quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Vez


O momento era uma vez,
Uma vez que era uma parte de uma
Vida transformada em argumento, onde,
Era uma vez,
O local onde se encenava a vida através da vida.
Uma vez olhas para a ria e não vês o motivo,
O motim,
Tumulto que eleva a vida,
Quando tem vez.


Pode ser lido como

Descrito
Do mesmo modo que fragmentos do tempo e do espaço,
Um estado
De miscelânea de afectos,
Inocentes,
Onde o ensaio para ver
O inverso
De sentidos de justificação empírica
É apaziguado
E vencido pela tranquilidade do deleite
Da alegria
Simples, acessível e espontânea.


Uma causa, eu sei

Só as tuas palavras me dizem que existes
Em mim,
Num afago sublime,
Ascendente e descendente,
Em parábolas e círculos perfeitos,
Num frémito insolente e terno
De directriz.

Mudem tudo,
Mesmo tudo, tudo!
E não prossigam só quando já não poder ser comum
Suster,
Não só os termos, mas as sensações
E os anseios.

Mais me une
A ti
O sentido que não se satisfaz,
O tempo que não encontro,
O caminho que não percorro,
E tudo
O que existe para além das letras
E perdura nos séculos.
E o amor.


terça-feira, 30 de outubro de 2012

Na realidade


Na realidade, nem de longe sou um poeta
E é essa mesma realidade que me chama, sem filosofia,
Que me desperta, em justiça,
E me mostra, cegamente,
Com uma seta de lei em fundo de seda,
O caminho que está além
E que eu sei que existe, mas não se vê.
Sou um louco espontâneo e sem escolha,
Por pura eleição,
E não recuso ser o protagonista da minha história,
Igualmente louca, que escrevo todos os dias
Sem que estes me pertençam,
Mesmo enquanto vagueio pela cidade,
Mesmo de baixo de chuva.
Vivo alucinado
Num esboço reservado,
Amante da vida e da liberdade,
Da ria e da sua excentricidade.
Estou sempre tão perto,
E é certo,
Sou quase, constantemente;
Provável, permanentemente
E nem é essa a questão,
Ainda que se uniformize a normalização.
Dispenso o público, a assistência,
Desvairado e sem paciência,
Pereceria sem o afecto da loucura
E isento a vida, da qual sou militante.
Não sei onde me fiz, fui-me fazendo,
Num gerúndio que abomino.
Sou frequentemente infrequente.



Persistente


Um silêncio feito e outro projectado.
O som fica tão longe!
O desejo imaterial de preencher
Os espaços que fermentam a distância
Com estrépitos de conforto e consolo,
Alia-se à vontade material de fruição
Do corpóreo intelecto de uma luz viva
Com sussurros de deleite e contentamento.
As sombras despem-se do cinzento-escuro
Para vestir o negro mate
E de ninguém, mesmo ninguém, se recordam
Em torno, sem torno, de uma vasta noite.
Repousadamente dorme a chuva que cai
Numa viagem de eras milenares
E lava a insignificância de um desuso,
Por vezes em sigilo.
Muitos momentos perpassam
Na memória de um amante em silêncio,
Ainda que sereno seja.
Um silêncio formado e outro despedido.
O som fica num ermo!
Não está só,
Ouço-o no recôndito do alto mar,
Num peito de vaga e na orla das costas.
O amor é um local alienado e sem fadiga
E fica sempre assim,
Num marulhar ininterrupto,
Mesmo quando aparenta dormitar,
Entre o anseio incorpóreo de completar
E a determinação física de apetência.
Um silêncio demisso e outro que não se cala,
Nem pode calar, porque o amor não é um ponto
E o seu som existe!


domingo, 28 de outubro de 2012

Desde aqui


Observa o mar de afectos que se esconde
Por detrás de uma vaga de esperança
E as diminutas lágrimas de nitidez,
Como enfeites e afagos,
Que se aproximam, sem confrontar,
Em esteiro de espera.
Vê o último e novo brilho da Lua
Que cintila no rosto de um destinado,
Dividido pela matriz completa
E pela maré vazante.
Admira o horizonte, perene, da verdade
Sem molduras e confia-lhe o olhar.
De boa-fé ofereço
O calor que me falta
E completo o aconchego necessário,
De afeição, em abraços.


sábado, 27 de outubro de 2012

Esquina


Forte de São Miguel Arcanjo, Nazaré, Portugal
Forte de São Miguel Arcanjo ou Forte da Nazaré (Forte do morro da Nazaré - Farol da Nazaré) - no Promontório do Sítio da Nazaré, Portugal
(vista parcial)



sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Rossio de Orfeu



Pelo fim da tarde esguia
Fiquei-me pelo som pungente da ria
E rimos (a ria e eu)
Como quem parte céptico por Orfeu
E então os risos despertaram as messalinas
Vestidas de Rossio e varinas
Num adeus séptico de quem convida
Para um desagravo de vida
Não censuro o escarnecimento
Nem me provoca contentamento
Numa isenta neutralidade líquida
Que nos funde o dorso de ridícula
Já diluído na firmeza intrínseca de desapontamento
Que de autêntica ostenta o magro momento
Uma milésima de estima se mistura
Com a neblina que principia pura
E a ria acomoda-se genuína e resignada
Com o meu manifesto e legítimo nada


...Nas nuvens


céu

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

O contexto de limitação com texto de arbítrio


Nada está escrito
As palavras estão pelo meio
E pelo meio vivem inconclusas
Vocábulos inacabados
De fórmulas circunspectas
E como nuvens ganham novas formas
Perdem-se pelas ruas da cidade que desvela
Amorfa e alheia às alas da condição
Como se subissem serranias ou montanhas
Mas não é manifesto
Não está descrito em termos que possam ler
Porque as palavras relembram que estão sem forma
Porque há um fim que pode iniciar na entrada
Na metade de uma empresa
No terço de uma gândara
No quarto de uma floresta
No quinto de uma vontade
No milionésimo de milha
Porque há uma estrada
Que pode ser consertada
Onde é possível aparelhar as pontes
Com um machado de paz e vulto
Ou ergue-las com rocha talhada pelo suor de um sonho
Ou erigi-las com betão de uma firmeza sensata
E no final
Por certo
Nada nada decerto está verdadeiramente escrito
As palavras palavras estão incompletas


quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Veado

  



Circunstancial


     Protegi e arrumei metáforas e alegorias. Senti frio, não só o frio físico mas, também, aquele que arremete sobre o âmago e o invade. Não me surpreende esse frio que vem de fora, surpreende-me a pronta renúncia e desistência de algum do calor que vem de dentro. Não sendo meus, o frio ou o calor, de forma sensata, consigo acautelar o frio com um simples casaco, que transporto a tiracolo, mas nada posso fazer pelo calor que vacila, foge e se transforma em frio, por mais que o afague e/ou feche esse abrigo composto por discernimento e matéria que o favorece. Há calor que só se extingue, como, também, há frio que insiste em congelar.