quinta-feira, 28 de agosto de 2014

argau 14




gosto de repetir a brisa fresca e húmida 
que provém do mar, ao final da tarde, 
quando a praia fica só e eu me encontro 
devagar. aqui, assisto ao nascer das noites, 
sem palavras; ao afundar da dimensão 
na penumbra; e ao recolher reservado 
das gaivotas em introspecção provocada. 
enquanto os caramujos falam de amor, 
sem medo, por entre os seus movimentos 
hesitantes e oscilantes, o tempo pára. 




quarta-feira, 27 de agosto de 2014

argau 13




sem contestar o depois
depois vieram os dias
que sucederam aos dias
de partir a partir de tróia

riscámos várias vezes o céu
como estrelas cadentes
fomos a chuva de estrelas
na vida sem guarda chuva

e chorávamos como crianças
a cada nova despedida
mesmo que breve

de setúbal tenho uma parte
no lugar vago pelo que de mim
por lá ficou sem forma




terça-feira, 26 de agosto de 2014

solvente





em cada grão de poeira,
depositado nas palavras fugidias
de uma história insolvente,
há um alerta de sobressalto
que sobrevém sem termo
às manhãs que já passaram,
às tardes que são memórias,
às noites que são trevas.
nunca deixei de ser a sede
que o imposto me seca
nas mãos vazias e despidas,
até da pobreza de um sonho,
que ainda assim o anunciam.



-inicialmente no paralelo [17 de abril de 2014]

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

argau 12




o presente sai da pipeta.
afasto a estrada para dar passagem
ao caminho que percorre o trilho.
o tempo, espaçadamente, pára,
com hiatos de actividade lenta.
o teu nome é uma eternidade
que se conjuga e desce pelas memórias
povoadas pelas encostas de dias inertes.
hoje, é o dia de voltar a ver o mar
contigo, embora só, e sinto a onda,
que ajudo a sentar e a repousar,
a quebrar mansamente na areia da praia.
é sempre um momento único
ver os teus olhos no pôr-do-sol
e escandalizar, sem intenção,
mas sem embaraço, as gaivotas,
com um abraço, que é o próprio mar.




sábado, 9 de agosto de 2014

paralelo, o início





deste lado também existe um paralelo, 
com linhas que desfiguram a paisagem, 
onde qualquer pessoa pode começar, 
hoje. 
o tempo nunca há-de entender 
o sofrimento ameno das dores de parto 
ou das dores da partida, 
nas dores do amor. 




-inicialmente no paralelo [07 de abril de 2014]

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

argau 11




as janelas entreabertas para temperar o ar 
eram a imagem de uma vida aberta 
o dia nascia e a alma já estava acordada 
portalegre sempre foi bonita 

nunca nos perdemos na serra da penha 
também já não havia nada a perder 
e a ausência da saudade do mar 
era a existência da exuberância 

da planície vista dali até ao traço difuso 
que era a consciência do horizonte 
aquela sensação de presença constante 

o amparo para qualquer adversidade 
e deixávamos cair qualquer prenúncio 
das nuvens onde ainda somos crianças 




quinta-feira, 31 de julho de 2014

argau 10




demorei-me mais do que pensara. 
o mar não se acalmava e a agitação 
era maior no interior do silêncio. 
o improvável servia-se subitamente. 
a coincidência duvidava das coincidências. 
cheguei a pensar que a cidade se salvara 
à hora do jantar, mas ainda se ouviam 
talheres e pratos, e os telejornais. 
alguém tinha encomendado a noite. 
quanto pesará a noite absoluta? 





quarta-feira, 30 de julho de 2014

argau 9





havia um tempo fechado por descobrir, 
afectos encantados como ondas no mar, 
silêncios que bastavam para a felicidade. 
encontrei-os, no sótão, com algumas músicas, 

esquecidos, empoeirados, embrulhados 
em palavras que já não brincavam. 
e podíamos começar em silêncio, 
de novo, mal arrumados, sem medo, 

no nosso compasso e de improviso, 
não fossem os espaços de confiança 
perdida, como reticências móveis, 

prontas a apontar para um qualquer fim. 
mas sem tumultos e sem tristezas 
porque, afinal, é tão fácil embalar-me. 



terça-feira, 29 de julho de 2014

argau 8





e se o tempo e o espaço forem um engano? 
eu acreditei que poderia amar e amei. 
na espessura das palavras, 
acreditei que te poderia tocar. 
mas acreditar era a forma 
de esboçar a minha possibilidade. 
então, segui pela rua a quem chamaram 
liberdade, e onde as lágrimas sorriem. 
a claridade crescia e de tanto crescer 
abriu o horizonte extraído das circunstâncias, 
fora do nosso próprio alcance, 
no local e no tempo mais além; 
e um abraço que pede um novo abraço. 
a fórmula e a forma de transformar os meus 
sentidos. No cair do pano, é a rua que chama 
por mim, até ao fim, que não se encontra 
nos livros, que agora dormem longe. 




sexta-feira, 25 de julho de 2014

argau 7





já não necessitávamos de imaginar o céu 
e sempre acreditámos que o passado era 
um local de passagem. e com esse alcance 
poderíamos amar o presente arrancado, até, 
aos maus caminhos que eu não fui capaz 
de cruzar. sei que foi uma distância que só 
serviu para nos fazer crescer os sentidos.
 
hoje, é difícil recuperar a razão dos dias 
proibidos, que eram a forma de seguir 
em frente. por vezes era só acreditar, 
mas nem sempre foi fácil atravessar 
a noite e a profundidade do pensamento. 
e, um dia, já só conhecíamos os caminhos 
que nós não frequentávamos.

os nossos dias nascem sem mágoas 
e o que sabemos do passado coincide, 
foi assim que conseguimos transpor o rio. 
não fiz grandes progressos na natação, 
mas tenho aprendido, bastante, a voar. 



quinta-feira, 24 de julho de 2014

argau 6




um dia subimos a colina do castelo 
em ruínas, que vestiram os nossos corpos. 
conquistámos o topo da escarpa em paz 
e preenchemos toda a área com a alegria. 
um dia era um longo período de tempo 
e o castelo de germanelo uma infinidade 
de perspectivas, de oportunidades, de espaço… 
de vazios, que, afinal, trouxemos connosco. 
mas são naturalmente bonitas e leves, as ruínas 
de alguns dias, que um dia libertámos. 
as aves de rapina ficaram com o mando
e nós não podíamos abandonar o mar.




quarta-feira, 23 de julho de 2014

argau 5


portalegre


não importava se procedíamos das estrelas, 
ou do mar; se éramos pó, ou energia; 
se éramos uma amálgama da realidade… 
cada um de nós já tinha amado para sempre 
e já tinha regressado várias vezes… 
sabíamos que era verão e quando as ondas 
chocavam nos nossos corpos, furtando a areia 
debaixo dos nossos pés, no seu regresso… 
não havia ilusão quando subíamos à serra 
da penha e víamos portalegre, no ocaso, 
de olhos fechados, sem enigmas ou receios. 
o para sempre foi o momento e a circunstância, 
o universo imediato e a felicidade do instante…