quarta-feira, 28 de julho de 2021

Deambulação, com personagens




Tu, uma porção de amor a arejar na rua, 
Na rua, talvez, talvez, poema. 
Vais de rosto encoberto e de olhos expostos, 
Por onde te entra o mundo e a verdade crua, 
Por vezes, por vezes, sem veres uma coisa e outra. 
Mas, que sei eu de ti, de mim sabendo tão pouco? 
 
Por momentos, por momentos, eu estou, 
Ou a minha consciência de mim, de mim, 
À superfície da tua retina, tua, 
Como um fio inexpressivo de gente; 
Como um vulto indiferente; 
Um instante de realidades que se cruzam, 
sem cruzar, sem factos. 
Nada se vê do que me vai na algibeira da alma, 
Se nem o meu rosto consegues ver. 
Que verás, nos meus olhos, da minha paciência? 
Que julgarás saber de ti em mim, 
Se, por ventura ou por acaso, algo de mim em ti ficar? 
Nada ficará do nosso rosto. 
Nada para além da possível e casual incógnita. 
 
Eu, uma porção de amor a arejar na rua, 
Na rua, certamente, certamente, poema. 
Vou de rosto encoberto e de olhos expostos, 
Por onde me entra o mundo e a verdade crua, 
Por vezes, por vezes, sem ver uma coisa e outra. 
Que sabes tu de mim, de ti sabendo tão pouco? 
 
Por momentos, por momentos, tu estás, 
Ou a minha consciência de ti, de ti, 
À superfície da minha retina, minha, 
Como um sinal expressivo de gente; 
Como um vulto significativo; 
Um instante de realidades que se cruzam, 
Atravessando a verdade, sem factos. 
Nada se vê do que te vai na algibeira da alma, 
Se nem o teu rosto consigo ver. 
Que verei, nos teus olhos, da tua paciência? 
Nada julgo saber de mim em ti, 
Ainda que, com propósito, algo de ti em mim fica. 
Nada ficará do nosso rosto. 
Nada para além da possível e casual incógnita. 


 [miscelânea]
 [28 de julho de 2021]


segunda-feira, 26 de julho de 2021

Céu autocolante




Aveiro, por estes dias, cheira a asfalto quente, novo; 
Embota-se em múltiplas obras, particulares e camarárias. 
A cidade reclama, reclama sempre e invariavelmente, 
Das obras que, se não se fazem, urgem, de todo, ao povo 
E, ao fazer-se, para os mesmos, são de todo desnecessárias. 
 
O pensamento vacila entre o habitável e o inóspito, compasso, 
Como quem acaba de encontrar a realidade oscilante. 
Os relógios procuram, apenas, a paz desentediante 
Na cidade, nos amigos, nos sentimentos, no tempo, no espaço, 
Todos em obras, todos a ronronar ao céu autocolante. 
E eu, o que faço nestes refúgios imaginários de embaço? 
 
De uma ou de outra forma, dançamos com os vírus, 
Na abundância da solidão e no infortúnio dos suspiros, 
Agarrados aos dispositivos, chamados de “pessoais”, 
Profusamente escrutinados em processos institucionais 
Ou em procedimentos de salteadores digitais. 
 
A cidade reclama, reclama sempre, e cada vez mais, politicamente; 
Tudo é um drama, trampolinice, hábito, recôndito, hipocrisia. 
Nesta barafunda, levam-te a credulidade, a consciência e a alegria. 
Séculos de ninharias reduzidos à volúpia de quem mais mente. 
 
Que saudade do ulmeiro, o meu bom e velho amigo, 
Transplantado no outro lado da cidade, parque dos amores, 
Estagnados, onde, agora, concede abrigo. Podado abrigo. 
Paupérrimos braços, ramos, de paupérrimas cores. 
Delimito o prazo; protelo o abraço; realizo a visita e prossigo, 
Com a fragilidade das pequenas coisas, repletas de rumores. 
E, sim, tenho fantasmas que se assustam comigo. 
E amo de Aveiro. E amo Aveiro. 



[miscelânea]
[20 de julho de 2021]



segunda-feira, 19 de julho de 2021

Fim e Início




Num olhar, carregado de gestos e dons,
Aguardas que desça do mar; que me vire;
Que me dispa dos reflexos e dos sons.
Pedes que me sente um pouco. Que respire.
Que tome uma posição natural, leve.
Dizes que, talvez, a ilusão baste para poder viver
E, como a vida, serás, simplesmente, breve.
Pedes que veja, ouça, sinta, saindo das emoções.
Estás num caminho que não te pode deter,
Que te movem distintos sentimentos e sensações.
Desenho um sorriso, como nos sorri uma errata.
Salta, a cidade, de encontro ao mundo e às obras,
Numa modernidade impressionante, que se quer imediata,
Ou que alguém não quer de todo. Um gesto de sobras.
Não encontro as palavras que me possam sobressaltar,
As palavras não encontram em mim o sobressalto
E o sobressalto está de cabelos em pé, sem palavra; sem ar;
Sem mim; sem trindade e sem princípio ou fim.
É o tempo onde tudo se apaga, ou dilui, e o tempo é um salto;
O mamilo dilatado que se abate; e o teto de um jardim.
Entretanto, antes e depois, sou livre e o desembaraço.
E posso não me sentar, não ouvir, não sentir, não ver…
Ou ser o abraço, tão só o abraço, tão tudo num abraço.
E, como uma ilusão, ser nada.
Não se chora o que não existe.
O poema não chora porque partiste.


[miscelânea]
[vários dias, até 19 de julho de 2021]