vale do rio cértima | portugal |
(prelúdio)
eu sei que vou perder
eu já perdi
mas fui feliz com o que quis
e não quis e estou aqui
a sublinhar e a rimar feliz com feliz
(lento)
as belezas das dezenas de equívocos de um poema
do desvairo de quem o possa infundir em quem o escreve
loucamente
para que e para quem na leitura o reescreva num desígnio
latente
(andante)
subitamente
uma vida tenta apanhar outra vida de calças na mão
com futilidades de amor da feira da presunção
de visita ao mundo uma vida pode julgar como suas
as indisciplinas dos afectos alheios
e no mesmo acidente tomar para si todos os devaneios
o espaço e o tempo podem baralhar as pistas
dentro de uma impressão de vida em riste
ou de uma solução de solidão que não é triste
(resolvido)
num conjunto de circunstâncias o modo actual de ser
a fortaleza que não cabe numa premonição ou numa
probabilidade
ou na sinopse do estado de voo de uma sociedade
sem deixar a rotunda de títulos longos ou os diminutos
regressos
a cidade que me equivale no logro da linguagem
entranhando-se na lembrança da ria e da oceânica aragem
a cidade que me equivale no logro da linguagem
entranhando-se na lembrança da ria e da oceânica aragem
(afectuoso)
ah poesia pela poesia
o prazer do bailado das palavras entre destroços
a inocência da anatomia
ou da alegria por detrás das cores e dos esboços
a razão inerente e o sentimento que também faz parte
da identidade do presente sem disputa
da própria incerteza da arte
e das imprevistas consequências da imaginação em luta
(sem pressa)
as vidas em certo sentido não se arrumam em vida
podem ficar esquecidas nos locais onde o pó se acumula
podem alegrar-se no local que mais dói na ferida
e terão sempre a voz sussurrante que reformula
há um gume na manhã e um hálito a futuro
que atravessa a vertigem do abismo do espelho
num fundo de palavras sublinhadas a vermelho
será a circunstância de sobrevoar a vida
de sobrevoar a ternura que queremos
no espaço que é o tempo de tempo que não temos
(sentido)
uma-a-uma sem angústia adquirida na respiração
sou a cor da cor da estação sob os dedos
que tacteiam o odor dos medos
e vêem a dor da
falta de visão
tinha visitado longamente e até à exaustão
as palavras que eram impressões digitais sem segredos
as palavras que testemunhavam os enredos
mas eram outras as razões sentimentais da solidão
uma vida é mais do que um metro de paisagem
não é a má intenção de dar a tristeza apertada
a quem nos castiga com a máquina da dúvida cismada
o amor não é uma vingança jurada
a sua pele reconhece a ambição da mensagem
a excitação do vazio e o vazio da viagem
(tranquilo)
eu vi mas não te contei
o dia barricou-se à conversa em direcção incerta
e o tempo e o espaço perderam os sentidos de alerta
é o tempo que me perde na ferrugem das conjecturas
dos seus beijos que trilham a paridade das estruturas
(devagar)
não sei como explicar esta estridência
a propriedade do movimento que nos atrai
nas costas do movimento que nos afasta enquanto vai
na mortalidade que compõe a nossa existência
comparável a esta serra só mesmo o mar e a urgência
onde a minha desordem procura a salvação que se distrai
aquele processo de pó a cair que nunca cai
carência que finta todos os resquícios de ciência
depois tenho os rios que adquirem pontes
que unem as tristezas as dores as felicidades
que se debatem com a vida e as universalidades
é a essência a tentar fazer sentido nos sentidos
a solidão a escrever cartas à razão onde estou agora
na vida palpável no abstracto da hora
(presteza)
a vida pede um desenvolvimento
quando não sabemos descrever o coração e a vertigem
que é viver o horizonte sem ter abandonado a origem
o limbo que é ter mais eu ou menos eu
que incita à procura de todos os silêncios em todas as
palavras
e de todas as palavras em todos os silêncios da lavras
(saudoso)
avanço de capítulo em capítulo
por vezes em filigranas de recordações tão minhas
tão puídas mas que afasto gentilmente sem emenda das
ladainhas
contudo o maior lugar do dia é o presente
a vida despida que avança na possibilidade da direcção
por vezes construída e confidente