terça-feira, 8 de outubro de 2013

viana



queria que visses
o meu coração em filigrana
valido pelo mar
com o sentido na senhora da agonia
o lima descontrai
embala o navio-hospital
o frio furtivo de um meio quente
sibila por entre as amarras
rumo ao monte
sem partir
com partículas peculiares
uma referência túmida na circunstância da cidade
o chafariz que namora com atlantes
numa praça da rainha de rei granito
santa luzia testemunha
segreda um morfema esconso
e eu não


   

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

orbe

  



não tenho que ficar calado
e até posso assobiar
não preciso de nascer outra vez
sem fazer de conta
nasceu uma nova estrela no nosso universo
reparo que a verdade é seriamente relativa
quando peço verdade à voz pequenina e dengosa
que de ponta a ponta vai e vem
anda de ponta e se agiganta pelas costas
numa estimativa condensada
que vibra em silêncio e solidão que me desdiz
e seduz
onde possuo a serenidade de uma qualquer razão
eu fui mais além e fiquei aquém
nem tenho que falar

não tenho que ser diferente
desperto para uma realidade informal
aperto um abraço de melancolia contagiante
um sorriso rasga-me o rosto que rasga o sorriso
sorriso que quis ver a luz do momento
nunca parti completamente
inteiramente
imediatamente
e é tão simples voar no estrangulamento da vida
e sobre tudo este mundo mente
hoje o mundo não é um bom lugar para amar
a Terra não é um local justo
o universo é apertado
e entre nós há bastante espaço
nem tenho que ser igual


  

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

E hoje… (XLVII)

     ... a senhora estava encostada à parede, com todos os sonhos feridos, doentes; com algumas nódoas negras marcadas no rosto e na alma. Mas não queria ajuda. Queria chorar e sentir a chuva, como se esta, chuva, a acariciasse. Foi assim que eu, em estado plasmático, a encontrei, já em estado líquido.
  
     Eu não fumo e não posso dar um cigarro, que não tenho. Eu tinha, e tenho, apenas, como que um ombro de compreensão, um suporte sociável, e não procurava, nem procuro, nada. Apenas posso emprestar esse ombro e tentar encaminhar algumas criaturas para um rumo onde possam, um dia, encontrar o Sol, num caminho que queiram trilhar. Não faço, nem transporto, milagres. Pinto e retoco ideias, emoções, afectos, sonhos e palavras. Sou um estado tão simples, de matéria, tão insuficiente e fluido...


   

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

balada




não pondero odiar o amor
passarão eras que não posso esperar
onde as memórias se irão extinguir
não há nada mais a dizer
como o poema dúctil
ninguém repara na verdade
e depois de sair do bem e do mal
venho
absorto
com o sonho que se extingue por cada dia que passa
para além dos espelhos

tocam sinos a rebate  
não é fácil o caminho
apesar de repleto de sinais
não é fácil desentrelaçar os afectos e vida
a existência racional é um emaranhado de sonhos
que conquista alegrias em eventualidades e acasos
mas o rumo toma sempre um sentido sem retorno
com o termo lançado
como um termo lançado
e não há perder ou ganhar
  
  
  

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

sonhar depois de sonhar



com o momentâneo em penumbra
outono que se assoma neste hemisfério
com uma fleuma intermediária que penetra até a alma
ou o que o represente no expoente de matéria
numa solução de palavras pontuais e derradeiras
a noite é apenas uma sombra maior
e eu sonho acordado no meu próprio horizonte


  

terça-feira, 17 de setembro de 2013

O cenário pungente



Só.
Não é necessário que a vida faça o sentido que queremos,
Quando o perdemos.
Recordo o regresso ao domicílio, talvez, lar.
As férias gastas com ausência.
Por toda a casa cresceu um pó, fútil;
Fede, na cozinha, um copo de leite vivido,
Sinal do aperto de um apertado pequeno-almoço.
Talvez o pior cenário seja o da poesia que pulula,
Ou teima em brotar, alucinadamente,
Dos atributos de aparente abandono;
Do asco; da repulsa.
Só.
E o Mundo já acabou, mais uma vez.
Aquela imensidão de matéria, e de acaso,
Pereceu num pôr-do-sol de um dia de tempestade sem vida.
Eu acredito no pombo,
No pombo simples e ordinário,
Que defeca livremente, no novo acto.
Defeca para quem zomba, tomba, romba e ribomba,
Mesmo, e também, no raminho de oliveira.
Não sei o que faço eu, agora, com a Lua e o Sol,
Com o sol e a lua.
Por cada novo dia, em paz, semeia-se, e colhe-se, uma vitória.
Só.
No bom e no mau sentido, o mundo ainda treme
Quando penso de ti,
Quando o bem e o mal já não existem.
Tudo se conjuga e divide na ubiquidade da vontade.
Talvez quem ame não conheça o que ama;
Talvez não conheça o que amo, quem amo,
Ou, porque amo.
E por vezes, só, significa, apenas, sozinho;
Noutras vezes, só, figura, somente, apenas.
Só.



terça-feira, 3 de setembro de 2013

enquanto o rio dorme serenamente




fico em silêncio
na minha memória hesita uma certeza
que me afaga sem pressa
e me esboça uma ponte

no meu céu paira um pouco de cinza
os meus olhos acolhem os cinzentos
no abraço à serra queimada
onde eu tinha tantas palavras
onde encontrava tantos sentidos e afectos

um pouco mais ou menos de mim
fala desde o chão que também perece
dos sonhos que também querem existir
sabemos que por vezes é demais
e que por vezes somos de menos
que as medidas podem ser alusivas
na folia dos axiomas absortos
mas neste manancial de términos
encontro as minhas origens



terça-feira, 6 de agosto de 2013

quem a não tem





há vida por aqui
e a vida circula por aí
o rumo pare passados e lembranças
há uma vespa em cima do ponto final
e eu estou no remate de uma frase envolvente
a agra ingressa na equação simples
o sol brilha por entre a rama de sonhos
pairam pedaços de poesia permeável
em sombras hesitantes de momentos decididos
no balanço da coragem de braços subjugados
pelo arbítrio indivisível da serenidade livre
contrários ao sentimento e aos sonhos acolhidos
na cidade perene e dormente
indiferente aos drenos da inexistência



segunda-feira, 22 de julho de 2013

Vindo do quase




Quase sempre, quase quase.
Não me digas que o quase fica fora de mim,
Ou que me foco e vivo no quase,
Quase em silêncio.

O sonho pode ser um quase,
Que quase nos aproxima, ou quase nos afasta,
Numa quase realidade
E eu deixei um desejo, quase pintado,
Num, quase, tu e eu.

É quase um dia,
Neste quase mundo,
Numa quase rotação,
Onde quase estamos e quase existimos,
Numa roda-viva, vida, quase.

Eu nunca serei tudo;
Eu nunca serei todo;
Eu conheço a relatividade,
Vi o seu rosto a beijar-me, ou quase,
Abraçado, ou quase, pelos seus, ou quase, braços,
E eu quase.
Eu apenas.



terça-feira, 16 de julho de 2013

experiência aleatória




a-propósito
na minha vida há nuvens sem rima
e rimas sem poemas ou poesia
para além do olhar absorto e redimido

pouco importa se em prosa ou em verso
na minha vida há sol e lua
há férias e elementos que me sorriem
que de alguma forma chegarão
chão que se agrupa em azuis
em verdes e em transparências

deixo-me ser uma floresta de saudade
chove-me um silêncio miudinho
que derrama realidades que não se tocam
onde as confidências de inconfidentes pedem reserva
que reservo no recato de uma caminhada
e as rimas pedem nuvens
onde toda a verdade é um sonho



quinta-feira, 11 de julho de 2013

saudade urbana




com o efémero por sombra
com palavras insolúveis
rumo ao muro caído
as imagens corrompidas pedem ajuda
neste lugar de improviso
onde os termos preenchem o vazio
nos alicerces das prosas soltas e livres
sem paralelo ou arbítrio de sons mais ténues
transporto um ponto num ancoradouro
e numa vontade sociável
que se funde no mar depois do céu



terça-feira, 9 de julho de 2013

Esta é uma inteira verdade




Quero certificar que, como pequeno pombo, extraordinário,
Sem pudor, penas ou mágoa,
Fui lançar as minhas penas soltas à água,
Mesmo ao lado da lomba do meu espaço sanitário,
Um alto insignificante, formado por palavras minhas e extenuadas,
Que amontoo para, assim, terem préstimo e serem usadas.
Esse é o manancial do meu prontuário
E o lugar de regresso do meu rimário,
Sem pesar ou amargura,
Sem destino ou destinatário.