Saberás soletrar-me, desprendendo-te
E deixando-te envolver na poesia.
Ganha-lhe um qualquer sentido,
Que te faça sentir, e sente.
Não te atormentes com o sentido de ontem,
Ou com o sentido que não fará amanhã;
Se sou, ou não, o poema;
Se, afinal, o poema és tu.
Flui. Soletra-me,
Pelas tormentas que ultrapassam as tormentas;
Pelas brumas que ocultam as brumas;
Pela luz que ofusca a luz;
Pela alegria que ultrapassa a alegria.
A poesia voa, sem voar, voa;
Ri, de facto, sem rir de verdade,
Acreditando que pode ser o que não é;
Que posso ser eu;
Só eu, ou, só tu;
Nós?!
Soletra-me,
Do desassossego ao silêncio;
Do oculto ao risível;
Da impassibilidade ao êxtase;
Do parco ao excessivo.
Nas métricas clandestinas,
Nas entrelinhas de algodão ou de arestas,
Sente, à-vontade.
Posso ocultar-me na seiva do ulmeiro,
Da oliveira, do carvalho, do pinheiro,
Ou de uma qualquer árvore;
Ou ficar exposto nas fachadas, no ar,
Ou impregnado nas retinas.
Sou, apenas, aéreo, sentimental, sensível,
Sem a sensibilidade das coisas pequenas
E das pequenas coisas,
A envolver e a ser envolto;
Líquido,
Para saciar uma certa ideia de sede,
Lavar uma noção de mágoa,
Não afogar a vida
E parecer intransponível.
Sólido,
O suficiente para não nos esmagarmos,
Para não nos sentirmos neblina,
Para não sermos o tudo ou nada,
Para parecer uma muralha.
Soletra-me,
Com a minúcia de quem desvenda,
Com todos os sentidos,
O aqui e o ali do que me compõe;
Com a vontade de uma sede, se a tiveres;
Nas tuas palavras,
Em ti.
Soletra-me.
Estou, propositadamente, lento:
Sorvo, demoradamente, a vida.
[miscelânea]
[13 de maio de 2022]