sexta-feira, 2 de março de 2018

Singularidade





Transformada a poesia numa imensa capoeira, 
hoje, sou eu que cisco nas folhas de papel, o meu chão. 
As palavras são, agora, minhocas e não há amanhã. 
Por isso, cisco sem pressa, sem medo, sem confusão
ou, apenas, com a confusão necessária ao movimento 
suficiente para me resgatar do infinito do hábito. Não 
aparenta, quase não se nota, mas, eu voo, enquanto cisco.  
Voo sem voar. Voo o bastante para manter essa ilusão. 
E o meu céu verde, continua verde. Talvez cisque em mim. 


 [sobrevoo]



quinta-feira, 1 de março de 2018

Do meu céu




Nos dias em que as palavras imitam, primorosamente, as galinhas 
e ciscam, minuciosamente e com grande afã, as folhas de papel, 
a vida escorre-me mais rápida pelos poros, no meu céu, verde. 
Um céu verde em lume brando, a dizer os contornos de corpos, 
de cujos olhos nascem sóis ardentes, que cegam o arame farpado 
das razões e esgotam os sentidos das palavras, tão distraídas, 
no efémero que fica do efémero que passa; onde há sorrisos 
emboscados a dizer sorrisos que dizem risos e um céu, o meu. 
Porque não haveria, eu, de ter um céu, verde, mesmo verde, ou 
a transitória sensação de o possuir, onde, ainda, se permutam 
as carícias amorosas intemporais, sem rede, sem arnês, sem 
qualquer carta de voo e com pássaros de nomes desconhecidos? 


 [sobrevoo]