quinta-feira, 13 de outubro de 2011

[Em pouco tempo, ou não…] VI – Divisa

     Divisa

     - “O espantalho, conhecedor da sua identidade e inutilidade, sentiu um vazio no lugar das quarenta e quatro palhas e algumas palavras, que o deveriam preencher, e remediavelmente deixou cair os braços relativamente irremediáveis. Ouviu, emudeceu e ponderou. Abusou mentalmente das metáforas e da transformação real preservou alguma da matéria que não se desprendeu.

     Há algumas coisas que alguns espantalhos sabem e há algumas coisas que alguns espantalhos sentem. Assim com existem tantos sentimentos, realidades, factos, objectos, seres… Coisas, que um espantalho desconhece.

     Ele, o espantalho, sabe que após uma discussão veemente, um dize-tu-direi-eu, se despende um grande período de tempo na vitimização; na procura de quais teriam sido os melhores argumentos; nas razões esquecidas, o que ficou por dizer; no que se responderia se fosse agora; na injustiça recebida; no recrutamento de possíveis aliados. Sabe que raramente se pensa na inutilidade da disputa hostil, violenta; na oportunidade perdida de fazer brilhar a serenidade, a paz, a sabedoria e, até, o silêncio; nos estragos causados pelas palavras lançadas de qualquer forma, ainda que sinceras e justas.

     Sabe, o espantalho, ainda e também, que é possível dizer o que se sente sem agredir deliberadamente e conhece o dever de desfazer o equívoco quando se agride de forma não intencional. Sabe que, se o ataque é deliberado, pode, ainda assim, pedir-se desculpa, se verdadeiramente for sentido, para continuar a ser verdadeiro.

     O espantalho reconhece termos e frases: que se entranham; que mergulham no passado e trazem à tona realidades que já não o são; que transportam fases, épocas, períodos, estações e idades; que levantam uma poeira intensa; que trazem os defuntos à vida; que, embora sendo de outros, penetram até ao âmago, até fazerem parte, do terceiro e que dele brotam renovadas.

     Nas várias leituras das suas considerações, reconhece e compreende que alguns ministros não são servidores.

     Os asseios partem na companhia das gralhas. Chegam com elas os resíduos sólidos e serviços que foram institucionalizados e caracterizados para lhe dedicarem mais tempo, nomeadamente, para a aposição de etiquetas e algumas pautas, que são mimos de disponibilidade, de utilização, de consumo, entre outras garatujas, mais ou menos amorosas.

     Da companhia das gralhas procede um carinhoso contributo para uma difusão de quotas, parcelas de espécimen em extinção, onde a cruz há muito que foi substituída por um traço horizontal, julgo que para assegurar a imparcialidade religiosa. Agora o espantalho soa fidelíssimo a uma só entidade do género, creio que, até que a morte os separe.

     As gralhas não conhecem e/ou não querem conhecer, não sabem e/ou não querem saber das coisas do mundo de um espantalho. Cogitam e transmitem que o espantalho fala, pensa e escreve sobre elas em plagiato, quando, afinal, o traje devaneador da imitação é delas, das gralhas.

     Com auto ou sem auto, a criatura sabe que nem tudo o que se escreve e/ou lê é biográfico e/ou fingimento.”



8 comentários:

  1. A convivência diária com alguem não é fácil. No fundo todos passamos fases de espantalhos nas relações. Há fases pequenas e outras que parecem não terminar.

    As gralhas, que eu interpretei, (provavelmente mal que eu não sou boa nessas coisas!!), como mulheres, não sou todas iguais. Tal como não acredito que os homens o sejam.

    Para terminar, senão daqui a pouco vens dizer que sou gralha também -brincadeira! ;) - tudo o que se escreve tem um fundo, mesmo que infimo, de realidade. Mesmo que não seja a nossa realidade.

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  2. Isto por acaso, terá a ver com um discurso ultimamente na berra...?
    Porque me sinto (palha), e os corvos retiram ...

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  3. Tony:
    Não, nem com o "Feiticeiro de Oz".
    É, apenas, mais um personagem.

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  4. Creio que hoje escreverias "[...]quarenta e cinco palhas [...]»".
    Gosto imenso!
    Beijinhos!

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  5. as palavras devem de ser doseadas porque quando as entregamos pode fazer um estrago grande ainda que posteriormente as desculpas aconteçam, aos poucos vão destruindo os sentimentos e um dia já nada resta
    beijinhos

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    1. De encontro ao que escreves, há um provérbio chinês onde se diz: «Há três coisas na vida que nunca voltam atrás: a flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida.»
      Beijinho

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