quarta-feira, 12 de março de 2014

urbe




peço um táxi para nos transportar
corre uma urgência na cidade
que eu não vejo em mim
as juras que me cobrem
penteiam-se sob a luz dos candeeiros
agarradas às doutrinas sem termo certo
para idealizar sem tempo
enquanto o automóvel avança
por ruas que desconheço
onde procuro identificar o poente
no ângulo restrito e em movimento
na luz uniforme do céu limpo
de estrelas inacessíveis
as palavras não sabem
que transportam palavras em si
chegámos ou chegaremos à razão




terça-feira, 11 de março de 2014

sinal de partida




gosto das palavras que me servem de manto
eu que já fui o vento e o encanto
e que das palavras que me vem soprar também gosto
assim como das palavras onde me encosto
eu que já fui o rio e a margem
já fui a ponte o viajante e a viagem
hoje sou o odor que se segura
na área salobra das águas
hoje sou a dor que se mistura
na área incolor das fráguas
eu que já fui e que voltar a ser poderei
já não vivo entre as margens
mas ainda me alimento de aragens
eu que já fui e não voltei




segunda-feira, 10 de março de 2014

apagar reinventar e prosseguir




voltarei abismado noutro abismo
num ciclo elíptico e reminiscente
com imagens baças como uma visão esgotada
noutros espelhos com os mesmos cenários
de palavras como fragmentos de cansaço
que se amalgamam numa reverência
torpe e decadente
sem ponto de fuga
com um fim marcado e marcante
cansado de dizer adeus
no eterno momento de mudar de rumo
apagar reinventar e prosseguir




domingo, 9 de março de 2014

lá fora existe o mundo




eu sei, as pessoas usam;
eu sei, as pessoas mudam,
mesmo que as ruas o desmintam.
hoje foi possível. devolvo a lua,
do olhar até ao céu,
onde as estrelas começam a florir
numa frágil distância.
há viagens e momentos
que fazemos e vivemos
sozinhos, ainda e por mais
que estejamos acompanhados.




sábado, 8 de março de 2014

talvez em parte incerta





o céu azul e dourado
o meu olhar arrepiado
cruzar o rio e ser a ponte
que se ergue para servir
permanentemente aquém
constantemente além
ligar as cidades à margem
e unir as margens incertas
mais do que o espelho de água
que a morte inveja na geometria
mas eu já estava prometido à rua
tomado pela resina da lua
e as gaivotas a voar lá em cima na fé
com o sol a descer em espasmos
pelos degraus da emoção
onde a saudade é uma cratera
e eu sou apenas a espera




sexta-feira, 7 de março de 2014

na alma




a urbe satisfeita com um sorriso da lua
num fundo negro e finito com uma vénia
que deixa um brilho no céu e as estrelas
que cintilam num impulso quase imortal
assim como o frio noturno que me afaga
a pele deserta inocentada pelo calor diurno
poesia que verte amor no universo raso




quinta-feira, 6 de março de 2014

dentro de mim como um trilho





ficar a ler a flor e ver as imagens nas palavras
e as palavras e as flores são uma grande família
com saltos e contrariedades que amam e gritam
nada disto me assusta verdadeiramente
o escândalo que acende a causa de uma estrela
porque sinto que escrevo no hiato do destino
coisa que eu não tenho, por isso, traço-o




quarta-feira, 5 de março de 2014

nos locais mais importantes do dia de regresso






sou invadido pelas imagens e pelas palavras
regresso que faz de mim forasteiro nos desejos
enquanto as margens despertam nas névoas
e nos cheiros que se ocupam do meu corpo
fatigado e mudo de cidade que se apoderou
com astúcia dos gestos que reflectem o azul
da noite que se silencia durante as badaladas
onze aflitivas pancadas que troam na saudade




terça-feira, 4 de março de 2014

na soma de uma folia




saí da rua lavada dos tormentos pelos chuviscos
esgotado pelo convívio com os monstros mascarados
entrincheirei-me nas folhas húmidas de um jornal
entre os cabeçalhos perdidos e efémeros

num nó que se avoluma na garganta emudecida
para me barricar mais tarde nas folhas lassas de um livro
sem conseguir pousar a cabeça nos lugares ou termos
tão preenchido por nuvens e pela vastidão do mar

as palavras e as promessas recusaram o almoço e o jantar  
sentem o cheiro frio e desumano dos arlequins postiços
que se apresentam polidos e preenchem os dias nos noticiários

eu não fumo e é o semáforo que me silencia e detém
e as pessoas mortificadas com quem me cruzo
reflexos que dançam e regressam vivos e experienciados




segunda-feira, 3 de março de 2014

numa plantação de distância




eu não vi a rua por onde passo tantas vezes
a ria deserta aguarda por mim nos canais em extinção
desprovidos das marés por uma parábola de neblina
eu não espero a ria que não pode vir
assim como o ocaso que perdi num eclipse de oportunidade
as palavras desarrumadas brincam com as imagens dispersas
numa melancolia compassada que se escreve
e fazem vénias à saudade que alimenta a esperança da luz
a rua por onde passo tantas vezes não me viu




domingo, 2 de março de 2014

do sujeito incomum




para lá da janela morna da choupana
que me habita desde a alvorada
onde escorre uma chuva de sonhos
e lágrimas plásticas e imprecisas

é a estrada de horizontes que me embala
nos solavancos da direcção das normas
para ainda mais longe daqueles que dormem
para o núcleo da parte sensível do insensível

onde não se contam ou somam as ilusões
é a noite que me toma e desperta os papéis
que sustêm e aquietam tenazmente as falas

releio os gestos, o olhar, a audição e as memórias
dos exclusivos personagens despidos e esculpidos
numa profusa respiração profunda e insatisfeita




sábado, 1 de março de 2014

em quadros escuros e velozes




fico imóvel, depois de um dia inóspito e inevitável.
concluo, enquanto crepitam poemas nas gavetas,
apinhados de palavras que se isentam e corrupiam
em papéis mirrados e independentes da cidade,
que eu também sou o fim deste tempo e deste dia
quebrantado e apinhado de chuva vazia e inabitável,
ainda que o mar tenha vagas menores do que as minhas:
as minhas descomplicadas vagas de dispensável espera.