.
na confissão do tempo, olho para trás, o cansaço de uma ilusão de óptica;
o encontro da felicidade nos tristes poemas tristes dos dias menos bons,
que são a canção de quem eu sou, no singular, o que não sabes nem vais saber,
para abreviar. deixemos o tempo, o céu, o ulmeiro, cada um no seu lugar.
por aí, eu sou a ideia de luz sem ouro na tua auspiciosa fantasia.
por aqui, olha, outra vez, e eu já não estou, já não estou só.


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