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sábado, 10 de outubro de 2015

recurso





«se nem fui e se nem foi coisa alguma» 
ali estava um ténue eu difundido em contraste 
um reflexo em confronto como um efeito de luz 
mais reticente do que a hesitação das gaivotas 

suspiro pelo transitório sentimento de ter perdido a alma 
mas como posso perder o que ninguém determinou que existia 
como posso perder o que nunca foi meu e o que ninguém tomou 
transitório entendimento de existência com sabor a terra 
alguém me há-de apagar esta sensação de ter raízes e pátria 

quando tantos de mim decretam a minha partida 
o cair fundo no fundo onde nunca se chega 
e de onde nunca peremptoriamente se parte 
é uma viagem de porta fechada e de coisas sem fim 
a forma de regressar à forma inexacta de desejar 
e de me inventar num horizonte desconhecido 

há um momento em que apetece ser o cansaço 
ser a espera e ser o abraço enquanto se é palavra 
a palavra sedenta que encontra o seu papel nas folhas 
que na loucura de não cair no outono procuram um ombro 
que seja a paz de um na paz do outro mais profundo 

parto, mas levo a minha pele 
lavo-a e retiro-lhe o perfume 
do fogo vagaroso do sobressalto 
no ranger das pontes abandonadas 
que preparam as profecias dos marnotos 
onde sou um moliceiro largado 
de encontro ao cais dos mercantéis 
ao sabor da ironia das marés 
e alguém a passar a pensar pensou 
que era para si a viagem 
que era para si o poema 
que pereci no verso 
onde eu costumava existir 
sob a forma de ilha 


[a ilha]


sexta-feira, 9 de outubro de 2015

girar


aveiro | portugal




outubro de novo de novo a hora dúbia 
tenho retirado cuidadosamente o amor 
dos poemas mais empertigados 
que espreitam com abraços catódicos 

conheço esse sentimento de tempestade 
que se dobra para dentro e que é carregar 
como que uma solidão universal no perfil 
e silenciá-la como se não tivesse um nome 

hoje não quero recordar o absoluto dos olhos 
as fechaduras do corpo entregue à boca 
e a pele das palavras sedutoras nos meus ouvidos 

é agora que vou girar ao sabor do vento agreste 
de oeste e impregnar-me nos tons do outono 
até cair no sono onde toda a música converge 




[a ilha]


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

da ria


aveiro | portugal




são as mesmas mãos que me apontam o abismo 
dos anos que se contam em contas de água 
dos dias que disseminam solutos de solidões 
do amor de onde brota o caprichado cinismo 
aspergido com fôlegos e fulgores de paixões 

as mãos de água da ria 
sentada no cinzento das enxurradas 
a levar-me ao infinito da cidade métrica 
a lavar as indelicadezas da nostalgia 
com a delicadeza da amizade estética 




[a ilha]



terça-feira, 6 de outubro de 2015

na cadência do outono


aveiro | portugal




na cadência do outono um hemisfério norte 
uma ruga incompleta que conquista a fronte 
tão rente a um rasto de outras rugas alojadas 
na fonte da métrica da testa em chamas 
que se julgava tão soberana e tão plana 

na cadência do outono uma transparência 
que tenta sabotar o nevoeiro cerrado 
que deixou de ser metáfora no céu 
para conquistar o litoral absorto 
num súbito rasto de opacidade solta 

na cadência do outono um lapso 
o amolador chegou atrasado e imerso 
porque hão-de amotinar-se as tesouras 
que não sabem se a ilha está cercada de amor 
ou se o amor está cercado de antipatia 

na decadência do outono posso dizer adeus 
e revelar que não há destino em mim 
divulgar que me tenho mentido muito e muito 
abraçado ao silêncio de um sorriso 
ao dizer enquanto canto que não amo 




[a ilha]




terça-feira, 29 de setembro de 2015

diário






olá seis da manhã e promessa de um novo dia 
avanço pelas palavras adormecidas enquanto leio 
o outono transitório e o seu recheio 

sem pequeno-almoço o céu ainda dorme 
o acordar ainda me rói o sonho de despedida 
e a ilha como eu está erodida 

as palavras acordam excitadas 
mas não há tempo para sólidos fonemas 
que possam jorrar verbos líquidos entre poemas 

o que eu digo ou escrevo não tem que mudar o mundo 
que mundo que excitação que céu que seis da manhã 
quando se chega a esta hora em que a hora fica vã 

chamam-me como quem pergunta quem sou 
sou memórias que não se explicam fisiologia 
meninice amor poesia 




[a ilha]



sexta-feira, 25 de setembro de 2015

mais do que aquilo que consigo ver


aveiro | portugal
aveiro | portugal



um saxofone aos prantos nas pontes 
a enternecer o canal central citadino 
aveiro no corpo de outono tenso 
no entardecer ao lado de quem sou 

não encontro os nossos confins ancestrais 
no desaguar cadente dessa melodia rouca 
no espraiar desta brisa dourada e despida 
de saber quem sou agora que já não estou 

perde-me o dia sem murmúrio de solidão 
a ilha quer ir mais longe no último fôlego do solo 
que é agora um beijo lento de despedida 

desempenho o meu papel de vivo 
há nos meus olhos um horizonte possível 
corpo que não pede esmolas de saudade





[a ilha]



terça-feira, 22 de setembro de 2015

das horas em que gosto de sonhar


aveiro | portugal
aveiro | portugal




antigo não é mais do que o futuro do presente 
que à falta de epítetos aparto cuidadosamente 
dos poemas que se vão assomando convulsos 
para se deixarem cair sobre um qualquer papel 
e entrarem no profundo turbilhão de raciocínios 
que os afasta do singular carácter da poesia 

as pessoas têm-se esgueirado furtivamente 
para os elevadores como sombras estreitas 
e assumidamente clandestinas e volúveis 
no quinto andar somem-se para o interior 
de habitações mergulhadas no ranger das portas 
que se fecham imediata e instintivamente 

resta-me a ilha emersa num profundo afecto 
os dias são agora estranhamente mais curtos 
e a dimensão da ilha vai dependendo da maré 
e da luz que que vai havendo por estes dias 
por vezes muito frios para a altura do ano 
ou então sou eu que já não vejo os milagres 



[a ilha]



segunda-feira, 21 de setembro de 2015

conhecido


canal do côjo | aveiro | portugal





a palavra passa 
livre leve 
eu passarei 
é tão fácil acabar com a palavra 
a palavra passará 
livre leve 
eu passo 
é tão fácil acabar com a vida 
a palavra passa livre leve 
leve livre passarei 
mas é tão fácil abraçar 
passa a palavra 
leve livre 
passarei eu 
tão fácil de viver 
passada a palavra 
livre e leve 
passarei também 



[a ilha]



domingo, 13 de setembro de 2015

sem risco multicolor

  
aveiro | portugal




parou de chover 
não sei em quantos poemas terá parado a chuva 
mas o facto é que não chove aqui 
terá parado em muitos textos ou livros 
e ainda vejo muitas palavras com impermeáveis 
(alguns são transparentes) 
há palavras completamente encharcadas  
(não importa se nuas ou vestidas)  
mas parou de chover  

acredita que parou de chover 
parou simplesmente 
sem aviso 
sem qualquer idealismo 
num sistema que se apresenta a si próprio 
e há sempre qualquer coisa ou alguém que encolhe 
depois da chuva 
assim como há coisas ou alguns que aumentam 
ou que se alargam com ela 
a chuva 

parou finalmente ou excessivamente de chover 
a água da ria ficou mais plana 
há bandos de pássaros em festa 
e as cores estão resplandecentes 
as ruas vão cheias de gente brilhante 
tudo cintila à volta do meu embaraçoso opaco 
tudo até as manhosas dissensões 
porque eu não sei em quantos lugares já não chove 
ou há quanto tempo por aí terá parado a chuva 
mas aqui parou há pouquíssimo de chover 

porque parou de chover 
escrevo 
mas talvez escrevesse à chuva 
sabes que quem nunca escreveu à chuva não sabe 
que as palavras ficam demasiadamente perto 
de escorrer pelas margens do suporte da escrita 
que alguns suportes de palavras ficam escorregadios 
que outros tendem para a redenção da dissolução 
e que todas as palavras se tornam solúveis 
mas já não chove 

parou de chover 
creio ouvir as engrenagens do teu pensamento 
os pasmos e espasmos de razões e sensações 
no cicio do meu monólogo 
que remete a ilha para a crua banalidade 
de um grande plano de plano inclinado 
seco 
e já não chove 

deteve-se a chuva 
e eu comprei bananas em promoção 
ricas bananas 
com tudo incluído 
bananas com todos os palavrões e contextos 
com todas as alusões e imaginários 
mas estas vêm dentro de um saco 
não sei em quantos poemas haverá bananas 
se haverá poetas bananas 
se choveu nas bananas 
mas eu sou mesmo que por alguns momentos 
um banana com bananas dentro 
sabes bem como são as bananas 
sei que são bananas e que não chove 

cessou a chuva 
e já consigo ver o fim do verão 
há anos que morrem neste fim de estação 
no preciso momento em que se colhe a uva 
ou talvez um pouco mais tarde à tarde 
quando cai a parra sem grande alarde 
mas por agora não chove 

a chuva passou 
suspiram as dimensões domésticas 
e à volta dos átomos tontos 
circulam electrões mais serenos 
enquanto por felicidade endoideço 
e por isso não te inquietes com o que faço 
não te preocupes com o que penso digo e escrevo 
não há ingratidão na minha loucura 
há a bonança natural de quem perde todas as arestas 
e de quem perdeu a chuva 

parou de chover 
sem ninguém saber 
mas soubessem ou não se ainda chovesse 
poderia eu ser sob a chuva 
poderia ser também os dedos da chuva 
ser a pontinha dos dedos das gotas mais serenas 
e acariciar como a chuva 
poderia ser os braços da chuva 
e abraçar como qualquer chuva 
enxugar ou molhar como a chuva 
temperar ou destemperar como chuva 
poderia rolar pelo chão 
enlamear-me sem manchar o amor 
sem envergonhar o amor 
molhar-me como quem lava o amor 
como quem rega o amor 
como que trata e cuida o amor 
e talvez pudesses ensinar-me a nadar 
mas começou de novo a chover 
deixa-me ver 
deixa-me sentir 
deixa-me ouvir 
deixa-me provar 
vou [vamos?] 



[a ilha]



sábado, 12 de setembro de 2015

o último a chegar paga o café


coimbra
parque manuel braga | coimbra




sou pois um poeta subjectivo 
um sentimento não impresso 
não me encontraste em qualquer livro 
pois não tenho residência permanente em nenhum 
tenho andado e ando por aí com eles 
por vezes eles uivavam 
entro neles ou penetro-os 
parto com eles 
parem comigo 
vivo neles e através deles 
e eles em mim 
os livros 

e entre o que vivo e esqueço 
o que fica guardado em mim 
ou um súbito anotar de palavras 
há uma viagem prefixo de tempo e espaço 
a metamorfose de uma ilha 
e mais livros 
um rio que escorre a sociabilidade subtil 
sou um autor imaginário 
a invenção do meu personagem 
a pairar na sobretarde 
folhosa 



[a ilha]



sexta-feira, 11 de setembro de 2015

efervescência






talvez fosse o momento de 
não fosse a vontade imprudente 
de partir perigosamente da ilha 
quando o corpo não salta 

a felicidade por estes dias pede-me 
explicações cada vez mais complexas 
mesmo durante o salto quântico 
em tentativa de silêncio objectivo 

ainda trago o meu âmago insubsistente 
e por acaso é setembro em todas as direcções 
mas até poderia ser de outra forma 

o sótão geme incomodado pelos poemas 
o meu coração diz-me que não existem fantasmas 
e a razão não intervém em coisa alguma



[a ilha]



quarta-feira, 9 de setembro de 2015

a companhia das gralhas


cáceres | espanha




na monumentalidade de cáceres 
deixei as minhas ruínas arrumadas 
como poeiras de um tempo antigo 
todas as que trazia comigo 
junto com a palavra criadora para 
companhia da gralha-de-nuca-cinzenta 
e da cegonha-branca 

nesses dias deus era o poeta 
a poesia sustinha os atlantes 
e todas as demais pedras e calhaus 
numa argamassa de bons e sentidos afectos 
e continuei a adiar-me 
a apascentar novos sonhos pois 
tudo o que tinha era o véu do céu 

a pele susteve o sol e a alma a escuridão 
a carne albergava verbos transitivos 
e a hemorragia do amor descia a judiaria 
abraçando romanos despojados de fermento 
acorriam todos os povos à ladeira do tempo 
e éramos todos fiéis e chuva e panorama 
capazes de voar para além de qualquer maldição 



[a ilha]



terça-feira, 8 de setembro de 2015

da raiz


aveiro | portugal
aveiro | portugal




ouço a ilha a estalar 
resgato os átomos dos sonhos 
bem sei que a minha felicidade é contundente 
conheço a luminosidade sem luz dentro 
o amor sem amizade dentro 
mas perdoem-me o meu amor desprendido 
eu não faço reféns nem mato 
quanto mais procurar a guerra 
já não aguardo 
amo 



[a ilha]



quarta-feira, 2 de setembro de 2015

horizonte de cristal


espinho
espinho | portugal




quantos ou que braços mereço? 
as asas que me libertam são a minha prisão 
um custo sem preço 
o poema regressa a razão do amor 
e no corpo que penso nasceu-me uma ilha 
sem fronteira e em mares de poesia 
que nenhum espelho reflecte 

no vórtice do vértice 
os lábios denunciam o véu do verão 
a natureza toma o meu corpo em contínuo 
instalam-se as árvores repletas de aves 
pululam os formigueiros 
há cavalos no meu peito 
borboletas na barriga 
toda a sorte de animais 
mares céus plantas 
serpentes que pastoreiam ideais 

mas o poema não é suficiente 
aquém e para além da contabilidade das palavras 
e regressa ao corpo para ser também natureza 



[a ilha]



quarta-feira, 26 de agosto de 2015

ilha fantástica


aveiro, portugal
(rua direita) rua de coimbra, aveiro | portugal

como direi? – estou espalhado pela cidade 
abri a janela e toda a cidade se misturou pela casa 
para depois toda ela a cidade entrar em mim 
a repetir-se sem fim com uma melodia 

de madrugada fui a maçã que ninguém comeu 
de manhã fui a sua estrela invisível 
à tarde fui a felicidade da água e a maré 
e parti com a ironia do vento rente ao anoitecer 

por momento esqueci a ilha e a sua forma primitiva 
ambivalente que hoje brilha no céu quase nocturno 
com as memórias de que é feita e a compõe 

enquanto a cidade suspira numa extravagante neblina 
a praia calada e um pôr-do-sol antigo 
a cidade ou eu ou a ilha ou nem tanto nem tão pouco 



[a ilha]



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

limbo


aveiro
cais e canal do côjo | aveiro | portugal




os nomes bebem a água 
palavras como que inquilinas 
a escreverem poetas de regresso 

cada coisa começa a actuar 
num tempo que deve ser o seu 
como o início de uma melodia 

só agora pude acordar 
como se só agora pudesse 
nas rodas da presença 

a esferográfica já acaricia o papel 
e é o papel que nos aproxima 
junto a aproximação que é a saída 

diante de todo o esquecimento 
sou remoto e a minha memória 
ainda é mais longínqua 

mas acordei para voltar ao sono 
que é sonhar-te de braços abertos 
tão distante do movimento no arco do céu 

acordar é o superlativo ensimesmado 
no bocejo seguinte que se junta ao estendal 
de suspiros com um espaço de abismo entre eles 

a luz de boca cheia chama insistente 
num grito meteorológico que transborda 
numa lufada de gramáticas de anticiclones 

e tu és o céu a dobrar carícias 
e isto é apenas o início  
num chão composto de memórias 



[a ilha]




terça-feira, 18 de agosto de 2015

rodopios


aveiro
cais do côjo | aveiro | portugal




o amor é um elemento intrínseco 
um poder e uma energia 
e por ora um silêncio externo 
onde os símbolos do verão teimam 
a impor o tons sépia que nem o dia 
ileso pretende vestir 

do meu corpo dormente e ardente 
vejo outros corpos de rostos fechados 
mas de portas abertas 
indiferentes à rua 
presos ao tempo 
e às levíssimas gotas de chuva 
num dia de verão pardacento 
que bate levemente no rosto 
de quem fica e pela chuva entra 

por momentos não estou 
é a subtileza de pairar na vida 
e no cunículo escorregadio do universo 
ou estendido na fantasia e no plural 
e a ilha é apenas água absorta 
de agosto tão singular 



[a ilha]




quinta-feira, 13 de agosto de 2015

pôr só


aveiro
cais do côjo | aveiro | portugal




revisito momentos lugares coisas pessoas 
todos parecem ter mudado de alguma forma 
mas não por igual 
alguns parecem quase irreconhecíveis 
quase desiguais 
não na mudança estereotipada 
dos gradientes da cor ou da corrosão do tempo 
da força gravítica ou da acção climática 
da actividade social ou dos agentes clásticos 
não há um metamorfismo 
é uma mudança que está em mim 
eu sou a mudança 



[a ilha]




terça-feira, 11 de agosto de 2015

rataplã


canal dos botirões
canal dos botirões | aveiro



nenhum verso se aproxima 
das horas cercadas 
há dias em que a ilha não me serve 
por mais que me retraia há sempre 
uma parte de mim que não cabe 
e fica de fora 
quando noutros dias há 
uma ilha que se agiganta 
e perco-me na sua imensidão 
e não me encontro em lugar nenhum 

são as circunstâncias as inconstâncias 
de não haver uma sina ou um destino 
mas um momento 
o calhar de qualquer hora hesitante 




[a ilha]