terça-feira, 10 de dezembro de 2013

apenas resistência





a ria abandonou a fundamental igualdade
a cidade está desampara e frequente
à mercê dos esgares do frio palpável
que a realidade arrasta indefinidamente
e que invariavelmente se expande
sustenho a respiração
reuni as memórias em espirais que cingem
apenas a eventualidade
numa caminhada nocturna
e partilhei designações na acidentalidade de abraços derivados
que invento para o gáudio do entendimento reiterado
regresso pelas mesmas vielas de pantomimas
num ponto de inflexão indefeso e desconexo
onde não há qualquer glória
apenas resistência que roça o benigno desapego


   

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

fragmento





ao início da noite alcantilada
a realidade executa o irrealizável de um afecto
de um sentimento
de um processo sensitivo
onde não é possível inverter a marcha
sob a ria que é o meu espelho furtuito
ausenta-se o movimento
assim como os fragmentos do tempo e do espaço
percebo que os sonhos também sonham
mártires da sua própria fé
as palavras são o veículo próximo e abrupto
que unem num adeus asséptico e íngreme
a constância intrínseca do discernimento
de quem responde a um desagravo da existência
imbuído na sua própria dinâmica de natureza
improvida de etiquetas ou destinos
no vislumbre do mar em vagas de afagos
e escarcéus de esperanças
onde a existência se cruza e toca
sendo apenas passagem
alienação que aponta para vários caminhos
com a força do universo
enquanto vai e vem a maré
mas há caminho
e a noite já tomou plenamente o dia
sob a ria que é a minha companhia


         

domingo, 8 de dezembro de 2013

marulho





a vida interpela e atropela
caminho para o luar de um pedacinho de campo
respondo-lhe que venho do mar
fui a favor do vento
volto na volta contra
a salvação terá morrido na praia
o contratempo é contra o tempo
o mundo está dentro e além de mim
ainda na parte baixa da rua de baixo
nas folhas que caem da minha vida
eu conheço-me
a dor procura o caminho perdido


   

sábado, 7 de dezembro de 2013

a neblina abraça o chão


  
   

aguarda a neblina
um abraço que devolva o mundo
o céu está deserto
é um enorme espaço negro
repleto de noite e ausência aflita
com o sabor de um beijo clemente
onde pintei palavras brancas
que se soltam
e perguntam por ti a um deus desconhecido
em termos proibidos
ao som do marulhar incluso
e eu parti para algum lugar dentro de mim
sem tempo

  
   

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

era a manhã que despertava





um ligeiro fervilhar
e era a manhã que despertava
há muito que eu não dormia
e ao levantar-me olhei demoradamente
através dos vidros da janela
primeiro eu vi e senti e depois persenti
sob a capa branca do sarcasmo da geada
onde hiberna uma ou outra serpente
permanecem algumas sementes de palavras
subsistem as parcas sementes de afectos
sem parkas ou amparo
em silêncios que não pedem um natal
  
  
  

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Creio entender...






Creio entender, sem mais demora ou prazo,
Sonhos há que são anseios, apenas e só…
E sonhos que projectos são, sem devaneios de dominó,
Na existência que se apraza ou em firme acaso…

E sonho eu, simplesmente e desgarrado, em atraso,
A queda que é minha em sequência, de peça em pó…
Um compasso há que se divide e se afirma na mó,
E um perdido dó em nota de realejo raso…

Mar, meu mar, minha imensidão, meu horizonte, meu vazio…
Onde os valentes e crescidos retesam medos,
Onde saudades deposito e que restam de alheios enredos…

Que me repito reconheço e falham-me os dedos…
Afoga-me a urgência na marcante torrente deste meu rio,
Onde afluo num prolongado monólogo e em cicio…


  

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

preparatório



  


o tempo é célere na memória
onde por vezes não nos encontramos
num espaço de proporção irrisória
e por vezes somos a existência onde não estamos
numa sucessão grada e migratória
que de uma forma ou de outra estimamos

o dia entrou em dormência
o sol caiu subitamente no horizonte
assim com a rotina e a frequência
ainda me falta uma ponte
a travessia dos torpores
sem qualquer sinal que o confronte

doem-me as dores dos outros e as minhas
respiro fundo e sem querer afundo um pouco mais
caindo-me os rasgos e as linhas
o sorriso instala-se nas minhas expressões faciais
respiro esta que é a minha vida
em paradoxos de sentimento e dimensionais

a noite aboliu quase todas as cores
lançou novos sons e imagens
neutralizou e produziu odores
caminho com ela de braço dado sem paragens
irrevogável fonte de sabores
tranquiliza-se a ria que esconde os seus horrores
e invade-me o corpo apertado e de viagens



   

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

distinto


ria de aveiro

por um momento expomos brevidade 
unimos as imagens límpidas e livres
agitamos o ânimo em abraços piedosos
na menor distância entre as palavras
que pertencem aos sonhos longínquos

por um momento patenteamos a nitidez da noite
apreciamos o frio pelo calor que exibimos
reverenciamos as leis da física e da natureza
na calma de lapsos que se aglutinam
em focos de reflexos de estrelas distintas
que nos acompanham com os suspiros
do espelho plácido da ria

por um momento quase somos indistintos
dentro da perfeita e abundante ausência
das imagens que fluem novas e espontaneamente
ultrapasso as ilusões das dores da rua que quase ferem
e abraço-me por um momento num instante inacessível



segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Frio


Canal central da "ria" de Aveiro - proa de moliceiro



Num processo sensorial, absorto, sentencio:
Está frio.

Retrai-se o silêncio,
Que percorre, lenta e várias vezes, a paixão,
As circunstâncias e os momentos do caminho de água.
Silêncio, por vezes só; por vezes agarrado, altivo,
À proa erguida e garrida de um moliceiro.
A laguna e o vento bradam às almas perdidas de amor,
Em uníssono, e apregoam a loucura da calmaria,
Numa alegoria de razoabilidade, onde o frio é uma benesse
E, então, o rocio arrefece, congela,
E eu, sem o ser, faço parte do sincelo.



domingo, 1 de dezembro de 2013

acto






tudo é passível de se construir e destruir insensivelmente
e de modo insensível atentar ao carácter num paradoxo velado
agora
não parece existir uma lição prática de vida em flexão
e em flexão abrando nos reflexos ávidos que não consigo transpor
transpostos numa penumbra cerrada e encerrada por palavras densas
que mais densas se figuram em pequenas traças fascinadas pelos pontos de luz
luz derramada e que se extingue em pequenos focos de cintilação
a cintilação de promessas e de factos extraordinários
de extraordinários fenómenos vizinhos de dormência
e sem cerimónia dorme a justiça em paz de consciência
silêncio


  

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Em tempo de mar




Falei-te nos sonhos alados que proclamam o oceano
Que deixa a vontade planar em asmos;
Desenhei-te elipses, na pele, entre marasmos,
Sem sequer te tocar e sem te conduzir ao mundano.

Falei-te de pontes que unem o sagrado ao profano,
Entre palavras que não pedem histórias, nem sarcasmos;
Longe do clímax, mas próximo dos entusiasmos,
Provaste que sou tão só e tão simplesmente humano.

No saber do feito do mar e do horizonte afogueado,
Permaneci a dedilhar árias nos tons da perspectiva,
Pela escala da bondade da estação contemplativa.

Escrevi-te poemas e uma extensa missiva,
Sem parar no ventre de um destino rogado,
Falei-te do vasto amor, quem me mantém resignado.



E hoje… (XLVIII)

   
     … Apenas a sombra da senhora, encostada à parede. Uma sombra com sonhos, como em qualquer outra sombra, mas uma sombra vazia. Uma lembrança...

     Dizem que partiu, a senhora da sombra, que tinha todos os sonhos feridos, doentes. Recordas-te? Partiu, dizem, numa última bofetada duma cobardia que se perpetua.
   
     De resto, a vida continua, na companhia dos lugares-comuns, dos lugares comuns, dos lugares incomuns, dos odores, dos sons, dos verbos, dos adjectivos… Dos sonhos... Das palavras, das pessoas e dos silêncios; em paz, eu, mas sem descanso.

     As pessoas...
     
     O mar soltou um murmúrio, por entre suspiros.
     
     E sim, gosto de flores, de animais, em geral. Futilizo, eu sei, mas, hoje, não sei, ao certo, para onde vou...
     
     Creio que resta uma moral: Não deixes que se repita!