Aquela que os turistas não veem,
Continua a reclamar. A cidade reclama,
Numa campanha permanente, permanente;
A qualquer hora de um qualquer dia, noite e dia;
Erodente, muitas vezes, entre dentes,
Num aparente, aparente, silêncio. Silêncio.
Chegou o silêncio, com ele chegou o gato mais velho
E, na companhia de ambos, tudo continua só.
O gato adquire a forma de um ovo, no seu nicho,
Com a cidade ao fundo, no poente, no horizonte.
Um horizonte cheio objetos, luzes, sombras. Coisas.
As coisas procuram um fundo que nunca viram,
Que não sabem ao certo se existe; por hábito.
Talvez o hábito seja o grande sentido da vida,
À luz desta lua e destas estrelas, deste céu finito;
A nu, neste hábito de tomar banho e de ponderar.
Nenhum acrescento se encaixa na missão decidida
De coração aberto, como uma janela, ao luar,
A sentir a brisa mansa, humente, tépida, que cogito,
Lambendo o dia, as sombras, os brilhos, os rumores.
Uma imensa nuvem esconde, agora, as estrelas,
Adensa o silêncio e com ela chegou o gato mais novo,
Dengoso, fazendo anunciar que não quer festas.
Andou numa festa excessiva e ambiciona ausência.
Come sentado. Mordisca sem pressa, com prazer.
Gosta de se sentir observado e observa, sente,
Sem dar a entender, ou assim julga fazê-lo, fingindo.
Talvez o hábito seja um fingimento e um abrigo.
[miscelânea]
[12 de agosto de 2021]
Tão boa, esta miscelânea!
ResponderEliminarBeijinho, Henrique 🙂
Novos tempos... que tornam a cidade mais arisca... e menos dada a festas...
ResponderEliminarEsperemos que esta nuvem passe... já que estamos há quase dois anos, sob a sua sombra!...
Enquanto isso... vamos imaginando as estrelas...
Belíssimo momento poético, que tão bem descreveu, este espírito de transição, que se vive neste estranho presente, nas nossas cidades...
Beijinhos! Feliz semana!
Ana
Como que um jogo de palavras e de sensações, que me fazem encontrar sentidos, histórias, para além do óbvio, que é o que faz um bom poema ou uma boa prosa, e que vão além do porquê. Muito bom.
ResponderEliminarBjks