quinta-feira, 18 de setembro de 2014

argau 20





sim não talvez um dia me encontre outra vez por fora
enquanto chovo na mansarda à margem de um poema
talvez cerre os olhos com força num último esforço
com a esperança de me fazer presente nessa chuva
porque as palavras saltam das folhas à procura da alma
a alma que sobrevive nos interstícios do vento norte
e hoje o vento sopra moderado uma canção de embalar
que adormece até as sombras da turba que me povoa
é aqui que nem todos se perdem na periferia dos afectos




argau arrumado!

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

alvorada






vimos o nascer dos dias, várias vezes,
sem palavras, sem nos vermos.
tínhamos ganho a forma introspectiva
e a amizade que nos unia aos horizontes.
os dias já nasciam com despedidas.
eu acreditei no teu corpo impulsivo.
tudo era verdade e verdadeiro,
como o marulho e as construções,
na areia. de todos ficou a memória.





-inicialmente no paralelo [31 de julho de 2014]
o fim do paralelo

terça-feira, 16 de setembro de 2014

argau 19





vi as quatro horas e quarente e sete minutos
numa outra noite que se arrastava pelo quarto
e no mostrador do rádio relógio em números
normalmente silenciosos que gritavam porque
eu não dormia e não os deixava dormir enquanto
abraçava fantasias que me faziam sorrir e não
tinha mais carneirinhos prudentes para contar
vi que tu também andavas por ali muito ausente
com o fumo que como antes inalavas dramaticamente
antecedias o ritual que nunca te consegui quebrar
com a precisão cirúrgica na manipulação da chama
do isqueiro que sublimava e sublinhava a matéria
da tua ânsia de entrar num mundo onde nunca entrei
tu eras dois personagens e tinhas os teus fumos
eu era apenas eu uma multidão que tinha a poesia
que curiosamente também ardeu e pouco mais
depois tínhamos a cama que podia ser um qualquer
chão onde agora és uma memória e eu abraço ilusões




sábado, 13 de setembro de 2014

conto-te agora





nas artérias um caminho 
de cidade pequena. 
talvez me vista de suor 
que reluta em explicar-se 
sem ser em alegria, 
como se fosse a primavera 
numa aproximação de desígnio 
que a cada coisa dá um valor 
sem preço, ou como um jardim 
num indício de alvorada límpida.





-inicialmente no paralelo [23 de junho de 2014]

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

argau 18





a ria perdeu-se por aqui, 
entre ideias e sentimentos, 
entre o céu e os sedimentos, 
numa saudade insolúvel de si. 
por vezes a escolha não o é 
e seguimos caminhos inevitáveis, 
forçosamente, nem sempre de pé. 
  
II 
por vezes arrastamos o universo 
com a fé do contexto, com a certeza 
que um sorriso enorme, de fracasso, 
pode mesmo ser a fuga do inverso; 
o avesso de uma qualquer frieza; 
o início do nosso sempre último abraço. 




quarta-feira, 10 de setembro de 2014

sabes como é a vida…






a ria, que por amor beija o mar 
e para laguna deixar de ser, 
também reflecte a cidade em si, 
num abraço de vida e afecto. 
eu, que beijo o ar, 
por determinação e princípios, 
possuo fortalezas de convicções 
que se desmoronam quando chegas… 
que posso eu dizer, agora, a saudade? 




-inicialmente no paralelo [09 de junho de 2014]

terça-feira, 9 de setembro de 2014

como alento





ontem, dei todo um soneto às gaivotas! 
era um novo soneto com o perfume do mar, 
vários traços de pôr-do-sol e ilhotas, 
e abraços, daqueles sinceros e de alentar. 
dei-o partido em pedacinhos de sentidos 
sem arestas, descalços e despidos; 
dei-o com todo o cuidado e desprendimento. 
desisti de dá-los aos pombos correios, 
que os traziam de volta, em sofrimento, 
debicados por fora e cansados dos passeios. 




-inicialmente no paralelo [03 de junho de 2014]

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

desfile de naturalidades





o céu enche-se de mar e maresia 
na linha do perfeito horizonte, tão próximo; 
o mar procura beijar as raízes das árvores 
e enche-se de razões de sal e de sons antigos; 
as árvores enchem-se de folhas distantes, 
mas que não se sentem sós, e fogem do mar; 
as folhas enchem-se de letras estranhas, 
de várias cores, tamanhos e formas; 
as letras vão caindo, caladas, sobre o chão, 
formando pequenos grupos de manifestação; 
o chão procura ser o substrato potenciador 
de vida, o rumo certo, mas dorme, sob o céu… 
eu encho-me de céu, de mar, de árvores, de folhas, 
de letras, de chão, de céu… e de intervalos! 
no intervalo, escrevo poemas com o que resta 
e, por vezes, resto apenas eu! 




-inicialmente no paralelo [29 de maio de 2014]

domingo, 7 de setembro de 2014

argau 17





queria saber um pouco mais da noite. 
não há qualquer confusão, ao longe. 
a lua sorri sem medir o tempo e o espaço, 
o amor e o mar bocejam no banco 
e a areia adormeceu profundamente, 
quando os sentimentos começaram 
a falar. mas nem sempre é assim. 
creio que estarão cansados da mesma 
história atracada aos muros que ergui 
ao meu redor, enquanto as horas vivem 
os mistérios do pôr-do-sol, ao sabor 
dos ventos frescos da noite, de quem 
eu queria saber um pouco mais. algumas 
árvores respiram o último ar, antes de 
se despirem, na sede do outono; antes 
de poderem explicar o efémero e o fictício. 
e as estrelas dobram-se, para distribuir 
felicidade e afectos, como se a noite fosse 
um abraço. não há qualquer confusão, 
por aqui, onde o sono de setembro não caiu. 




sábado, 6 de setembro de 2014

a figura de uma ilusão






gosto da parte invisível do amor. 
gosto de ficar a olhar para tuas cores 
e nelas urdir histórias em alvoroço, 
contudo, protectoras e carinhosas; 
de inspirar profundamente o teu odor 
e inebriar os sentidos embaraçados, 
que nem procuram fazer sentido; 
de tactear leve e lentamente as formas 
e de mapeá-las mentalmente, sem prazo. 
como é anedótico o meu sonho de sonho 
construído, porque não te tenho e nada é 
para sempre! 




-inicialmente no paralelo [22 de maio de 2014]

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

de forma que é assim





há uma forma sem sombra 
que vejo em sonhos e trago em mim. 
uma forma repleta de recordações, 
contudo, coisas que eu nunca vi. 
fala de projectos em sonhos 
que nunca se vão concretizar. 
um parecer distinto e audaz; 
uma linha sem horizonte; 
momentos engalanados… 
a forma de amar. 




-inicialmente no paralelo [14 de maio de 2014]

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

argau 16





por vezes o poema não acaba e eu 
queria dizer apenas coisas simples 
mais simples do que a minha sombra 
mais simples do que as mãos do vazio 

mas a simplicidade complica-se na dor 
que fica na fronteira dos nossos mundos 
uma dor sem contusão entre a realidade 
e a ilusão que desce entre os intervalos 

da palavras que formam silêncios preciosos 
que formam as próprias estrelas das noites 
mais tristes e ocas que recordam as memórias 

da luz de uma qualquer tarde compreensível 
evidenciando que eu estou mesmo louco 
quando queria escrever apenas que te amo 




quarta-feira, 3 de setembro de 2014

se olharmos com atenção




é assim o sorriso de certas palavras: consistente. 
um sorriso firme, tão genuíno e contagiante, 
que percorre a noite como um foco de luz; 
que demora na retina e se propaga docemente 
a todos os sentidos, capaz de apaziguar o pesar 
dos dias que escarnecem a existência circundante. 
sorriso com perfumes, com melodias, com sabores, 
com tonalidades, com temperaturas, com formas; 
que abraça segura, lânguida e despudoradamente, 
num arrebatamento manifesto e próximo do infinito.




-inicialmente no paralelo [06 de maio de 2014]

terça-feira, 2 de setembro de 2014

nos dias inabaláveis





acordámos o cerco à fronteira daquele medo
que adormece quase todas as manhãs,
próximo da avenida pejada de gente,
e que desperta quase todas as noites,
naquelas ruas estreitas, tortas e escuras,
que rondam o quarto, como fases cheias,
carregadas de lua sem desculpas ou corpo.
adiámos a tristeza, ainda que seja num hiato,
num deferimento completo da vida,
para quem uma vida inteira é insuficiente.




-inicialmente no paralelo [30 de abril de 2014]

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

argau 15




outras vezes, o tempo voa, num hiato 
de si mesmo. escoa-se por entre os dedos 
de sonhos e sentimentos entrelaçados 
em ondas e ventos, para aquecer o outro 
lado da lua e regressar em sobressalto, 
de improviso, sem palavras e ambíguo. 
qualquer coisa sem colo e consumido, 
enquanto eu vejo sem ver e sonho sem 
sonhar, o que vejo a adensar-se no mar. 
eu hei-de voltar, quando escorregar do verso, 
quando a vida não cabe num só poema.