Mergulhada para dentro, bem fundo, em pé,
atrás do balcão, como se não existisse, bate,
ligeiramente, as asas; compõe a auréola,
languida, teatral e delicadamente, como se ela,
a auréola, se pudesse partir num gesto mais
impensado ou brusco. E eu, que entro invisível
e fora de tempo, sento-me e mergulho os papeis
nas palavras onde me amalgamo sem acordos
ou regulamentos. Ninguém saberá onde começam,
ou terminam, os papeis, as palavras, eu, a mesa,
a cadeira e o próprio espaço que ocupamos.
Entre paredes: um universo. A felicidade procria,
a um canto. Nas paredes umas grandes nódoas
da humanidade. E, num dia calmo como o de hoje,
tudo permanece assim, num tempo desmedido.
Até que ela, vinda de muito, muito, fundo,
prepara um café, que eu nem pedi, nem consigo
recusar, e, em voo, o deixa no espaço que será
o da mesa, que não é minha. Sem perder tempo,
antes que me esqueça ou o café arrefeça, paro,
separo-me das coisas, organizo-me e bebo-o,
sem açúcar, sem mexer, em contramão.
[sobrevoo]