aveiro | portugal |
parou de chover
não sei em quantos poemas terá parado a chuva
mas o facto é que não chove aqui
terá parado em muitos textos ou livros
e ainda vejo muitas palavras com impermeáveis
(alguns são transparentes)
há palavras completamente encharcadas
(não importa se nuas ou vestidas)
mas parou de chover
acredita que parou de chover
parou simplesmente
sem aviso
sem qualquer idealismo
num sistema que se apresenta a si próprio
e há sempre qualquer coisa ou alguém que encolhe
depois da chuva
assim como há coisas ou alguns que aumentam
ou que se alargam com ela
a chuva
parou finalmente ou excessivamente de chover
a água da ria ficou mais plana
há bandos de pássaros em festa
e as cores estão resplandecentes
as ruas vão cheias de gente brilhante
tudo cintila à volta do meu embaraçoso opaco
tudo até as manhosas dissensões
porque eu não sei em quantos lugares já não chove
ou há quanto tempo por aí terá parado a chuva
mas aqui parou há pouquíssimo de chover
escrevo
mas talvez escrevesse à chuva
sabes que quem nunca escreveu à chuva não sabe
que as palavras ficam demasiadamente perto
de escorrer pelas margens do suporte da escrita
que alguns suportes de palavras ficam escorregadios
que outros tendem para a redenção da dissolução
e que todas as palavras se tornam solúveis
mas já não chove
parou de chover
creio ouvir as engrenagens do teu pensamento
os pasmos e espasmos de razões e sensações
no cicio do meu monólogo
que remete a ilha para a crua banalidade
de um grande plano de plano inclinado
seco
e já não chove
deteve-se a chuva
e eu comprei bananas em promoção
ricas bananas
com tudo incluído
bananas com todos os palavrões e contextos
com todas as alusões e imaginários
mas estas vêm dentro de um saco
não sei em quantos poemas haverá bananas
se haverá poetas bananas
se choveu nas bananas
mas eu sou mesmo que por alguns momentos
um banana com bananas dentro
sabes bem como são as bananas
sei que são bananas e que não chove
cessou a chuva
e já consigo ver o fim do verão
há anos que morrem neste fim de estação
no preciso momento em que se colhe a uva
ou talvez um pouco mais tarde à tarde
quando cai a parra sem grande alarde
mas por agora não chove
a chuva passou
suspiram as dimensões domésticas
e à volta dos átomos tontos
circulam electrões mais serenos
enquanto por felicidade endoideço
e por isso não te inquietes com o que faço
não te preocupes com o que penso digo e escrevo
não há ingratidão na minha loucura
há a bonança natural de quem perde todas as arestas
e de quem perdeu a chuva
parou de chover
sem ninguém saber
mas soubessem ou não se ainda chovesse
poderia eu ser sob a chuva
poderia ser também os dedos da chuva
ser a pontinha dos dedos das gotas mais serenas
e acariciar como a chuva
poderia ser os braços da chuva
e abraçar como qualquer chuva
enxugar ou molhar como a chuva
temperar ou destemperar como chuva
poderia rolar pelo chão
enlamear-me sem manchar o amor
sem envergonhar o amor
molhar-me como quem lava o amor
como quem rega o amor
como que trata e cuida o amor
e talvez pudesses ensinar-me a nadar
mas começou de novo a chover
deixa-me ver
deixa-me sentir
deixa-me ouvir
deixa-me provar
vou [vamos?]
[a ilha]
Eu trilhei esta viagem. :)
ResponderEliminar"A Ilha" tem mostrado os seus cantos, recantos... Encantos. E belíssimos arcos-íris, no bom sentido,e por alusão ao título ("Sem Risco Multicolor")!
Bom fim de semana!
Bjks
Dizem que a lua, as estrelas, são o devaneio dos poetas, tu até com simples bananas consegues fazer poesia e prender o meu olhar nas palavras que se desenrolam entre a chuva da vida que transmuta o tempo intemporal. bjs
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