sábado, 22 de abril de 2017

Breve



Numa noite mais fácil, bebo a primavera da luz, 
as palavras dizem os contornos da água 
nas estrelas que cantam os rumores oceânicos 
e o efémero do corpo espelha uma qualquer alegria, 
ou seja, uma alegria sem motivo aparente, 
com uma agradável e nítida sensação de leveza. 


 [sobrevoo]



sexta-feira, 21 de abril de 2017

Ocular



Terão nome, os meus olhos 
que entregam os sinais de primavera? 
Serão janelas 
por onde entram o declínio da luz, 
as imagens dos contornos, 
os medos dos pássaros, 
ou o furtivo dos gatos? 

Sou um pouco mais do que eles, 
os meus olhos, 
que são os de quem, por bem, os procuram, 
sílaba a sílaba, 
em espirais de palavras voadoras, 
os versos. 

Poderão ser espelhos que eu não vi, 
os olhos, os meus. 
Talvez neles consigam lavar as mãos 
ou deixar a dúvida que balbucia a chuva 
dos olhos, dos meus olhos, 
onde sonho os dedos, os meus; 
onde acendo o corpo, o teu.  


 [sobrevoo]



quarta-feira, 12 de abril de 2017

[Céu]


Em Portalegre há mais céu, 
para o qual não comprei bilhete nem fui convidado. 
Nada é definitivo, mas todo este azul é meu, 
assim como toda a sua ilusão 
e, sobre tudo, o seu silêncio. 
Neste céu escrevo um pouco de sombra 
bondosa e indelével, 
que se poderá abrigar na serra 
como um indício essencial de verde e de paz. 


 [sobrevoo]



terça-feira, 11 de abril de 2017

Trecho


Os versos do último poema acendem a manhã, 
sem ria. Encontra-me o assédio da primavera, 
no rebordo das miragens insólitas das planícies 
que compõem o horizonte geográfico da tua imagem. 
A tua imagem de futuro, um brilho obstinado de frases, 
a concha do desassossego num escaparate de poesia. 


 [massivo]



sexta-feira, 7 de abril de 2017

Vêm renascer à ria


A cidade enche-se de páscoa. A sua depressão 
de inverno: curada pela chegada da psicologia 
multilingue de olhares ávidos de salvação 
e deslumbre, que, num impulso brusco que pausa, 
seguem a tribo hasteada, com o olhar, para ver longe 
a polpa do seu longe; deambulam nas marés vivas 
de momentos irrepetíveis e na afabilidade do clima, 
onde se exceptua o sobressalto do seu rubor que é 
a demora do meu sol na sua pele, ou algo assim. 


 [massivo]


quinta-feira, 6 de abril de 2017

Isagoge


Encontro, no elevador, parte do perfume que se cruzou 
comigo no passeio. É um perfume sem rosto e, contudo, 
tão gentil, como se existisse para alimentar a minha luz 
interior e não fosse um rastilho de vóltios para um drama 
que a linearidade do outono não entenderia na primavera, 
nesta sinopse verosímil de primavera de possíveis ângulos 
de observação desdobrável. Porém, quando o elevador range 
a evocação de um deus devorador de perfumes que geram 
emoções sob fascínio do anonimato, o dia regressa à vaga 
do fado feito de múltiplos e pequenos pormenores imprevistos, 
os perfumes evaporam e o dia precipitar-se para o encontro 
inevitável e repentino com o escritório à beira da loucura. 


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terça-feira, 4 de abril de 2017

Pela pequena porta


Perco o coração na ria, repetidamente, habituado à rotina de se perder. 
Sei que a primavera é maior do que o pensamento e que não se deixa 
aprisionar em fotografias digitais ou analógicas, em espelhos, na retina, 
nas palavras, nas memórias e estou a tentar senti-la no caule do poema; 
a esquecer as perguntas em chamas, que não se conseguem ver sem piscar 
os olhos, várias vezes, e que aparentam incendiar as memórias à beira 
da reforma ou à beira de um novo rumo que entra nas pupilas cheias de céu. 


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