segunda-feira, 25 de maio de 2015






há qualquer coisa que me faz desejar-te, 
ser qualquer coisa num qualquer lugar teu; 
que me faz regressar de qualquer parte. 

há qualquer coisa em ti que produz qualquer coisa em mim, 
uma qualquer coisa que não encontra um simples fim; 
qualquer coisa que simplesmente me ilumina o escuro, 
me preenche de qualquer forma, em coisas de alheado, 
e que me faz lembrar qualquer coisa sobre o futuro, 
qualquer coisa como: ter um qualquer mais cuidado… 




 [livro aberto]



sábado, 23 de maio de 2015

será a circunstância







para trás, com pressa, ficava a auto-estrada. 
as nuvens queriam chegar a um qualquer lado. 
nem pensava parar, o vento desvairado, 
que me embalava e acordava na mesma pancada. 

na ponta da língua trazia a imagem do amor da alvorada: 
que saia debaixo das pedras e de um sonho não adestrado; 
que rabisca e emenda todo o meu ar recém-chegado; 
que correrá num poema que tudo irá querer e nada. 

telefonei-me, para me encontrar nas tuas linhas, 
mas o tempo, que em mim havia, perdeu o traço, 
parece ter arquitectado outros planos e outras adivinhas. 

sigo-lhe o rasto, que deixou nos momentos e no espaço, 
onde parecem existir passagens secretas nas entrelinhas. 
preciso continuar a insistir nos atalhos de um abraço… 



 [livro aberto]


sexta-feira, 22 de maio de 2015

sem angústia







gostava de te abrigar da chuva 
e que o espaço tivesse um tempo para nós, 
para nos fincarmos num abraço, 
sem duvidarmos das mentiras das sensações dos corpos, 
ou das mentiras das estações e dos apeadeiros do ano. 
mas nós já estamos prometidos à distância 
e eu também pertenço ao espaço-tempo, 
às areias agrestes e as suas vagas de razões. 
não poderia viver do peso do reflexo do céu 
e os teus olhos reflectem molduras vazias, 
construídas com inexistências e desconfianças 
que a custo poderíamos preencher com personagens 
ou fragmentos de panoramas, ainda que irreais. 
não há tristeza nestes eventos e circunstâncias, 
é apenas a água a cair sem nos conseguirmos recolher… 





 [livro aberto]


  

terça-feira, 19 de maio de 2015

tristeza apertada








eu não sei se é justo falar-vos da tristeza 
ou se é justo querer despedir-me dela, 
que tanto testemunhou os meus dias, 
muitas vezes à distância. ou era eu, em estranheza, 
que não queria ver a sua face circunstancial? 
não sei se é justo perguntar-lhe pelos motivos 
ou sobre o que foi feito da simples razão. 
que podemos fazer um pelo outro, afinal? 
eu não sei se não é justo não a salvar. 
que desculpas nos poderemos dar? 
não sei se nos pertencemos, 
se nos devemos fechar ou abrir; 
sermos mais ou sermos menos. 
por vezes, creio ver nela o que de mim resta 
e sou eu o que resta dela, na conspiração 
dos estados, dos elementos e da dita. 
mas, talvez a tristeza seja a cama húmida e fria 
que aguarda por uma janela aberta… 





 [livro aberto]



quarta-feira, 13 de maio de 2015

à conversa






nas nossas conversas parecia que tudo poderia ser reescrito. 
elas tinham os contrastes do gosto dos morangos frescos 
e o efeito de um analgésico de longa duração. 

as nossas conversas uniam as noites aos dias com luz própria 
e apagavam dos dias e das noites as sombras descabidas. 
a linguagem deitava-se docemente para nos servir os sobressaltos 
e os sossegos, que se alimentavam nos abraços e beijos 
das palavras que tinham o mesmo sentido e sentimento. 

nas nossas conversas trocávamos as horas e delas fazíamos desejos 
tão humildes, mas onde cabia o mundo e havia sempre um caminho, 
ainda que não se pudesse trilhar; ainda que o tivéssemos que corrigir. 

não existiam pecados nas nossas conversas, tudo era salvação e horas 
de suspiros, de arrepios, de respiração, de olhares e de inspiração. 
eram maios de janelas abertas por todo e para todo o ano 
e suponho que, não sei bem quanto e bem onde, ainda o são… 



 [livro aberto]



sexta-feira, 8 de maio de 2015

não sou eu que perco o tempo, é o tempo que me perde






não há palavra silenciosa. é sexta-feira. 
já acordei, tomei um duche e abracei o cansaço, 
que não me repudia, e engulo o dia incerto 
com anúncios nas bermas, como um laço. 

tu nunca estás em silêncio dentro de mim. 
cruzo-me com desconhecidos descontentes, 
um ou outro sonho aquecido ou abandonado; 
nuvens, chuviscos e esgares que passam indiferentes. 

as vitrinas estão cheias de razões, mesmo na pastelaria. 
são essas razões que me reflectem sem rosto, 
enquanto tomo o café como se fosse uma anestesia. 

há tempo para uns sorrisos ao acaso, com alegria, 
e alguns de caso pensado, porque a noite não é eterna, 
e a vida é um processo impregnado de ousadia… 



 [livro aberto]



terça-feira, 5 de maio de 2015

propriedade






posso chegar num aparente nada dizer e partir de igual modo. 
não me constrange que por nada afirmar me censurem, 
ou por transmitir o que digo da forma que eu penso, o suturem. 

já duvidaram do meu género, da minha verdade, 
das minhas preferências, da minha cor e da minha quantidade: 
eu aprendi a ficar em silêncio no burburinho das palavras. 

posso fundir-me, por inércia ou pela luta, num poema. 
o meu vício é a poesia: a que leio, a que escrevo e a que sou. 
e posso amar em rimas brancas e nos silêncios por onde vou… 



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sexta-feira, 1 de maio de 2015

comparável






olhava para a dor da escrita do código do amor, 
a ondular à superfície da pele e da folha de papel 
como uma miragem a ajustar-se ao dossel. 
depois, ergui os olhos e vi a serra a agigantar-se 
num súbito horizonte, onde as grandes e as pequenas 
perguntas se espalhavam pelas encostas, em cantilenas, 
ambas tão cheias do bolor das paredes e dos tectos 
da expectativa alheia, entre coordenadas de acontecimentos. 
prossegui o caminho, no sentido contrário ao sol e eventos. 
não me serviu qualquer tempo, nem o próprio vento, 
e a chuva, ocupada, acariciava o tojo de mãos erguidas. 
as borboletas diziam-me: «olá!» - em alegrias repetidas, 
e eu alegremente lhes ofereci o meu passaporte, 
enquanto procurava o meu oráculo. mas eram as pistas 
do sol que vinham esconder-se em mim, optimistas. 
por vezes, encontravam-se com as pistas da lua, também 
em mim escondidas. em breve eu estava de partida. 
esperavam-me poemas moribundos a duvidar da morte e da vida; 
versos sem salvação que vinham em auxílio da redenção; 
poesia à procura de melhor sorte que a do tempo já contado. 
e eu tão fora e tão dentro de mim, tão leve e arejado… 



 [livro aberto]