quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

tacto




talvez não saiba tactear-te, 
enquanto procuro a raiz da ilha 
entre as raízes das palavras, 
e tenha eu raízes que me fixam aqui, 
como a saudade da cidade, 
a trezentos e cinquenta e seis poemas 
do fim do prometido processo. 
mas traz as histórias, traz a pele, 
e, se for uma questão de raízes, 
também elas as têm e há espaço 
entre as minhas. 


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ao violino




vou dar os créditos ao dia: 
poderia tocar no violino, mas não produziria 
música. tocar-lhe-ia, apenas, sem lhe mudar 
o destino; sem despertar o sangue ou a água; 
sem acender o fogo num corpo ou acordar-lhe 
a alma. poderia afagá-lo, simplesmente 
e a música seria esta: o afago sincero e livre, 
onde as dissonâncias são a elevação da melodia. 


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quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

têmpora




os anos passaram e já não sou imortal. 
já não cresço como os dias em janeiro, 
no hemisfério norte. sou agora o sopro, 
o mistério da sorte, sob o murmúrio da luz. 
quem sabe, a um dia de ser velho, ainda, 
à tona de todo um corpo confundido 
no corpo de um poema com a memória 
em fuga e possuído por um largo sorriso: 
será que o amor também enruga? 


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bem




desço das cruzes pela língua viva. 
bem sei que é relativo, o bem, para dar 
sentido a comunicação da expressão global. 
mas não é condicional, eu quero estar bem. 
não aceito o mal que me possam oferecer, 
ou desejar, e desejo, de bom grado, o dobro 
do bem que me desejam. eu quero o bem. 
eu quero-te bem e todo o bem. vem! 
mas se o bem for partir: que partas bem 
e eu bem hei-de ficar com o bem comum 
e com o bem que eu, mal ou bem, hei-de 
inventar. eu só quero o bem, que pode não 
residir no bem-estar e estar, mais longe, 
ainda, da fé. 


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terça-feira, 12 de janeiro de 2016

na praça


aveiro
[praça doutor joaquim de melo freitas] aveiro - portugal


sentado numa margem da margem da praça, 
observo, por entre os intervalos das palavras. 
por aqui, na praça, deambulam personagens 
conhecidos, entre turistas e outros transeuntes, 
em contornos de outras palavras inacabadas. 
o vento arrojou-se ao chão do homem a remos, 
que aguardava, opaco, no nevoeiro existencial 
de pó de memórias, o amor-próprio e um monarca 
apalavrado. o mesmo chão que investiga a senhora 
que fala para ele, chão, e que lhe procura uma 
qualquer coisa sem fim, fervorosa, todos os dias. 
ou talvez procure todas as coisas necessárias 
à sua vida, que se vai perdendo numa bruma 
que também vejo em mim, enquanto o céu cai, 
tenaz, no chão que é, agora, meu


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legenda




lá fora: …o inverno; 
a chuva, o vento, o frio; 
a ria, que me aguarda; 
mais chão, serra, praia; 
o asfalto… 

sem pressa, 
mesmo sem saberes 
(e saberás, seguramente), 
és, ainda, uma porção da ilha; 
um pedaço de todo o silêncio; 
um fragmento de toda a luz; 
uma fracção de toda a magia; 
uma parte de qualquer nostalgia; 
um pouco de mim. 


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segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

ligação




olhava para o precipício com profundo receio. 
como poderia eu saber que era um espelho, 
que o fundo, tão fundo, era o reflexo do céu, 
e que aquele rosto apavorado era apenas eu? 

reencontrei-me. já não existe a mesma cidade 
com as águas guardadas no tempo mecanizado; 
o vento é um gesto contínuo de afecto e encanto, 
e a chuva é um afago que ameniza o asfalto 
e as fachadas desbotadas, que me falam de amor. 

hoje, não é fácil encontrar-me numa fotografia. 
muito menos quando fico parado, junto à palavra, 
naquele momento que antecede a acção: 
ou a palavra foge; ou eu fujo; ou fugimos, juntos. 


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sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

espessura


Barra - Gafanha da Nazaré - Ílhavo [Aveiro]


confesso que não sei o que é mais fácil: 
atravessar a espessura da luz do dia 
ou a espessura da escuridão da noite. 

apetece-me dançar e ser a dança. 
há uma melodia difícil na distância, 
um tempo próprio, um próprio espaço
e a luz própria, que não avança. 

há magia nos meus dedos, 
primavera no meu corpo, 
e eu poderia ser o mar de sonhos 
dentro de ti, na tua alvorada. 
ou poderias entrar na minha noite 
e ser a minha amada, sem medos, 
a traçar o meu destino. 


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quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

molhe


Barra - Gafanha da Nazaré
Barra - Gafanha da Nazaré - Ílhavo [Aveiro]


o poema é, agora, uma pedra 
numa nova zona de rebentação, 
fragmento de um molhe vazio, 
onde a turba de águas despoja a sua fé 
e compõe uma melodia cadente, 
ao som da qual o vento dança. 
e dança com tudo e com todos 
os que encontra à sua passagem. 

já não sou um estranho ruidoso, 
cheio de palavras desconhecidas 
e de interrogações abundantes. 
o mar aproxima-se e fala de nós, 
tão perto que parece abraçar-me, 
em gestos disfarçados pela sombra. 
todos o vêem, ninguém acredita 
e o tempo não o pode contar. 

mas gosto de estar aqui, onde não sei 
se sou eu que salvo as palavras ou se 
serão as palavras a salvar-me. 


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terça-feira, 5 de janeiro de 2016

marés


aveiro
aveiro | portugal



o homem, todo-poderoso, 
a consentir a natureza: 
a ria entregue à urgência 
das marés. 
e poderíamos ser nós, 
eu e tu, 
entregues à natureza urgente 
dos abraços. 


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aqui


aveiro
aveiro | portugal



a ria a ouvir os nossos sons, a sentir o nosso calor 
e o nosso odor, a ver as nossas cores e formas… 
a chuva cai, como quem não sente, sobre a cidade 
energética e objectiva, feita de ontem e de amanhã, 
que, como eu, não soube do tempo a tempo. 

creio saber perder-me quando, no meu vagar, 
fecho os olhos para te ler doce e lentamente; 
ou quando oscilas na minha noite, nas imagens 
que crio, a ermo, para ocupar o lugar despovoado, 
onde os pensamentos acontecem para além da pele. 


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sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

por dizer


aveiro
aveiro | portugal



aqui estão as palavras, em movimentos de êxtase 
e aromas envolventes, que modelam os intervalos; 
o cansaço de homem debruçado sobre a paisagem 
impregnada de uma névoa diurna muito ténue; 
a percepção do céu que se dilui em pequenos gestos 
de dezembro com corola de resoluções afáveis. 
as folhas soltas do destino esperam, já em janeiro. 
tudo fica por dizer. 


[o significado do silêncio]