Não nutro qualquer preocupação com a possibilidade de morrer. A minha morte, pelo menos quando estou acordado, não me assusta. Já desejei morrer quando, acima de tudo, o que mais amava era a vida. Mas nunca reagi bem à notícia da morte, muito menos à daqueles que, de alguma forma, me são próximos, ou dos seus familiares. Fico pesaroso e, acima de tudo, sem palavras. O assunto, enquanto fresco, emudece-me, bloqueia-me, descoordena-me.
Quando o R telefonou para me informar sobre a morte do SA, fiquei prisioneiro de um breve instante de imobilidade, sem reacção. A ladainha continuava, na mesma cadência hesitante, trémula, emocionada e, por bem, lenta. R contava que, aparentemente, o SA se tinha suicidado. Assimilei, sempre em silêncio, que o SA se enforcara; estava a divorciar-se; foi encontrado ao terceiro dia.
No final da narrativa, sem a noção do tempo, por fim, quebrei a minha mudez e perguntei sobre a data de realização do funeral, que já decorrera. Articulei as perguntas e as expressões mais ou menos habituais sobre sentimentos, circunstâncias, reacções, afectos. Formulei as perguntas usuais entre pessoas que não se vêem e não se falam há muito tempo. Agradeci o telefonema. Concordámos sobre a carência de um encontro, acordando-o sem o acordar, realizar-se-á um dia. Cumprimentos, abraços e desligámos. Pousei o telemóvel e fiquei imóvel, em silêncio, no silêncio possível de um início de dia.
Há mortes para além da morte física.