terça-feira, 22 de dezembro de 2015

registo





a tua imagem embate em mim como a onda embate no paredão, 
num impacto repentino que, por vezes, me transpõe e por mim flui. 
um mistério de fome desperta que sorri silenciosamente e evolui 
para uma forma de palavras que escorrem na pele, em ampliação; 

uma conclusão salina que se forma sem necessidade de definição, 
para, de novo, regressar ao mar de sentimentos, que te possui. 
fica o sal na pele, em espera, e ganha corpo de frase que se intui, 
enquanto descrevo a lenta entrega do molhe prolixo à tradução. 

sorvo as sendas e horizontes de letras nos lugares da tua pele provisória, 
conduzo as mãos em escolhas que te acariciam e percorro o teu jardim 
como se, nessa empresa, te guardasse para os dias de ausência obrigatória. 

o meu conforto é o espaço e o tempo que a paz ocupa em mim; 
palavras que me despem em poemas que me desenham a memória, 
num acervo amável e suave, a condição de dizer que te amo assim. 


[o significado do silêncio]


sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

leitura




as palavras manifestam um certo espanto. 
quero ler-te devagar. quero ler o teu corpo 
demoradamente e entender os sinais. 
ler os pêlos, as pregas, os poros… e viajar. 

este espaço é exactamente o planeta Terra, 
onde tento contrariar o efeito da gravidade 
com a gravidade dos afectos, meditadamente, 
e a noite instala-se nas tuas sombras e formas. 

solta-se a ternura no caudal do inverno. 
o carinho tem uma melodia, uma textura, 
um odor… que se envolvem no abstracto, 

afloram o concreto num movimento eterno 
e devolvem o interno e a sua loucura. 
leio-te, e sob a pele eu sou, de facto. 


[o significado do silêncio]


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

ler




o acaso folheia e manobra o silêncio. 
fluem imagens vagas do dia e poemas. 
compreendo que os sentimentos renascem 
a cada morte e leio-te lentamente. 

as sombras procuram uma forma, 
mas as formas perdem as sombras, 
enquanto o sol vai perdendo a altura 
no horizonte. há uma hesitação 

crepuscular que anuncia o irreversível 
avanço da noite, sobre as ondas, com 
um inusitado decote, como se, através 

dele, pudesse iluminar a vida e a espessura 
dos sentimentos. a excitação da serenidade 
num arrepio de frio e um ligeiro tremor. 


[o significado do silêncio]


quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

onde


buçaco
a partir da cruz alta, buçaco | portugal


uma onda começa a formar-se no ulmeiro 
e espraia-se até onde a vista deixa de alcançar, 
no horizonte do tempo que mantém o espaço 
suspenso e o olhar pendente e embrulhado na bruma; 
uma onda para abraçar as ondas do mar e pentear 
a fragilidade das ervas na espessura de um silêncio. 

a noite começa a escorregar pela serra, em direcção à praia. 
os meus olhos procuram os ângulos do ângulo rebelde 
do corpo da palavra amor. respiro o movimento da onda 
e entendo a debilidade do ar onde habitam as palavras. 
há uma coerência incerta que chama por mim 
e que me pede para, se poder, levar pão. 

abracei-te, naquele tempo verbal que medeia o «agora» 
e o «já»! 


[o significado do silêncio]


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

poema menor




de repente, aquele país deixou 
de me visitar e eu pude pensar, 
e acreditar, que poderia ficar em paz. 
mas a poesia não sai da pilha de louça 
por lavar, da roupa e casa por arrumar… 
e a outra metade do mundo arrasta-se 
numa filosofia genital.


[o significado do silêncio]


sábado, 12 de dezembro de 2015

reserva




vê as coisas pelo lado positivo,
são coisas que cabem no silêncio:
o mesmo sol, praticamente;
sensivelmente, o mesmo mar;
mais ou menos, a mesma areia.
mas, eu estou diferente,
sentado na máquina do tempo.

para trás ficaram os meus poemas,
repletos de longe e de sítios imaginários
que se perdiam pelos dias transitórios,
a distribuir silêncios, olhos e afectos.
mas não aprisionei as palavras,
que brincaram ao quase existir,
ao quase tocar, que é: caber por sorte;
produzir um som; ter um ponto
de contacto; dar um sinal…

para trás ficaram os dias, como os meus
poemas, tão repetidos, que são, também,
a distância, que não voltaremos a alcançar.
ainda há tempo, ainda que seja um último
poema. há folhas em branco, espaços
por preencher ou por revelar, sangue… 
e a circunstância do amor. 


[o significado do silêncio]


sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

quieta non movere


!aveiro
aveiro | portugal



são as palavras a falar por nós e a música a fluir 
da vertigem dos instrumentos, para declinar o silêncio. 
espero que o som seja mais do que um estilo, 
enquanto os sentimentos pagam o seu preço às notas. 

não colhi a flor dos dias, trazia a mão de semear bonanças. 
quero que a viagem seja mais do que uma partida, 
onde contornamos o adeus nas garras da comiseração. 
sabemos tão pouco. 

posso ser eu, no útero de viagens desavindas e precipitadas; 
a oportunidade dos murmúrios do corpo, que povoa páginas 
de céu aberto que escrevo com linhas de água. 

a tristeza e a apatia são as minhas manhãs de inverno, 
o frio que me circunda a cintura e comprime o peito, 
onde acordo, com uma vontade redobrada de lutar. viver. 




[o significado do silêncio]


quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

significativo





todos os nomes podem ter uma coisa 
que pode não ter nome. 
não sei se é o tempo, se há tempo 
ou se há um tempo, sequer. 
os meus dedos são o que eu quiser, 
mas tocar-te, sejam eles o que forem, 
só se o desejares. o resto, nesta matéria: 
são invenções ou coisas de outra razão, 
que não a minha. ou palavras. ou nomes. 

mas eu sonho. pouco importa a cor 
ou o nome. sonho, como respiro. 
respira. podes colar estrelas no céu, 
embalar a dor e ter mapas no corpo. 
poderemos não ter que atribuir um nome 
a tudo e, ainda assim, comer laranjas. 


 [o significado do silêncio]


quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

assim




assim [organizador discursivo]: 
um guincho-comum esgrime lendas 
com uma gaivota de asa escura, 
e nada disto é surreal ou subversivo. 
há quem goste de um pungente catalogar. 
são gostos, que fazem de outros: tendências. 
mas eles sonham de braços, e cabeça, 
caídos e deixaram de sentir os dedos do ar. 


 [o significado do silêncio]


segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

adenda





não dormi, para não reiniciar. 
passaram, talvez, anos. tantos. 
ou uns vastos segundos. 

demorei mais tempo a vestir-me. 
as palavras cercavam-me e instigavam 
múltiplas histórias. reparei que não 
estavas, naturalmente, nelas, 
e temi esquecer-te, enquanto 
os versos te tingiam de poesia. 

reconheço o teu rosto, ainda. 
envelheceste como devias, para mim, 
e não me ouviste calar 
no centro da cidade. 
é, por vezes, no centro, 
que a cidade se perde. 
perde o significado, a significância… 
e é na perda que arrumo versos. 
versos onde desarrumo a vida. 
é a vida, onde, por vezes, 
já não estou; já não sou; 
nunca fomos. 


 [o significado do silêncio]



sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

vértice




aproximava-se um daqueles momentos de honestidade 
em que não há palavras a verbalizar. um daqueles momentos 
em que os olhos querem falar e a boca antecipa o gosto 
do beijo. quando tudo é olfacto, audição, visão, tacto, paladar 
e sentidos sem nome. o momento que antecede a precipitação 
do corpo para a substanciação que antecede a consubstanciação 
da matéria, do tempo, do espaço e das realidades. naquele exacto 
momento em que o universo se prontifica a parar, para que tudo 
seja o ali, o agora e não exista mais nada além. e pára. 

engoli mil vezes, mais uma, turbilhões. 
respirei fundo. 
li. fiquei imóvel. 
afinal, eu tinha que salvar o mundo. 


 [o significado do silêncio]

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

ângulo




podem mentir as verdades e produzir a paisagem. 
podem manipular, com o comando remoto 
da demagogia, as luzes das estrelas de plástico 
e fazer mover o vento confuso que nos aproxima 
do distanciamento e da falta de entendimento. 
podem patentear, possuir ou arrancar a voz, 
a palavra e a privacidade. mesmo, e principalmente, 
a voz, a palavra e a privacidade aluadas. podem 
silenciar o silêncio. podem pintar-nos insolventes, 
entre vidro, metal, betão e asfalto, e num borrão 
assemelhar-nos a vazios e equívocos ambulantes. 
podem, podem tudo, em qualquer tempo e lugar. 
mas não pudemos, sob a pele. 


 [o significado do silêncio]