quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Ao balcão





Esta é a consciência de que todos somos personagens 
de uma vaga da história, em dias mais ou menos fáceis. 
Este é o lugar que mais os aproxima dos livros, de que 
não necessitam (os personagens que transmutam as suas 
fisionomias, numa luta ininterrupta pela sua sobrevivência 
ébria, e que, na realidade, contém todas as elementares 
instruções); que mais aproxima a nossa mútua e precária 
existência e é uma espécie de taberna. Do outro lado de uma 
rua muito estreita, ainda resiste uma casa onde residem livros 
resilientes e que não estão presos a ninguém (como eles), 
apenas a uma instabilidade (como a nossa, a de todos nós), 
como que uma biblioteca. Mas creio que, reflectidamente, 
a proximidade não se fica por aqui e é aqui que, por vezes, 
venho tomar um café expresso, incomparavelmente amargo. 
Como se, também eu, esperasse encontrar um fundo de razão 
num fundo de chávena com borras; onde sou eu o personagem 
estranho, miserável e cheio de resíduos, por quem os deuses penam 
às janelas, e que leva uma bofetada da vida, sem sequer a ver 
passar, vida que só aos personagens de outros fundos pertence. 
Aqui, ninguém quer ajuda e a ajuda fica, obedientemente, à porta. 
Este é o sorriso de quem sabe que é igual e que pode levar consigo 
muita da miséria, que é a nossa alegria de ter coisas que não deixam 
voar. E depois voo, tão rápido quanto a minha imaginação o permite. 


 [sobrevoo]
 [04 de setembro de 2017]



3 comentários:

  1. A deambular, talvez, à procura de sentido, de algum estremecimento, de um banho de realidade, uma fuga... Tudo o que a imaginação permita.
    Bjks

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  2. Podemos não encontrar um fundo de razão... num fundo de chávena... mas que nos devolve a energia para continuarmos a ser os personagens da nossa própria história... com voos mais ou menos imaginativos... é um facto!
    E é ao balcão que constatamos que a amargura do café... é nada... perante as amarguras da vida... e um escape... de alguns minutos... das ditas cujas...
    Gostei de te encontrar ao balcão, por aqui... :-D
    Beijinhos
    Ana

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