segunda-feira, 24 de março de 2014

urbe XIII




perguntei por ti à brisa que nada sabia
o parque é um cenário alegórico com mitos
com personagens que não sabem de nós
ou quem somos para além da alusão
onde a natureza se esforça para ser natureza
muitas vezes a cidade é um vazio
que se intensifica nos arredores da sorte
uma evolução de solidões explicativas
e um pouco mais simples do que isso
aparências que deflagram sem questionar
com pessoas e lugares e coisas esquecidas
que sorriem



domingo, 23 de março de 2014

urbe XII





a cidade dissidente e carregada de reticências
estava na minha pele repleta de vírgulas gentis
à saída breve acompanhado pelo sol inquiridor
numa estrada de pontos finais e parágrafos
e uma revolução de pontuações interjectivas
à chegada a cidade estava no chão e eu nas nuvens
ainda a cidade com os trilhos a interrogar o dia
o céu abstracto que talvez eu possa entender
e a aparência do amor e as suas sonoridades
num sol diminutivo que se abrigava no futuro
quase cheguei sem quase ter saído de mim
agrafado às afeições e emoções sensoriais




sábado, 22 de março de 2014

urbe XI





depois de quase ter dormido 
com o piar pertinaz das corujas 
palavras rebeldes e incansáveis 
foi assim que quase acordei 
com a melodia da primavera 
o afino e acerto dos sentimentos 
no canto insistente dos pardais 
e as suas danças nos beirais 
vocábulos ansiosos nas gavetas 
poesia desdobrada e libertada 
vagueei sem rumo pela cidade 
quase acordado pela preocupação 
dos empregados de mesa do café 
não perdesse eu as estranhas palavras 
tão difíceis de arrumar e limpar 




sexta-feira, 21 de março de 2014

urbe X




as palavras chegaram lentamente 
sem saber que destino dar à esperança 
ou que sorte cabe às recordações 
que se habituaram a mim e ao gosto 
das extensas caminhadas junto à ria 
e caminhámos juntos com o poema 
que acordou comigo pela madrugada 
quando deitámos as estrelas e a noite 
que apelou ao rumo e pediu a saudade 
onde as histórias se projectam à distância 
mas que se desvendam tão próximas 
que partem novamente como partiram 
que partem novamente sem partir 
com a mesma fragrância de despedida 
com a mesma fragrância de despedida 
estivemos juntos durante todo o dia 
e à noite tínhamos quase revisitado 
um ano incrível como os sentimentos
como sentimentos 



quinta-feira, 20 de março de 2014

urbe IX





o sol-poente adormece as flores 
que se recolhem como quem olha 
para dentro à procura de respostas 
pergunto-me se não será a esperança 
como que uma mentira para nós e para 
o mundo muito doente e à deriva no espaço 
no tempo e na dimensão que não prevê estes 
motins de sentimentos sitiados na cidade 
mal definidos por sinais intermitentes 
que impõem que não fiquemos tristes 
como que uma fantasia que criamos 
para cair constantemente até ao fim 
do sentido que é pensar no destino 
dos afectos como fatalidades palpáveis 
num horizonte que está sempre mais além 
eu retiro o dia da estrada para o abrigar 




quarta-feira, 19 de março de 2014

urbe VIII


café majestic


nada fazia prever o tumulto das palavras
na deriva de pensamentos demorados
que andavam tão cansados da chuva
como do calor do dia que despertou as flores
a história pode ser um lugar ambíguo
por vezes repleta de vizinhos desconhecidos
contidos em duas realidades distintas
e de vertigens de cidade na penumbra
estava mais ou menos sentado ao fundo
do café circunstancial onde escorre o tempo
a pensar no futuro do desgostar e da morte
pergunto-me desde quando mudaram o sentido
das ruas adjacentes onde tudo é breve e expirante
e sobre qual será o destino e o porvir do sofrimento
onde a pele suspira ligeira e demoradamente
o tempo esconde-se arrepiado atrás do espelho




terça-feira, 18 de março de 2014

urbe VII





quando se é o pombo na cidade
quando se possui apenas as penas
sem garantias e sem coberturas
e se emprestam plenamente as asas
de que serve o calor da realidade
quando chegam os desconhecidos
e nos esvaziam com zonas exactas
é o frio do fim da tarde que nos acalenta
clandestinamente a coberto das palavras
na trepidez de sonhos que perdem a vez
é a espera que nos apressa nos jardins
em trilhos da história que se assoma




urbe VI




permanecer atracado no jardim
ensimesmado num sorriso primaveril
enquanto o chão é uma maré viva
numa respiração lenta e coordenada
observar o movimento das opiniões
que descansam durante a noite
e que formam ondas encapeladas
em ruas que se esvaziam
numa linguagem peculiar
e ser o ponto de encontro
das palavras que se precipitam
das palavras que se receptam
num fim de tarde que é um absurdo
as pombas estão indiferentes
as pombas estão diferentes

 [17 de março de 2014]




domingo, 16 de março de 2014

urbe V





a cidade dorme em mim e eu disperso 
o cheiro a lavado das escadas e patamares 
já se esvaeceu e ficaram os sorrisos 
tímidos na orla do abismo enfadado 
ecoa distante o latir de um cão fatigado 
de tragar razões maldições e universos 
e que reúne a noite nas sobras do dia 
e de poemas antigos mas ainda quentes 
onde a fantasia se realiza sem existência 
e a existência é ténue e mera fantasia 
mas com estrelas que cintilam paciência 
apenas a que é possível ver ou adivinhar 
entre os brilhos da cidade em reverso 
há partes de mim nas asas de uma borboleta 
onde sou um ponto de partida e de chegada 
a estação que é mais do que uma referência 
onde brincam os poemas e as alusões verdes 
em nuvens de um céu que tem alamedas 
de paradigmas azuis e sonhos púrpura 
com palavras brancas e insuficientes 
para traduzir o verbo amar resgatado 




sábado, 15 de março de 2014

urbe IV


estação


resgato o verbo amar de uma folha
destacada de outro bloco de empenhos
recordo os trilhos que nunca cruzamos
quando os carris são linhas de palavras
com sentidos que me trazem de volta
fico com medo de ter medo de voar
de cair ao rio sem conseguir nadar
de me esquecer de quem sou
ou do avô que partiu há um ano
das razões que me convenceram
dos sentimentos que não se perderam
tudo resumido em palavras que faltam
num tempo que se esqueceu de florir
é esta a estação onde devo sair




sexta-feira, 14 de março de 2014

urbe III




a hábil substituição do aroma do detergente 
despida ou não a brisa nocturna partiu afável 
adivinhei o esperado gentil desejo de bom dia 
entre o reflexo de um casal de felizes rezingões 
gosto de pensar que é genuíno e sentido 
na cidade também há esperança e generosidade 
eu retribuo de imediato aos dois e alegre 
com todos os sentidos e muito sinceramente 
as escadas e os patamares foram lavados com sorrisos 
correm nos jardins alegres e coerentes notas soltas 
ouço-as nitidamente entre os sons da manhã 
oriundas de pautas caídas das estatísticas 
que tranquilizam o deambular insistente 
dos raios de luz que rompem a neblina 
numa investida de múltiplas colorações 
que conquistam muitos dos cinzentos 
mesmo os das palavras hermafroditas 
e a consideração de um rio internacional 
pena é que tenham pisado a felicidade 
há uma ambulância que corre para a urgência 
que por agora ainda não é a minha 
que corre noutro sentido distraído da vida  




quinta-feira, 13 de março de 2014

urbe II




coloco o telemóvel quente no bolso 
a razão é um espaço ténue e frágil 
uma distância quebradiça e nublada 
ainda mais quando se detém o abismo 
dentro e acessível a partir da equidade 
o que o torna ainda mais profundo 
onde não caem as coisas cansadas 
que cavalgam em escolhas gastas 
um autocarro pára e abre-se a porta 
para que eu possa viajar no ar mortiço 
predicado de uma oração sem vontade 
onde a massa lenta e alienada da manhã 
foi substituída por novas máscaras lassas 
e pela esfera amorfa de novas palavras 
de mãos vertiginosas e contundentes 
brindo a todos com um rasgado sorriso 
conheço o caminho das canções do motor 
e estas ruas que vincam o peito da cidade 
que cavalga um trecho de presente audaz 
onde eu sou o louco que respira o avanço 
da noite que não tarda ao som das baladas 
com a textura de uma lágrima dissimulada 
pela brisa que se despe da ansiedade cortês