terça-feira, 23 de abril de 2013

nessa visão




contigo escassamente antes
de ti nada agora
observo que tu nunca mais
e a poesia moribunda em mim
arroja-se à calçada
pejada de frases estropiadas
palavras e letras extenuadas
que me apelam guarida
e soluçam esgotados sentidos
desprovidos sentimentos
incautas emoções
descuidados afectos
enquanto recebo a todos
de ninguém

jaz o significado
de ostentar a aura de revoltas
o contrário que furta a vontade

eis que brota a energia do feito
força de antecedentes fadados
resiliência imune às partidas
nessa visão cúmplice
de mar onde ondas são reciprocidade
a essência é a maré
e égides são as verdades
não por não ser perfeito

comigo antes
de mim hoje
eu continuamente
e o verso vivo



sexta-feira, 19 de abril de 2013

azo desobrigado





os sons encapelam-se pelo desgaste
as vozes atropelam-se pelo todo
a minha sombra sai do quarto
e comove o asfalto em parto
onde jaz a frase inteira e dolente
sem garantias sobre o teor primário
- por último perece a cisma e não a esperança
e à margem fica o lajeado incoerente
consumido pela sanidade do momento
tempo onde erram as forças convictas
que lambem o que eu era no contexto
sobre sargaços de penas e parcimónias
a realidade do vínculo é o sentido restrito
da ponte que fragmenta as margens
um dilema que hoje é um sorriso aberto



quinta-feira, 11 de abril de 2013

retomar




às vezes tudo parece irreversível e planeado
a rotina e o cíclico involuntários fundem-se e incorporam
e a sucessão grada a normalidade e a frequência

por vezes é difícil recordarmos a pessoa que somos
projectados em sons e reflexos singulares
o corpo é demasiado exíguo
o mundo excessivamente estreito
e o tempo é uma memória

a vida apela-me para tantas coisas em simultâneo
sinto que não estou num abraço que não chega nem basta
o amor não existe no sobressalto
e por vezes perdemo-nos da existência
quando tentamos tão só e apenas encontrar-nos



quinta-feira, 4 de abril de 2013

Mínimo





O fio partiu e o verbo amar perdeu a conjugação;
O reflexo íntimo perdeu o significado e o sentido;
As linhas do corpo, que é saudade, dissiparam-se na memória.
Há uma última porta fechada, que era uma última frincha de consolação;
Há um último rasto de uma última lágrima, num último gemido
De um adeus velado, claro, prematuro e sem história.
O frio partiu e o verbo recomeçar é conjugado no singular da primeira pessoa,
Por muito que possa custar e por muito que doa.



terça-feira, 2 de abril de 2013

O sujeito do sinal




Enquanto, silenciosamente, as recordações se multiplicam,
Indiferentes aos brilhos que a chuva confere à cidade,
Assumam-se as sombras difusas de cumplicidade
De uma miríade de pequenas criaturas, que suplicam
E oscilam, entre a luz e a obscuridade.

Recebo o relento, aguardo que o céu caia,
Entendo frases com cansaço e realidade
E estendo frases com braços de saudade;
Adivinho a maré que beija a praia
E desfruto da rede imperturbável da afinidade.

Ouço o mar, com um mar dentro, que outro mar contém,
Onde se exortam sonhos que ocupam vagas,
Resistentes à rebentação sobre a linha de fragas,
E que despertam essências que advém,
Despojadas de conveniências, ardis e adagas.

No contínuo retorno da água, descubro o alento,
O balanço e o som que me embala.
É o mar, incluso, que me fala,
No seu linguajar intenso e lento.
A laguna, infusa, considera e cala.