terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

como uma veemência cadente


aveiro



[ontem] um produto simples e sem requisitos 
essas recordações que chegam como um perfume 
e se revelam sem se rebelar 
numa aragem que nos olha nos olhos 
enquanto despertam a memória 
  
algumas frases sabem apaziguar e libertar 
como as memórias afáveis 
outras são precedidas de uma variável logística 
como uma lembrança intempestiva 
que nos sorve e esgota a energia 
que provavelmente nem é nossa 
mas que é tão indispensável e vital 
para a constante descoberta da bondade 

a história e o corpo despertam no pensamento 
num indício de deliberação que concilia 
o símbolo e a alusão que estavam apenas dormentes 
existiu um tempo em que não sabia onde a guardar
e hoje continuo sem saber onde guardei a minha lua 



  

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

anda, toma as minhas mãos frias que teimam escrever





[hoje] eu não quero escrever palavras de amanhã
e as palavras de hoje são tão iguais às de ontem…
palavras que não carecem de representação
e de quem se conhece o sentido e o sentimento;
que parecem chegar em círculos ou elipses,
como os desenhos que faço com os dedos na tua pele.
sempre os mesmos termos despidos…
vocábulos que alinho de forma idêntica
e que dançam, brincam e aparentam cantar.

talvez deva parar e ficar num abraço,
num daqueles abraços intermináveis e lentos
que não necessitam de histórias nem de palavras;
num daqueles abraços afectuosos e vigorosos,
que abraçam o passado, o presente e o futuro
e nos deixam, ali e além, protegidos e satisfeitos,
como se fossemos a coisa mais preciosa do mundo;
num daqueles abraços que principiam com o corpo trémulo
e se arrastam até que ele se aquiete encantado;
num daqueles abraços sem senhas, sinais ou olhares;
num daqueles abraços sem condições implícitas ou explícitas,
que confortam o corpo, a mente, o âmago…
e o que considero que possa ser a alma;
num daqueles abraços que as palavras não conseguem dar,
talvez, só imitar… 




domingo, 2 de fevereiro de 2014

na língua que ainda não inventámos





ainda o momento procura o sentido
como quem sentido procura o sustento
mas no íntimo de um sentido volta sempre o finito
que não dorme no sentido do mundo
e vai além do grito sentido de um sentido afecto
não que não importe o que mais sentido digam
mas no significado e no caminho importa-me o sentimento
e eu sinto que ainda não estou preparado para o fim
e o fim vem sentido




sábado, 1 de fevereiro de 2014

nos dias em que nos fundimos na abstração da inexistência






há uma nostalgia repleta de abruptas recordações
sobre um tempo recente e um destino antigo
com o mar sob o horizonte e logo acima o céu matizado

eu estou em todo o lado e em lugar nenhum
apenas sentado num tempo presente
tão presente que me esqueço de quem eu era
e o céu sonha um gesto de tempo infinito
onde consigo caminhar sobre o oceano
e conquistar o desapontamento da minha insulação

rememoro perfeitamente
como te foste, sol, de rosto inteiramente molhado
e eu de rosto inteiro e lívido
toco o mar, o mar o horizonte e este o céu
quando o céu toca no ponto determinável do finito




sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

nos olhos do meu silêncio




olho em silêncio nos olhos do meu silêncio
olhos que olhos têm
onde se pode ver a praia e o mar
e beber um paralelismo servido pelo ar
onde o pensamento é apenas um polissílabo
no sopro longo das horas curtas da ria
entre um paradigma pudico e tenaz

vejo nesses olhos uma multidão que me habita
naquele aperto do instante antes de partir
aperto que vai em debanda e por antecipação
com uma vontade própria de quem não espera
ainda que com as palavras penhoradas
palavras que se encontram com palavras
aqueles vocábulos em tumulto
de esboços esquissos
os vocábulos de projectos em sonhos
que se cruzam sem se cumprimentar
e que se cumprimentam a cada cruzar
onde também vejo a minha paz
aquela paz criada no decurso de vários anos
e onde pressinto a intrepidez das suas sombras
as sombras dos olhos dos meus silêncios
dos meus silêncios à sombra




quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

com sete, ou doze, tempos verbais na algibeira




eu estou pacificamente eriçado 
e subo uma oitava em silêncio. 
vê a música no meu olhar rendido. 
as palavras dançam dentro de mim, 
e cicatrizam; 
ganham novas formas e confidências; 
articulam encantos sem idioma. 
deixa-me ser fútil ao teu lado, 
com o meu fútil lado de dentro despido, 
e ficar imóvel futilmente, 
sem tempo verbal, 
com os dedos em estado tribal. 




quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

porque é noite e eu estou sem lua




somos todos iguais 
este é o caminho que me permitiu chegar aqui 
caminho que se recorda de mim 
que me faz lembrar quem eu sou 
e o que não procuro 
num espaço onde todos somos diferentes 
onde me ajusto 
onde me correspondo 
montado gentilmente em palavras 
sem deixar de ser verdadeiro 
   
eu suponho que a ria esteja adormecida 
não protesta pelo meu aparente olhar alheado 
presumo que trocaram a cidade 
enquanto eu sonhava à tarde 
com uma tarde de equidade e de amor 
porque as mesmas ruas são mais felizes 
as mesmas casas tem as mesmas cores mais vivas 
as mesmas portas estão agora abertas 




terça-feira, 28 de janeiro de 2014

proposição lógica




condenso-me, emaranhado nuns sinais,
e em considerações nominais.
por vezes chega, em silêncio e estreiteza,
uma súbita e inexplicável sensação de tristeza,
ou preocupação,
que nos toma de assalto;
que nos deixa em sobressalto,
numa demanda de inencontrável significação,
sentido, justificação ou fundamento.
um angustiante pressentimento,
uma imprecisão que flutua.
não há um enunciado que demonstre a verdade
e não sei onde guardei a minha lua!
talvez seja só saudade,
ou demasiada pluviosidade.




segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

sem sugestões





distraidamente, encontrei-te num poema 
incompleto e perdido num bolso de um casaco 
nem tu sabias que andavas por aqui 
e disse-te «– olá!» quase sem querer 
quase sem perceber que eu já estava ali 
para me recordar que és real

se tu não estás, quando tu não estás 
(e tu não estás) e apareces assim, sorrio 
repleto de sombras e sol. recordações 
gosto que aperta as mãos que saem do papel 
não há um «para sempre» conhecido 
naquele «para sempre» incompleto inacabado 



domingo, 26 de janeiro de 2014

a tempo

  



oh! a insistência das palavras
a paciência dos silêncios
na premência do meu regresso a casa
que se seguiu à saudação rápida à cidade
entre afazeres e referências
é um conforto revelado ao vento
que trago para dentro
com normas que regressam brandas
não há pressuposto para este sentimento
que me afaga graciosamente
em gestos ténues e consistentes
liberdade da identidade
existência e a saudade dos silêncios e dos termos
simples coisas da vida
entre os sonhos exequíveis




sábado, 25 de janeiro de 2014

concreto





há em mim uma urgência verde 
fecho os olhos abstractos 
estou no meu lugar na margem 
em tons quentes e frios 
no desejo da brisa 
e um pouco por todo este espaço 
que acompanha a corrente da ria 
nas rotinas das marés 

há um parecer concreto 
de sentimentos autênticos 
que partilha pensamentos figurados 
com palavras inertes ou alusivas 
com o transitório por perto 
em frases relativas 
onde sonhos e realidade são alegóricos 

sei que parte de mim irá ficar 
fica sempre 
fico sempre 
e trarei sabores, odores, cores 
sons, energia, luz, paz 
e inconformismo (para me manter atento) 




sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

em todo o caso





ah! mas como!?...
os abraços continuam a sair por uma janela da memória,
como uma onda numa viva recordação consentida.

vivo, de passagem, do outro lado da rua,
não importa há quanto tempo,
nem se o tempo tempo tem.

talvez seja tarde
e a dúvida pode ser uma emboscada.
a vida não se resume numa única sentença,
e nem todas as sentenças me servem;
ou nem sempre são à medida da realidade,
ou de uma realidade à medida.
a realidade funde-se e alicerça-se nos pontos de vista,
num perder de vista e na bruma de um ideal.

estou de passagem
não sei bem há quanto tempo
(ou quanto dura, na realidade, uma passagem assim),
anexo à ponta de uma caneta que escreve sem cessar
acerca de um oceano de tinta com barquinhos de papel.

desta vez não sei bem há quanto tempo não me vejo.
há quanto tempo sou a margem que se ocupa com palavras
onde a identidade e o físico são a orla da presença e da esperança;
nem há quanto tempo tenho em mim o céu policromático
embrenhado na polissemia e insistência das rotinas diárias
mais cinzentas, que acompanham o fluxo expressivo da maré
que se mostra à frente de um verso já formado.

o olhar sai abraçado à semântica cognitiva
em acto contínuo, na ternura das veredas.
por vezes tenho o tempo em desencontro
e tempo que não convém a uma circunstância
ou em unidades que não se conjugam,
não sei bem há quanto tempo,
num tempo em que eu sou o momento.
ah! mas como?!...