sexta-feira, 24 de julho de 2015

no desabrigo


[serra da arrábida] estuário do sado | setúbal | portugal




umas senhoras conjuram a sapiência do acidental 
para ludibriar a rigidez da delinquência do estio original 
que há muito deixou de afagar para apertar 

caminho sobre uma melodia progressiva 
e alternativa numa passagem abrupta 
no preciso local onde a ilha faz uma curva 
e trafica os sentimentos e os modos 

as vagas rebentam nas palavras que nascem 
atrás dos pensamentos dos medos que crescem 
como muros para além do trémulo conhecimento 

basta-me olhar para o horizonte 
enquanto o sol se despe 
para regressar satisfeito 
para sentir o carinho da terra 

deixou de haver futuro? 




[a ilha]





terça-feira, 21 de julho de 2015

sentimental


canal central da ria de aveiro | aveiro | portugal




os outros personagens cruzam-se no passado 
sem se verem nos braços do vento e ninguém vê 
a agonia dos vegetais e dos legumes biológicos 
nos sacos de papel reciclado 

a minha sombra lançou-se à ilha e alcançou 
a ilha da sombra de uma árvore que brincava 
com a relva e com as ervas que não foram convidadas 
para o sentimento desse espaço onde sou um eterno 
turista e onde por vezes me cai a tarde 
no azul inclinado do céu 




[a ilha]




segunda-feira, 20 de julho de 2015

poema antigo e triste






a tristeza faz parte de nós 
e por vezes faz-nos sentir tão bem 
mas porquê viver sempre aí 
nessa tristeza que nunca tem fim 
essa tristeza que é morrer em plena vida 
e continuar a viver nessa morte 
que te faz devolver-me todos os lamentos 
conjecturas e o amor ao contrário 
mesmo quando não sabes de onde vem 

pergunta a este poema triste pela felicidade 
e se ele não a souber mostrar 
acredita que ninguém mais saberá 

eu queria ser alguém melhor maior 
e acredito que o amor tem sentido 
o para sempre e o nunca mais 
apontam para o mesmo abismo 
sentido é que se o nosso amor acabar 
eu quero continuar a viver 
e ser teu amigo para entender 
que tudo mesmo tem um fim 
e que o fim não tem que ser um vazio
que não foi em vão que não é vão 
o amor e amar



[a ilha]



quinta-feira, 16 de julho de 2015

a pé de pé


santuário de santa luzia, outemplo-monumento de santa luzia, ou templo do sagrado coração de jesus em santa luzia, no monte de santa luzia | viana do castelo | portugal
santuário de santa luzia,
ou templo-monumento de santa luzia, ou
templo do sagrado coração de jesus em santa luzia | monte de santa luzia | viana do castelo | portugal




atravesso as horas que desembocam 
na parte de trás da parte invisível das ruas 
nunca entendi muito bem essa tendência súbita 
e sucessiva da tentativa de aniquilação do tempo 
por isso é que se iniciam as noites repetidamente 
e nos arredores fica o espaço a decompor-se 
na incerteza da natureza 
são também essas vagas as memórias 
erosivas desta ilha 

queria compreender melhor todas as medidas 
deste lugar com a certeza de que o mundo existe 
e de que a tua existência mais funda 
é mais do que a sombra das minhas palavras 

por vezes todas as falésias se igualam 
e adquirem o mesmo fio condutor 
que fecha todos os tempos da ilha 
e é a pele que exercita a matemática 
das sensações no labirinto que me guia 
em planos que exibem a delinquência 
da fé que é a capacidade de criar 
enredos para o corpo 
os relógios marcam as devidas distâncias 



[a ilha]




sexta-feira, 10 de julho de 2015

algures na ilha


aveiro | portugal



fiquei por esta ilha 
quando perdi a propulsão de uma ilusão 
no tempo de um espaço 

julgava nada saber sobre os súbitos milagres 
supondo que a pele deixara de ver 
sob o jugo dos pensos rápidos 
que abafavam ineficazmente as ondas sonoras 
das feridas vivas no fulcro da solidão 

conhecedor de que vivemos de engano em engano 
tinha descoberto que também sentia medo 
que este se envolvia no meu corpo 
e que por vezes me provocava calafrios 
sem a plausível fundamentação 
no mais puro anonimato 
e que terminavam na aterradora certeza do isolamento 
nos recantos mais inóspitos do meu corpo 

pelas leis da natureza numa certa natureza 
a ilha é o que mais importa agora e sempre 
e esta tem variavelmente uma melodia que me serena 
como um corpo a sussurrar a outro corpo 
e assim como as noites diluem as sombras 

eu não suporia voltar àquele conjunto de palavras 
e de silêncios que me transformavam num segredo 
mas ainda estava a estender-te a mão



[a ilha]