domingo, 13 de setembro de 2015

sem risco multicolor

  
aveiro | portugal




parou de chover 
não sei em quantos poemas terá parado a chuva 
mas o facto é que não chove aqui 
terá parado em muitos textos ou livros 
e ainda vejo muitas palavras com impermeáveis 
(alguns são transparentes) 
há palavras completamente encharcadas  
(não importa se nuas ou vestidas)  
mas parou de chover  

acredita que parou de chover 
parou simplesmente 
sem aviso 
sem qualquer idealismo 
num sistema que se apresenta a si próprio 
e há sempre qualquer coisa ou alguém que encolhe 
depois da chuva 
assim como há coisas ou alguns que aumentam 
ou que se alargam com ela 
a chuva 

parou finalmente ou excessivamente de chover 
a água da ria ficou mais plana 
há bandos de pássaros em festa 
e as cores estão resplandecentes 
as ruas vão cheias de gente brilhante 
tudo cintila à volta do meu embaraçoso opaco 
tudo até as manhosas dissensões 
porque eu não sei em quantos lugares já não chove 
ou há quanto tempo por aí terá parado a chuva 
mas aqui parou há pouquíssimo de chover 

porque parou de chover 
escrevo 
mas talvez escrevesse à chuva 
sabes que quem nunca escreveu à chuva não sabe 
que as palavras ficam demasiadamente perto 
de escorrer pelas margens do suporte da escrita 
que alguns suportes de palavras ficam escorregadios 
que outros tendem para a redenção da dissolução 
e que todas as palavras se tornam solúveis 
mas já não chove 

parou de chover 
creio ouvir as engrenagens do teu pensamento 
os pasmos e espasmos de razões e sensações 
no cicio do meu monólogo 
que remete a ilha para a crua banalidade 
de um grande plano de plano inclinado 
seco 
e já não chove 

deteve-se a chuva 
e eu comprei bananas em promoção 
ricas bananas 
com tudo incluído 
bananas com todos os palavrões e contextos 
com todas as alusões e imaginários 
mas estas vêm dentro de um saco 
não sei em quantos poemas haverá bananas 
se haverá poetas bananas 
se choveu nas bananas 
mas eu sou mesmo que por alguns momentos 
um banana com bananas dentro 
sabes bem como são as bananas 
sei que são bananas e que não chove 

cessou a chuva 
e já consigo ver o fim do verão 
há anos que morrem neste fim de estação 
no preciso momento em que se colhe a uva 
ou talvez um pouco mais tarde à tarde 
quando cai a parra sem grande alarde 
mas por agora não chove 

a chuva passou 
suspiram as dimensões domésticas 
e à volta dos átomos tontos 
circulam electrões mais serenos 
enquanto por felicidade endoideço 
e por isso não te inquietes com o que faço 
não te preocupes com o que penso digo e escrevo 
não há ingratidão na minha loucura 
há a bonança natural de quem perde todas as arestas 
e de quem perdeu a chuva 

parou de chover 
sem ninguém saber 
mas soubessem ou não se ainda chovesse 
poderia eu ser sob a chuva 
poderia ser também os dedos da chuva 
ser a pontinha dos dedos das gotas mais serenas 
e acariciar como a chuva 
poderia ser os braços da chuva 
e abraçar como qualquer chuva 
enxugar ou molhar como a chuva 
temperar ou destemperar como chuva 
poderia rolar pelo chão 
enlamear-me sem manchar o amor 
sem envergonhar o amor 
molhar-me como quem lava o amor 
como quem rega o amor 
como que trata e cuida o amor 
e talvez pudesses ensinar-me a nadar 
mas começou de novo a chover 
deixa-me ver 
deixa-me sentir 
deixa-me ouvir 
deixa-me provar 
vou [vamos?] 



[a ilha]



2 comentários:

  1. Eu trilhei esta viagem. :)
    "A Ilha" tem mostrado os seus cantos, recantos... Encantos. E belíssimos arcos-íris, no bom sentido,e por alusão ao título ("Sem Risco Multicolor")!

    Bom fim de semana!
    Bjks

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  2. Dizem que a lua, as estrelas, são o devaneio dos poetas, tu até com simples bananas consegues fazer poesia e prender o meu olhar nas palavras que se desenrolam entre a chuva da vida que transmuta o tempo intemporal. bjs

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