quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

a possibilidade

  
  


era uma vez a possibilidade que me levou ao abismo
onde qualquer amor impossível nos conduz.
recordo os dias em que quis beijar
e os beijos ficavam ali a flutuar em optimismo,
naquela ânsia e vontade que seduz,
e os lábios encontravam somente o ar.
recordo os dias pejados de eufemismo
em que pretendi abraçar simplesmente
e o abraço era aqui em mim, para alentar,
na acidentalidade de um absentismo,
sempre com um mimo apertado e diferente.

depois, a ternura saía num pedaço de papel
de onde me surgiam braços e lábios,
em símbolos e momentos que eram mágicos e sábios.
com eles atravessava o mundo montado num corcel.
recordo-me dos dias em que quis ser a fantasia
e a eventualidade que me levou ao entendimento,
no paradigma dos dias que eram esquissos e correria:
a possibilidade era a ironia dos sentidos e do sentimento
e o abraço ficava na neblina inquieta e ribeirinha da poesia…




quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

, [vírgula]

  
  
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para o atónito gosto onírico que sorria,
há um assombro absorto e embaçado
num coração apertado…
ontem, fome era a água da ria;
hoje, é o seu leito
com uma dor no peito…
à chuva,  esqueço sonhos reais
em escombros de sentenças digitais.
na vida, vivo apenas o que eu poder,
e eu posso o bastante…
mas, num poema só vivo o que eu quiser,
e eu quero tanto…




terça-feira, 21 de janeiro de 2014

do cuidado




do tempo que está cansado, 
é a noite e um ponto sem retorno 
que se arrasta num meio morno. 
deixa que venha o sono de caso pensado 
e a fantasia de um ponto encantado 
no leito composto por chão de desejos e essência, 
para que te afague um sonho despreocupado, 
para lá e além do pardacento frio da incoerência 
no céu limpo do calor da existência. 


  

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

circunstância intrínseca




ser um caso perdido. 
ver o destino da partida 
e ser a partida do destino. 
ser a lacuna omissa da periferia, 
um poema de um segundo, apenas, 
e arrumar o corpo num verso, 
com a alma num intervalo apertado de dois termos. 
ver os afectos tão simples e simplesmente possíveis; 
acolher o que não existe e nele todos os vazios. 
ser o instante e a metáfora; 
a realidade que se tinge na figuração, 
como quando se guarda o amor na gaveta de um pleonasmo. 
fazer parte do poema e existir dessa forma. 
é tão bom ser assim, tão: nada! 


 

domingo, 19 de janeiro de 2014

ponto de regresso


canal central


há sempre um lugar à margem 
foi uma onda que me despertou 
ser a calma e ficar e partir em chama 
dentro de um poema sem hora 
e fiz-me à estrada, um caos, sem pestanejar 
há uma ponte no rio que me facilitou o regresso 
para o conforto do abraço da ria 
onde há um lugar para ficar em silêncio 


  

sábado, 18 de janeiro de 2014

da alcala à rede




cessa o ímpeto tenaz e lúbrico
não é líquida a combustão de alento
é a vida num desassombrado discernimento
para além de um desembargo esconso
que termina um acervo falacioso
de um velado sofisma de presunção

tocar na ferida em carícia e sentir a dor
regressar lenta e persistentemente
reveladora forma de existência
numa denúncia colorida de desculpa
que despe a fantasia fatigada
de um caminho antigo e conhecido


  

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Notas de início




Hoje, toco com a pontinha dos dedos, 
Quase que só com a energia, 
Sem medos, 
Para tocar mais fundo, em ti, em euritmia… 
Quando, no fundo, 
Eu sei que não posso tocar no mundo. 
  
Hoje, sou uma brisa; sou o que quero; 
Sou o que posso, amanhã não sei. 
E não me digas! Não quero saber! 



quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

palavra que são palavras



- -


no início inventaram a palavra 
palavra que nasce de palavras 
choram, riem e dormem 
comem e voltam a dormir 
reconhecem a palavra que as gerou 
amor de palavra para palavra 
desconhecem o mundo 
palavras que crescem para ser palavras 
e brincam e giram 
conhecem o amor da amizade 
sorriem, riem e gargalham 
e cantam e dançam 
e voltam a chorar e dormem 
e comem e voltam; inventam-se 
caem e correm 
palavras que vêem palavras 
e deixam de ser crianças 
e despertam para os afectos 
e voltam a dormir e choram 
reinventam-se para voltar e comer 
e se enamoram 
palavras que cortejam palavras 
em namoros tácitos 
amores tórridos 
paixões e amor 
amor e sonhos 
conhecem o amor romântico 
sono, insónias e choro 
cair e levantar 
para voltar a amar e a desejar 
palavras que penetram palavras 
em ânsias e arfares 
gemidos e abraços e beijos 
em jorros de prazer e êxtase 
o frémito, a rendição 
sem sono, com mais choro menos choro 
palavras que engravidam palavras 
palavras que engravidam de palavras 
e se transformam e dormem sem dormir 
e choram e, por vezes, duvidam 
conceber, gerar ou não 
palavras mães e pais de palavras 
de únicas e de múltiplas palavras 
palavra 
palavras que nascem de palavras 


    

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

perguntas-me sobre o que sei eu da vida






perguntas sobre o que sei eu da vida para além de viver 
quando a noite se deixa embalar por uma fantasia 
e essa fantasia está embrenhada e entranhada de noite 
formando um labirinto imenso que toma sonhos 
que confunde criaturas que vivem para além do dia 
e as que dão a vida por coisas que ninguém conhece 
quero que saibas dassiano que nem do viver e viver eu sei 
conhecedor do frio que sobrevêm de uma incerteza 
  



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

uma princesa num poema de louco






na realidade a noite chegou
sem eu saber bem como
não sei se em sonho foi
que vem num acto mais e contínuo
e chego eu com ela
em parte
quando parte de mim ficou
não sei bem onde ou quanto
e quanto de mim se gasta e expande
onde tudo é nocturno e noite
quando hoje sou um errante
tão cheio de fantasias e dia
porque sou eu a narrativa
de suspiros erguidos ao relento
que admiram a luz das estrelas
que falam a língua dos reversos
onde tudo o que resta é ria
e uma princesa num poema de louco
que só dentro dele se pode ver
só fora dele em verdade existe
sem eu saber bem a que ponto
com mais dois na reticência
uma suspensão de infinito
num fragmento em vigília
onde afinal a noite acontece



a ria volúvel

  
  
e, próximo, um moliceiro amarrado e mutilado.
aveiro está a um passo, atrás desta ria
ou à frente, também, e além.
talvez, em parte, à parte
dizer, apenas: amor!
e tão só,
mar.


segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Ao cair da noite




Saneada com pavor e lágrimas, 
A sombra que me abandona à noite, 
Nas sombras que à noite me tomam 
Dentro do meu céu, depósito de vultos, 
Entregou o meu nome ao vento, 
Dono de tantos, e que nunca desiste de voltar, 
Num traçado de abraço eterno 
E que toma o esboço das linhas do meu corpo. 

Não sei com que rosto regressará o meu nome, 
Nem com quantas realidades contestadas. 
Mas a sombra, que me abandona à noite, 
Regressará ao alvorecer para se erguer comigo 
E, de novo, ser mais do que companhia.