terça-feira, 29 de setembro de 2015

diário






olá seis da manhã e promessa de um novo dia 
avanço pelas palavras adormecidas enquanto leio 
o outono transitório e o seu recheio 

sem pequeno-almoço o céu ainda dorme 
o acordar ainda me rói o sonho de despedida 
e a ilha como eu está erodida 

as palavras acordam excitadas 
mas não há tempo para sólidos fonemas 
que possam jorrar verbos líquidos entre poemas 

o que eu digo ou escrevo não tem que mudar o mundo 
que mundo que excitação que céu que seis da manhã 
quando se chega a esta hora em que a hora fica vã 

chamam-me como quem pergunta quem sou 
sou memórias que não se explicam fisiologia 
meninice amor poesia 




[a ilha]



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

mais do que aquilo que consigo ver


aveiro | portugal
aveiro | portugal



um saxofone aos prantos nas pontes 
a enternecer o canal central citadino 
aveiro no corpo de outono tenso 
no entardecer ao lado de quem sou 

não encontro os nossos confins ancestrais 
no desaguar cadente dessa melodia rouca 
no espraiar desta brisa dourada e despida 
de saber quem sou agora que já não estou 

perde-me o dia sem murmúrio de solidão 
a ilha quer ir mais longe no último fôlego do solo 
que é agora um beijo lento de despedida 

desempenho o meu papel de vivo 
há nos meus olhos um horizonte possível 
corpo que não pede esmolas de saudade





[a ilha]



terça-feira, 22 de setembro de 2015

das horas em que gosto de sonhar


aveiro | portugal
aveiro | portugal




antigo não é mais do que o futuro do presente 
que à falta de epítetos aparto cuidadosamente 
dos poemas que se vão assomando convulsos 
para se deixarem cair sobre um qualquer papel 
e entrarem no profundo turbilhão de raciocínios 
que os afasta do singular carácter da poesia 

as pessoas têm-se esgueirado furtivamente 
para os elevadores como sombras estreitas 
e assumidamente clandestinas e volúveis 
no quinto andar somem-se para o interior 
de habitações mergulhadas no ranger das portas 
que se fecham imediata e instintivamente 

resta-me a ilha emersa num profundo afecto 
os dias são agora estranhamente mais curtos 
e a dimensão da ilha vai dependendo da maré 
e da luz que que vai havendo por estes dias 
por vezes muito frios para a altura do ano 
ou então sou eu que já não vejo os milagres 



[a ilha]



segunda-feira, 21 de setembro de 2015

conhecido


canal do côjo | aveiro | portugal





a palavra passa 
livre leve 
eu passarei 
é tão fácil acabar com a palavra 
a palavra passará 
livre leve 
eu passo 
é tão fácil acabar com a vida 
a palavra passa livre leve 
leve livre passarei 
mas é tão fácil abraçar 
passa a palavra 
leve livre 
passarei eu 
tão fácil de viver 
passada a palavra 
livre e leve 
passarei também 



[a ilha]



domingo, 13 de setembro de 2015

sem risco multicolor

  
aveiro | portugal




parou de chover 
não sei em quantos poemas terá parado a chuva 
mas o facto é que não chove aqui 
terá parado em muitos textos ou livros 
e ainda vejo muitas palavras com impermeáveis 
(alguns são transparentes) 
há palavras completamente encharcadas  
(não importa se nuas ou vestidas)  
mas parou de chover  

acredita que parou de chover 
parou simplesmente 
sem aviso 
sem qualquer idealismo 
num sistema que se apresenta a si próprio 
e há sempre qualquer coisa ou alguém que encolhe 
depois da chuva 
assim como há coisas ou alguns que aumentam 
ou que se alargam com ela 
a chuva 

parou finalmente ou excessivamente de chover 
a água da ria ficou mais plana 
há bandos de pássaros em festa 
e as cores estão resplandecentes 
as ruas vão cheias de gente brilhante 
tudo cintila à volta do meu embaraçoso opaco 
tudo até as manhosas dissensões 
porque eu não sei em quantos lugares já não chove 
ou há quanto tempo por aí terá parado a chuva 
mas aqui parou há pouquíssimo de chover 

porque parou de chover 
escrevo 
mas talvez escrevesse à chuva 
sabes que quem nunca escreveu à chuva não sabe 
que as palavras ficam demasiadamente perto 
de escorrer pelas margens do suporte da escrita 
que alguns suportes de palavras ficam escorregadios 
que outros tendem para a redenção da dissolução 
e que todas as palavras se tornam solúveis 
mas já não chove 

parou de chover 
creio ouvir as engrenagens do teu pensamento 
os pasmos e espasmos de razões e sensações 
no cicio do meu monólogo 
que remete a ilha para a crua banalidade 
de um grande plano de plano inclinado 
seco 
e já não chove 

deteve-se a chuva 
e eu comprei bananas em promoção 
ricas bananas 
com tudo incluído 
bananas com todos os palavrões e contextos 
com todas as alusões e imaginários 
mas estas vêm dentro de um saco 
não sei em quantos poemas haverá bananas 
se haverá poetas bananas 
se choveu nas bananas 
mas eu sou mesmo que por alguns momentos 
um banana com bananas dentro 
sabes bem como são as bananas 
sei que são bananas e que não chove 

cessou a chuva 
e já consigo ver o fim do verão 
há anos que morrem neste fim de estação 
no preciso momento em que se colhe a uva 
ou talvez um pouco mais tarde à tarde 
quando cai a parra sem grande alarde 
mas por agora não chove 

a chuva passou 
suspiram as dimensões domésticas 
e à volta dos átomos tontos 
circulam electrões mais serenos 
enquanto por felicidade endoideço 
e por isso não te inquietes com o que faço 
não te preocupes com o que penso digo e escrevo 
não há ingratidão na minha loucura 
há a bonança natural de quem perde todas as arestas 
e de quem perdeu a chuva 

parou de chover 
sem ninguém saber 
mas soubessem ou não se ainda chovesse 
poderia eu ser sob a chuva 
poderia ser também os dedos da chuva 
ser a pontinha dos dedos das gotas mais serenas 
e acariciar como a chuva 
poderia ser os braços da chuva 
e abraçar como qualquer chuva 
enxugar ou molhar como a chuva 
temperar ou destemperar como chuva 
poderia rolar pelo chão 
enlamear-me sem manchar o amor 
sem envergonhar o amor 
molhar-me como quem lava o amor 
como quem rega o amor 
como que trata e cuida o amor 
e talvez pudesses ensinar-me a nadar 
mas começou de novo a chover 
deixa-me ver 
deixa-me sentir 
deixa-me ouvir 
deixa-me provar 
vou [vamos?] 



[a ilha]



sábado, 12 de setembro de 2015

o último a chegar paga o café


coimbra
parque manuel braga | coimbra




sou pois um poeta subjectivo 
um sentimento não impresso 
não me encontraste em qualquer livro 
pois não tenho residência permanente em nenhum 
tenho andado e ando por aí com eles 
por vezes eles uivavam 
entro neles ou penetro-os 
parto com eles 
parem comigo 
vivo neles e através deles 
e eles em mim 
os livros 

e entre o que vivo e esqueço 
o que fica guardado em mim 
ou um súbito anotar de palavras 
há uma viagem prefixo de tempo e espaço 
a metamorfose de uma ilha 
e mais livros 
um rio que escorre a sociabilidade subtil 
sou um autor imaginário 
a invenção do meu personagem 
a pairar na sobretarde 
folhosa 



[a ilha]



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

efervescência






talvez fosse o momento de 
não fosse a vontade imprudente 
de partir perigosamente da ilha 
quando o corpo não salta 

a felicidade por estes dias pede-me 
explicações cada vez mais complexas 
mesmo durante o salto quântico 
em tentativa de silêncio objectivo 

ainda trago o meu âmago insubsistente 
e por acaso é setembro em todas as direcções 
mas até poderia ser de outra forma 

o sótão geme incomodado pelos poemas 
o meu coração diz-me que não existem fantasmas 
e a razão não intervém em coisa alguma



[a ilha]



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

a companhia das gralhas


cáceres | espanha




na monumentalidade de cáceres 
deixei as minhas ruínas arrumadas 
como poeiras de um tempo antigo 
todas as que trazia comigo 
junto com a palavra criadora para 
companhia da gralha-de-nuca-cinzenta 
e da cegonha-branca 

nesses dias deus era o poeta 
a poesia sustinha os atlantes 
e todas as demais pedras e calhaus 
numa argamassa de bons e sentidos afectos 
e continuei a adiar-me 
a apascentar novos sonhos pois 
tudo o que tinha era o véu do céu 

a pele susteve o sol e a alma a escuridão 
a carne albergava verbos transitivos 
e a hemorragia do amor descia a judiaria 
abraçando romanos despojados de fermento 
acorriam todos os povos à ladeira do tempo 
e éramos todos fiéis e chuva e panorama 
capazes de voar para além de qualquer maldição 



[a ilha]



terça-feira, 8 de setembro de 2015

da raiz


aveiro | portugal
aveiro | portugal




ouço a ilha a estalar 
resgato os átomos dos sonhos 
bem sei que a minha felicidade é contundente 
conheço a luminosidade sem luz dentro 
o amor sem amizade dentro 
mas perdoem-me o meu amor desprendido 
eu não faço reféns nem mato 
quanto mais procurar a guerra 
já não aguardo 
amo 



[a ilha]



«TAG: Descobrindo NOVOS BLOGS»


aveiro | portugal
aveiro | portugal




Indicado por Luciene Marinho.


Regras:

     Responder às perguntas realizadas por quem o nomeou.
     Criar 10 perguntas para os bloguistas assinalados responderem.
     Nomear de 3 até 10 blogues para esta tag/desfio e avisá-los sobre a nomeação.


Perguntas da Luciene:

     01- O que seu blog representa pra você?
       
       Neste momento: Um local de partilha, apenas, para e por respeito a alguns (a algumas pessoas).


     02- No que ou em quem se inspira para escrever?

       Essencialmente, na vida, no que me rodeia, sem ser puramente biográfico.


     03- O que mais admira numa pessoa?

       A honestidade.


     04- O que mais te irrita?

       Estou indeciso entre a mentira, o oportunismo e a manipulação... [:)]


     05- Quem é seu autor favorito e se pudesse, o que lhe perguntaria?

       Não tenho um autor favorito, ou um autor que destaque em todos os meus dias. Gosto do Fernando Pessoa (de todo o pacote - heterónimos...), Gabriel Garcia Marquez, Edgar Allan Poe... Mas a pergunta (cretina) que gostaria de fazer, seria: Porque te mataste na última vez?


     06- A obra de quais poetas e/ou escritores levaria para ler numa ilha deserta?

       Para ser prático e rápido, levaria, apenas, os «Cem anos de solidão», do Gabriel Garcia Marquez, e «Um estranho numa terra estranha», do Robert A. Heinlein. [:)]


     07- O que espera realizar na vida?

       Concluí-la (a vida), a seu tempo. Ou seja, concluir os projectos profissionais e pessoais, em curso, com alegria. O que consumirá algum tempo. [:)]


     08- Qual ou quais seus cantores preferidos e que música te arrebata?

       Gosto de várias bandas e cantores, mas, no topo, está o Freddie Mercury (o Frederico Mercúrio [:)]). Em relação à música que me arrebata... Tenho dificuldade em responder. «The show must go on» transmite-me muita energia... Mas há tantas outras, e de vários cantores e bandas...


     09- Quanto a espiritualidade, no que acredita?

       Talvez esteja algures dentro do cristianismo, em alguns momentos.


     10- O que faria hoje, se soubesse estar com os dias contados?

       Contava até dez, respirava fundo e tentava não visitar a minha mãe. Iria rir/sorrir, seguramente (eu, se o soubesse).


⇒Perguntas aos nomeados e blogues nomeados:
     
     É aqui que a história sai do guião e eu furo as regras...

     Por norma, agradeço, de forma sincera, qualquer indicação e ponto final, fim da história. Desta vez, para além de agradecer, resolvi tomar parte de parte do desafio. Apelo à vossa compreensão, principalmente à compreensão da Luciene, a quem renovo o agradecimento pela amabilidade.

     Não há perguntas e não existem nomeados.

     Obrigado, Luciene!




quarta-feira, 2 de setembro de 2015

horizonte de cristal


espinho
espinho | portugal




quantos ou que braços mereço? 
as asas que me libertam são a minha prisão 
um custo sem preço 
o poema regressa a razão do amor 
e no corpo que penso nasceu-me uma ilha 
sem fronteira e em mares de poesia 
que nenhum espelho reflecte 

no vórtice do vértice 
os lábios denunciam o véu do verão 
a natureza toma o meu corpo em contínuo 
instalam-se as árvores repletas de aves 
pululam os formigueiros 
há cavalos no meu peito 
borboletas na barriga 
toda a sorte de animais 
mares céus plantas 
serpentes que pastoreiam ideais 

mas o poema não é suficiente 
aquém e para além da contabilidade das palavras 
e regressa ao corpo para ser também natureza 



[a ilha]