quarta-feira, 26 de agosto de 2015

ilha fantástica


aveiro, portugal
(rua direita) rua de coimbra, aveiro | portugal

como direi? – estou espalhado pela cidade 
abri a janela e toda a cidade se misturou pela casa 
para depois toda ela a cidade entrar em mim 
a repetir-se sem fim com uma melodia 

de madrugada fui a maçã que ninguém comeu 
de manhã fui a sua estrela invisível 
à tarde fui a felicidade da água e a maré 
e parti com a ironia do vento rente ao anoitecer 

por momento esqueci a ilha e a sua forma primitiva 
ambivalente que hoje brilha no céu quase nocturno 
com as memórias de que é feita e a compõe 

enquanto a cidade suspira numa extravagante neblina 
a praia calada e um pôr-do-sol antigo 
a cidade ou eu ou a ilha ou nem tanto nem tão pouco 



[a ilha]



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

limbo


aveiro
cais e canal do côjo | aveiro | portugal




os nomes bebem a água 
palavras como que inquilinas 
a escreverem poetas de regresso 

cada coisa começa a actuar 
num tempo que deve ser o seu 
como o início de uma melodia 

só agora pude acordar 
como se só agora pudesse 
nas rodas da presença 

a esferográfica já acaricia o papel 
e é o papel que nos aproxima 
junto a aproximação que é a saída 

diante de todo o esquecimento 
sou remoto e a minha memória 
ainda é mais longínqua 

mas acordei para voltar ao sono 
que é sonhar-te de braços abertos 
tão distante do movimento no arco do céu 

acordar é o superlativo ensimesmado 
no bocejo seguinte que se junta ao estendal 
de suspiros com um espaço de abismo entre eles 

a luz de boca cheia chama insistente 
num grito meteorológico que transborda 
numa lufada de gramáticas de anticiclones 

e tu és o céu a dobrar carícias 
e isto é apenas o início  
num chão composto de memórias 



[a ilha]




terça-feira, 18 de agosto de 2015

rodopios


aveiro
cais do côjo | aveiro | portugal




o amor é um elemento intrínseco 
um poder e uma energia 
e por ora um silêncio externo 
onde os símbolos do verão teimam 
a impor o tons sépia que nem o dia 
ileso pretende vestir 

do meu corpo dormente e ardente 
vejo outros corpos de rostos fechados 
mas de portas abertas 
indiferentes à rua 
presos ao tempo 
e às levíssimas gotas de chuva 
num dia de verão pardacento 
que bate levemente no rosto 
de quem fica e pela chuva entra 

por momentos não estou 
é a subtileza de pairar na vida 
e no cunículo escorregadio do universo 
ou estendido na fantasia e no plural 
e a ilha é apenas água absorta 
de agosto tão singular 



[a ilha]




quinta-feira, 13 de agosto de 2015

pôr só


aveiro
cais do côjo | aveiro | portugal




revisito momentos lugares coisas pessoas 
todos parecem ter mudado de alguma forma 
mas não por igual 
alguns parecem quase irreconhecíveis 
quase desiguais 
não na mudança estereotipada 
dos gradientes da cor ou da corrosão do tempo 
da força gravítica ou da acção climática 
da actividade social ou dos agentes clásticos 
não há um metamorfismo 
é uma mudança que está em mim 
eu sou a mudança 



[a ilha]




terça-feira, 11 de agosto de 2015

rataplã


canal dos botirões
canal dos botirões | aveiro



nenhum verso se aproxima 
das horas cercadas 
há dias em que a ilha não me serve 
por mais que me retraia há sempre 
uma parte de mim que não cabe 
e fica de fora 
quando noutros dias há 
uma ilha que se agiganta 
e perco-me na sua imensidão 
e não me encontro em lugar nenhum 

são as circunstâncias as inconstâncias 
de não haver uma sina ou um destino 
mas um momento 
o calhar de qualquer hora hesitante 




[a ilha]



domingo, 9 de agosto de 2015

o sinal


a partir do castelo de são jorge | lisboa | portugal




escrevo uma mão nas costas da areia 
os compassos no silêncio da música 
e um movimento na escultura estropiada 
são as palavras que se extinguem sem explicação 

à luz dos reflexos das conchas 
não sei quanto desta ilha eu sou 
se sou o acaso feliz deste ocaso 
incrustado nos meus olhos nestes oito 

minutos de resiliência da luz 
a herança das infinitas perguntas descartáveis 
o código de uma travessia desdobrável 

em mapas puídos pela insónia 
dos clichés de pássaros manipulados 
e ainda há liberdade? 




[a ilha]




terça-feira, 4 de agosto de 2015

sob o azul


estuário do sado
[serra da arrábida] estuário do sado | setúbal | portugal




desprendi tantas coisas 
que olho com a emoção a emergir 
com o sol para a condição: 
julho à flor da pele e o pano caiu 

poderei seguir o verão de outra forma 
entre o engano do idioma 
e a aparição dos sentidos 
nada é absoluto mesmo as estações 
de serviço e as saídas de emergência 

respiro a maresia
a catarse do insucesso 
encho o peito com coisas boas 
que passam a fluir na corrente sanguínea 
e a habitar e a habituar a mente 

é tão bom bom bom bom 
bom 
eu sei que vou ficar bem bem bem bem 
bem 

sou o próximo estranho que se junta 
ao mar com as suas sombras a ilha 
a poesia 

 [16 de julho de 2015]






[a ilha]