quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Creio entender...






Creio entender, sem mais demora ou prazo,
Sonhos há que são anseios, apenas e só…
E sonhos que projectos são, sem devaneios de dominó,
Na existência que se apraza ou em firme acaso…

E sonho eu, simplesmente e desgarrado, em atraso,
A queda que é minha em sequência, de peça em pó…
Um compasso há que se divide e se afirma na mó,
E um perdido dó em nota de realejo raso…

Mar, meu mar, minha imensidão, meu horizonte, meu vazio…
Onde os valentes e crescidos retesam medos,
Onde saudades deposito e que restam de alheios enredos…

Que me repito reconheço e falham-me os dedos…
Afoga-me a urgência na marcante torrente deste meu rio,
Onde afluo num prolongado monólogo e em cicio…


  

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

preparatório



  


o tempo é célere na memória
onde por vezes não nos encontramos
num espaço de proporção irrisória
e por vezes somos a existência onde não estamos
numa sucessão grada e migratória
que de uma forma ou de outra estimamos

o dia entrou em dormência
o sol caiu subitamente no horizonte
assim com a rotina e a frequência
ainda me falta uma ponte
a travessia dos torpores
sem qualquer sinal que o confronte

doem-me as dores dos outros e as minhas
respiro fundo e sem querer afundo um pouco mais
caindo-me os rasgos e as linhas
o sorriso instala-se nas minhas expressões faciais
respiro esta que é a minha vida
em paradoxos de sentimento e dimensionais

a noite aboliu quase todas as cores
lançou novos sons e imagens
neutralizou e produziu odores
caminho com ela de braço dado sem paragens
irrevogável fonte de sabores
tranquiliza-se a ria que esconde os seus horrores
e invade-me o corpo apertado e de viagens



   

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

distinto


ria de aveiro

por um momento expomos brevidade 
unimos as imagens límpidas e livres
agitamos o ânimo em abraços piedosos
na menor distância entre as palavras
que pertencem aos sonhos longínquos

por um momento patenteamos a nitidez da noite
apreciamos o frio pelo calor que exibimos
reverenciamos as leis da física e da natureza
na calma de lapsos que se aglutinam
em focos de reflexos de estrelas distintas
que nos acompanham com os suspiros
do espelho plácido da ria

por um momento quase somos indistintos
dentro da perfeita e abundante ausência
das imagens que fluem novas e espontaneamente
ultrapasso as ilusões das dores da rua que quase ferem
e abraço-me por um momento num instante inacessível



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Frio


Canal central da "ria" de Aveiro - proa de moliceiro



Num processo sensorial, absorto, sentencio:
Está frio.

Retrai-se o silêncio,
Que percorre, lenta e várias vezes, a paixão,
As circunstâncias e os momentos do caminho de água.
Silêncio, por vezes só; por vezes agarrado, altivo,
À proa erguida e garrida de um moliceiro.
A laguna e o vento bradam às almas perdidas de amor,
Em uníssono, e apregoam a loucura da calmaria,
Numa alegoria de razoabilidade, onde o frio é uma benesse
E, então, o rocio arrefece, congela,
E eu, sem o ser, faço parte do sincelo.



domingo, 1 de dezembro de 2013

acto






tudo é passível de se construir e destruir insensivelmente
e de modo insensível atentar ao carácter num paradoxo velado
agora
não parece existir uma lição prática de vida em flexão
e em flexão abrando nos reflexos ávidos que não consigo transpor
transpostos numa penumbra cerrada e encerrada por palavras densas
que mais densas se figuram em pequenas traças fascinadas pelos pontos de luz
luz derramada e que se extingue em pequenos focos de cintilação
a cintilação de promessas e de factos extraordinários
de extraordinários fenómenos vizinhos de dormência
e sem cerimónia dorme a justiça em paz de consciência
silêncio


  

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Em tempo de mar




Falei-te nos sonhos alados que proclamam o oceano
Que deixa a vontade planar em asmos;
Desenhei-te elipses, na pele, entre marasmos,
Sem sequer te tocar e sem te conduzir ao mundano.

Falei-te de pontes que unem o sagrado ao profano,
Entre palavras que não pedem histórias, nem sarcasmos;
Longe do clímax, mas próximo dos entusiasmos,
Provaste que sou tão só e tão simplesmente humano.

No saber do feito do mar e do horizonte afogueado,
Permaneci a dedilhar árias nos tons da perspectiva,
Pela escala da bondade da estação contemplativa.

Escrevi-te poemas e uma extensa missiva,
Sem parar no ventre de um destino rogado,
Falei-te do vasto amor, quem me mantém resignado.



E hoje… (XLVIII)

   
     … Apenas a sombra da senhora, encostada à parede. Uma sombra com sonhos, como em qualquer outra sombra, mas uma sombra vazia. Uma lembrança...

     Dizem que partiu, a senhora da sombra, que tinha todos os sonhos feridos, doentes. Recordas-te? Partiu, dizem, numa última bofetada duma cobardia que se perpetua.
   
     De resto, a vida continua, na companhia dos lugares-comuns, dos lugares comuns, dos lugares incomuns, dos odores, dos sons, dos verbos, dos adjectivos… Dos sonhos... Das palavras, das pessoas e dos silêncios; em paz, eu, mas sem descanso.

     As pessoas...
     
     O mar soltou um murmúrio, por entre suspiros.
     
     E sim, gosto de flores, de animais, em geral. Futilizo, eu sei, mas, hoje, não sei, ao certo, para onde vou...
     
     Creio que resta uma moral: Não deixes que se repita!
     
     
     

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Nas quimeras que articulam o horizonte






Entorpeço, enquanto me dispo de pleonasmos.
Caio, lentamente, da última frase,
Agarrado a uma metáfora, que não me pode remir,
E vejo um verso que beija.
Aqui estou, sem mais nada.
As palavras têm fome e sede,
E outras figuras, com e sem estilo.
Pedem abraços e cedem amor,
Aquele amor que tem trazido por perto
E tão longe está de mim.
  
  
  

presumível





em todos os tempos eu sorrio
eu alegro os pedacinhos de céu que colei para sorrir
e caminho em pedacinhos voadores de chão que voa

num gesto lento abraço
perdoo rápido o tempo
na luz trémula
raramente o tenho

e quanto eu estou e como
de cabeça erguida em reserva
dos nossos corpos persuade as sombras
cada uma brilha de acordo com a sua natureza
encontrar-se-ão na luz que não paramos de acender

é a forma
leva-me onde nos pode levar o amor
hoje perdi a razão e quero eu encontrar-me
e nela incluso
em palavras que não são como eu
não posso eu ficar

eu nunca estive
eu apenas existo num gesto descrito
e perdoo o tempo que me termine
eu estou num desenho de um traço leve
e assim eu estou e leve vivo na graça
um momento que nunca foi vivido
de uma circunstância para sempre envolvida




segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Todo um dia


Todo um dia
ou
Um dia intacto
  


Conheces o ar de um dia inteiro,
Que circula livremente, como não somos;
Que, sem nos apagar, nos extingue
E agrega, naturais e difusos,
Em sinais e sentidos resolutos;
Que acompanha o brilho de um amanhã
Na luz opaca e ocupada da alvorada.
Esse ar entrou pelas minhas janelas abertas
E com ele, através delas,
Entrou como ar da manhã, que não se pode adiar;
Como ar da tarde, que me demora;
Como ar da noite, que me embala um desejo.
Mas não o vejo.
O Universo adia-nos, continuamente,
Nas suas próprias janelas,
No seio do seu vácuo, onde sou.
E sorrio, conheces o meu sorriso;
Conheces o ar de um dia inteiro…
  
  
  

domingo, 3 de novembro de 2013

Rumo ao deserto


   

Peço licença para entrar e rodopiar na tua cabeça,
E propagar-me como essência de pensamento
Que não se permite procrastinar ou deter em lamento.
  
E, na linha do ocaso, este é o meu último século,
Não quero calar o afecto que sufoca na garganta
E, num último grito, abafa a palavra que se agiganta.
  
Escorregam, as palavras, pela noite como pelo dia,
Erram, ainda que a minha vida se lhes escoe sem lios
E te encontrem, de outra forma, em desafios.
  
Ouvi os gritos das palavras que arderam
E as palavras que em mim vivem, e me tem por certo,
Queimam e crepitam neste meu rumo ao deserto.

   

quinta-feira, 31 de outubro de 2013

fecho os olhos lentamente







sonhei-te um dia
uma vida
numa vida de sonho
e eramos nós num sonho só
num sonho de muitos
tantos sonhos
as árvores sonharam também
e mesmo as folhas de sonhos perenes
também caiam por terras de sonhos
e passaram e passam os dias em tribulação
vi muitos sonhos e coisas
o gosto de recordar os sonhos
quando os sonhos restam
para além dos choros e dos sofrimentos
e vão-nos morrendo
também os sonhos
e na lápide um sonho
é um conflito até ao último suspiro
a imortalidade
sim
morremos
aceita o sono e o sonho
os sonhos ficarão para as crianças
e para os seus filhos
e para os filhos dos filhos
num sonho não há absurdos
a existência acrescenta sonhos ao sonho
para poder continuar a sonhar
e dura enquanto o sonho vive
e vive enquanto o sonho dura
por vezes encaixamo-nos nos sonhos
sem referências
e estes em palavras que não existem
contudo
palavras de sonho
e ficamos
assim
abraçados
sonho no sonho
e em braços que não são
e nos silêncios de ambos e de todos
mas há sonhos e sonhos
a vida é um sonho que existe dentro de um sonho
onde morremos se deixarmos morrer a memória
e morremos em todos os dias de sonho