quarta-feira, 23 de maio de 2012

Muro (III)

  

  

Alinho


Que te amo digo,
E sonho quando o declaro;
Quando o recito;
Quando o guardo para nós;
Quando estamos sós.
Que te amo escrevo,
E sorrio sozinho;
Quando estás e não estás;
Nas horas boas e nas horas más.
Que te amo penso,
E desenho mais um sorriso;
Quando fecho os olhos e te desejo;
Quando abraço o meu abraço;
Quando te sinto sem sentir.
E porquê?
Digo, escrevo e penso:
Que te amo eu sinto;
Que te amo eu sei.
És especial e encantadora!
Fascina-me o teu interior e aparência;
Cativa-me a tua sagacidade e inteligência.
Queres que o escreva de novo?
E a saudade é um sofrimento
Numa réstia de esperança.


segunda-feira, 21 de maio de 2012

De braços num abraço desejado


Há batéis que transportam as marolas
No local onde nascem os desejos,
Por entre salvas e festejos,
Enquanto o meu peito cede, sem esmolas,
Onde se ordenam as vontades,
No centro de todas as realidades.

A escolha e o querer que remam para o mesmo lado,
E a possibilidade e a licença em sentido contrário,
Onde se desenha um círculo cerrado.

Um anseio de descobrir, que aspira ser descoberto,
Cresce nas determinações de sonhos,
Num tão remoto que se reconhece tão de perto.


domingo, 20 de maio de 2012

Suporte


O silêncio é um batente e meu amigo,
Num ancoradouro antigo,
E as recordações, leais companheiras, a onda,
Onde se despem os medos,
No amor das marés que são nossas,
Que uma ou outra gaivota ronda
Para assinalar os penedos.


quinta-feira, 17 de maio de 2012

Coelho bravo

  







Envolver com os braços


Repara:
Acumulam-se dias,
Revogam vidas,
Plagiam crises.
Enquanto se fecha o olho-d'água,
Que alimenta a pequena vala foreira,
Que conduz a água para o açude
E que fazia mover a roda da azenha,
Uma construção decadente.

Deixa que os meus dedos se afirmem
Na pele do teu rosto
E te arrebatem no arrepio do pescoço
Que se estende até aos ombros.
Dá-me a tua mão,
O silêncio protege os nossos sons
Em ebulição latente
E embala o afago assimilado.

Sim,
Vê os olhos
De um folhetim sem fio;
Observa como o tempo parte as leituras
Que rejeitam escolhas livres no seu destino,
O deitar no confim de um frio.
Protejo-te com o meu abraço.
Contempla o pôr-do-sol no horizonte,
O futuro, e vive a primeira brisa,
Sem pressa.


quarta-feira, 16 de maio de 2012

Casa (I)

  
  
  

Silêncio de tecto


Num vácuo de ensaios,
A sombra projecta um corpo
Que se acrescenta e amplia
Longe da escala,
Em ímpetos de misericórdia descoberta
Que se filia
Num olhar absorto.
Silêncio de tecto.
Planta o possivelmente ao lado do provavelmente
Que suspende o plano
E interrompe o inseparável paralelo
Que se agiganta num ralo de adivinha antecedente.
Livram todos salvo eu.


terça-feira, 15 de maio de 2012

Lua




Ao lado

De que lado do espelho me espelho,
Quando me deveria alçar sem atraso
Na superfície polida onde me assemelho?
De que lado do espelho me espalho,
Quando não necessito reflectir a prazo
Na saliência de uma gota de orvalho
Do meu reflexo contuso
De corpo confuso?

A simetria contorce entre o que favorece,
O que depressa esquece e transformas
E a inutilidade do mundo das formas,
Na natureza que arrefece.


domingo, 13 de maio de 2012

E hoje… (XXXI)



     …Não prossegui. Não descubro a medida, nem a norma. Abrigo os fragmentos de existência para suavizar a noite, onde necessito ditar a essência, orientar o ímpeto, vergar a obstinação.


Breviário [XXVI]


     Não há qualquer afeição quando a ausência é interior e não existem bons sentimentos e serenidade quando a afeição é o controlo.


Telhado

  



sexta-feira, 11 de maio de 2012

Situação meteorológica

  
condições / situação
Parque / Zoo Santo Inácio | Avintes | Vila Nova de Gaia



Práxis



     Mais dois passos e posso entrar em casa. Afago o ânimo cansado. Algumas metáforas permanecem assustadas, a um canto, no bolso, agarradas as chaves e, no entanto, lembram a sua natureza e emitem um sussurro. O sussurro de quem avisou; o sussurro da providência descuidada.

     Passam próximo o enlace de um abraço que parte, montado num desejo arrancado, e outros abraços que fogem a pé.

     Entro. Regresso. Os devaneios acumulam-se com o pó dos sonhos, sobre os afectos imobilizados, móveis que não escondem o seu princípio e serventia. Algumas emoções brincam, enquanto os olhos se adaptam à luz dos acontecimentos, que se propaga após ter accionado o interruptor, instalado na memória viva de uma parede que se quer resistente. E lá estão os sentidos e os sentimentos descalços, sentados no silêncio da dor.

     O rouco da garganta, entre o modo e o consolo, saúda os mistérios e a alucinação das carícias devotas. Há metáforas de contentamento espalhadas por toda a casa. Digo.

     A cozinha espera pela confecção dos discernimentos; pela fala. A comida vai alimentar o corpo da esperança, da vontade, do humor, da coragem, do génio, e bebe-se uma conversa seca.

     Lavar os dentes que mastigaram os critérios e os juízos. E deitar, sobre as horas, sobre o dia. O sono virá mais tarde.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Moliceiros - Proa e Ré

  
Proa e ré
Moliceiros | Ria de Aveiro | Aveiro




Amontoado de pedra

  


     Já ninguém vive aqui!

Seio


Noutro momento
O tempo já não espera por mim
E houve um tempo
Ouve o tempo
Prossegue o espectáculo
Dentro do prazo
Sem data de validade
Numa expiração renovada
Que sem me acordar me desperta
Com a sua mão ausente
A fé em espelhos deformados
Princípios de nada
Não-ser de essência
Que se propaga e mistura

No fundo do seu fundo, abre os olhos
Conhece a cena de cor
E os sonhos nos vidros partidos
E na água derramada por terra
Que vive

Vive algo dentro deste peito
Outro tanto parte num veleiro
A quem chamaram “Fortuna”
Mas que se chama “Forma”
E formatado sem regresso
Não foi executado para sempre

Noutro tempo
O momento já não espera por mim
E houve um momento
Ouve o momento
Que não fala de novo
Dentro do rio sem açude
E sem estagnação
Na escora das horas
De um pesar incolor
E de coloração ser dor
Que pernoita num punhado vago

No íntimo denso das manhãs
Que já não acordam
Não ocorre um tempo
Vive um olhar que não reside
Não existem saliências caídas
Há argumentos despidos
Mantos abandonados
Mandos que não abrigam
E uma nascente conformada
Por entre caminhos esquecidos

Tive um tempo que acordava
Num tempo que não dormia
Tenho um tempo que não dorme
Num tempo que acorda
Numa brisa de dedos frios
De uma bruma dobrada
De um ancoradouro de abrigo
Desobrigado
Onde não se diz o adeus tácito
E o bem-vindo implícito
Vive nos gestos e feições

sábado, 5 de maio de 2012

Breviário [XXV]



     
     Há sempre um querer: um querer muito; um querer, apenas; um querer pouco e um nada querer.
     

Tempo simples


Sim
Dorme
Por fim
A última centelha
A não conforme
Por concluir o dia assim

Os pedacinhos de espelho
(Pequenos charcos formados pela água da chuva)
Exibem o sorriso aberto
Em tom de concelho
Esperam que a Lua suba
E preencha o deserto
Num boletim informativo
Que fala de perspectiva
De uma qualquer alternativa
E de um qualquer motivo

O grito exclama no peito
Onde tudo importa
Onde se mantém aberta a porta
E o desejo é completo e perfeito.


sexta-feira, 4 de maio de 2012

Conduz


Conduz a minha mão
Noutro tempo surgirá a ponte
Ensina-me do teu corpo as formas
Num frente-a-frente de união
Que ultrapassa qualquer vale ou monte
Critérios ou normas
Mostra-me do teu mundo o chão
Indica-me o itinerário para a fonte
Que sacia e onde te transformas
Une os nossos traços
Nas tuas linhas
Por vontades sem embaraços


Singular


A imagem descansa
Reservada e preservada
Fora do alcance
Num suporte imaginário

De tão perto
Consigo ouvir a fadiga
De um temporal
Que me reserva o frio
Entre nós de sacramento
Indiferente
E o serve como fronteira
Hospedada na rua

Aparento dormir
Para que descanse
A vontade de andar e a tirada
Num torpor de inércia

De tão longe
De dedos estendidos
Cruzam-se linhas e trilhos
Na palma da mão desocupada
De um braço esticado
Consigo sentir o teu toque tão real e próximo
A tua respiração tão chegada e exacta
E o calor do teu abraço tão apertado


quinta-feira, 3 de maio de 2012

Um cenário


Sou como uma sombra que se dilui no escuro
A mesa ri-se de mim e do fim
Depois do pôr-do-sol enamorado
Cresce de outro lado o muro
Tudo é tão azul assim
Eu espalhado por todo o lado
Sinto que parti
E tudo o que eu quero és tu e está em ti

Contraluz

     
     Assomam-se! Espreitam! Sob a luz difusa de um candeeiro de azeite, de bronze muito baço, dançam sinais que cavalgam símbolos ancestrais de afectos, vestidos com palavras que não são só palavras, em sonhos abandonados, que não são só sonhos.
     
     Sem ausência ou a gozar férias. Sem necessitar ou fruir de um período sabático. Sem amuo. Sem a perda da inspiração, ninguém perde o que não tem. Sem ver à luz ou a Luz, ou aquela luz, apenas a luz… Olha para o abismo de baixo para cima. O abismo tem outros abismos, e outros abismos o contêm. Há muito que descobrira que a consonância não era uma mera coincidência na sua vida...
     
     Subiu! Subiu como quem sobe pela luz, pela própria luz e voa. Abriu a porta. Entrou. Apagou a luz.